Rumah Portugis
Como em muitas outras regiões da Indonésia, também em Semarang o Portugal do período dos Descobrimentos povoa o actual imaginário colectivo. Vem isto a propósito de uma competição de motocicletas, “quanto mais bizarras, melhor”, que contou com o patrocínio de uma organização (?) designada “Portugis Indonesia”. O cartaz anunciador desse evento (decorrido entre 16 e 17 de Janeiro de 2016) apresentava como pano de fundo a catedral local e a imagem de um dos competidores – “petualang orang tua gila scooter” (um velho e louco condutor de lambreta). A música fez também parte do evento, pelos vistos a cargo de uma organização denominada “Portugis Indonesia Plat-H”.
Apesar de tão promissores aperitivos, preparo-me para deixar Semarang algo desiludido quanto à possibilidade de encontrar um sinal que seja indicador da passagem dos portugueses. Renasce-me a esperança, porém, ao conversar com um homem numa dessas tendinhas de rua onde por norma bebo um coffeemix ou então um batido de abacate, quando não é os dois. Inteirado do meu propósito, o sujeito menciona a existência de uma rumah portugis (casa portuguesa) em Tambak Lorok. Ou seja, na região portuária de Tanjung Emas, edificada precisamente sobre o velho porto, na foz do rio Semarang. Para lá me dirijo mas ninguém é capaz de identificar a anunciada rumah portugis. Falsa pista? Talvez não. Existe aqui um farol. E muitas embarcações. Todas de madeira e popa achatada, como a dos castelos das lusas naus. Ora, uma vez provada a presença de portugueses na antiga Semarang, normal é deduzir que possam ter inicialmente residido (ou gerido uma pequena feitoria) num local destes – principal via de acesso ao mar –, daí a memória da rumah portugis. Quanto a isso não parece haver grandes dúvidas.
Apesar de ser um dos maiores portos de Java, Semarang está desprotegida contra as monções do Noroeste, que quando se manifestam chegam a causar a suspensão das operações portuárias, uma vez que as embarcações devem ancorar ao largo. Além da sua dedicação à pesca, industriosos se mostram os locais na fabricação do vidro, do calçado e dos têxteis, além, claro, da construção naval. Mas há ainda outros produtos que dali são exportados: a borracha, o café, o camarão, a teca, a copra, o tabaco, o cacau e a mandioca.
Semarang foi cedida pelo sultão de Mataram, como parte do pagamento de uma dívida sua à Companhia das Índias Orientais Holandesas, em 1678. A cidade não passava então de um pequeno povoado “com uma piedosa área muçulmana”, denominada Kauman, um bairro chinês e uma fortaleza pentagonal com cinco torres e um portão destinada a proteger o assentamento holandês, segregando assim as demais áreas residenciais. A cidade, conhecida como Europeesche Buurt, fora erigida ao estilo clássico europeu com uma igreja no centro e largas ruas ladeadas por vistosas moradias. Na verdade, Semarang era sinónimo de bairro holandês, sendo os restantes assentamentos étnicos considerados aldeias fora do limite da urbe. Numa época marcada por constantes guerras e conflitos reservavam-se as terras para o cultivo do arroz. Não obstante, Semarang usufruía de um sistema municipal bastante generoso e era ao longo do rio que as diferentes comunidades se encontravam para negociar. Particularmente decisivo para o seu crescimento urbano foi o projecto “Great Mail Road”, em 1847, que colocaria em contacto todas as cidades da costa norte da Java Central e Oriental, surgindo Semarang como centro de produção agrícola por excelência. A este projecto seguir-se-ia o desenvolvimento da ferrovia das Índias Holandesas.
Semarang, à semelhança da histórica Jacarta, possui estação ferroviária com distinto risco europeu, um legado dessa altura. Construída em 1870 pela Nederlandsch-Indische Spoorweg Maatschappij (Companhia dos Caminhos-de-Ferro das Índias Orientais Holandesas), a estação de Tawang é uma das maiores e mais antigas estações ferroviárias da Indonésia ainda em funcionamento. Um remarcável edifício nas proximidades alberga a tabaqueira Praoe Lajar onde se produzem cigarros de cravo, os “kretek”, populares desde a era colonial. A entrada principal desta fábrica – provavelmente a mais antiga tabaqueira do País – chama a atenção pela riqueza dos detalhes arquitectónicos, caso do painel de vidro de meio círculo na varanda e a janela com vitrais com o logótipo da empresa.
O bairro antigo de Semarang é um alfobre para os caçadores de antiguidades. Ao longo da rua Srigunting, perto da igreja protestante de Blenduk, deparamos com várias dezenas de vendedores de antiguidades. De tudo há ali um pouco e aos mais variados preços: moedas holandesas, garrafas de água antigas, diverso tipo de armamento, vestimentas militares, sinos, pulseiras, instrumentos musicais, cerâmica e o habitual ferro velho que tem sempre o seu cliente potencial por mais banal que seja a sua aparência.
Uma última nota para o templo chinês de Sam Poo Kong, localizado no centro da cidade. Na realidade, esta era a residência do famoso almirante chinês Zheng He, o eunuco navegante que a caminho da costa leste de África e no regresso dela demandou vários portos de Java. No interior há uma fonte que – dizem os locais – jamais secará.
Joaquim Magalhães de Castro