O Panteísmo – IV

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – XCIX

O Panteísmo – IV

O Panteísmo teve várias facetas e entendimentos ao longo da História, não foi sempre igual nem percepcionado da mesma forma. A antiguidade do Panteísmo demonstra a sua presença na história do homem, do sentimento religioso e na sua compreensão do mundo, da transcendência e da imanência. Mas também se mesclando com outras formas de religião, disseminando concepções desviantes e impregnadas de um certo relativismo. Por isso, facilmente derivou em tendências contraditórias entre si até e difusas, que acabam por criar dúvida e confusão.

Existem várias formas de panteísmo, na verdade pode-se dizer que existem tantas formas como o número dos seus “crentes”. No fundo, cada “crente” do panteísmo acaba por ser o líder da sua “religião”, tem a capacidade e possibilidade de criar ou impor, a si próprio, o programa espiritual, único, e o sentido a dar à sua “fé”. Não se trata aqui de chacotear, mas apenas descrever a liberdade absoluta e a relativização em que se pode cair no panteísmo, no qual emerge aquele adágio popular, chavão moderno, do “eu cá tenho a minha religião”. Porque em muitos casos o panteísmo acaba por ser uma auto-construção espiritual, um projecto pessoal, de descoberta e depois de enquadramento em algo a que facilmente se chama de panteísmo.

A divindade na Natureza, ou a divinização da Natureza, é uma descoberta de todos os tempos, desde que o Homo Sapiens Sapiens se tornou ou assumiu a consciência da “religião”. Mas a maioria das pessoas desconhece a existência do termo que enquadra precisamente o entendimento dessa descoberta, dessa adesão, pelo que muitos podem ser, sem terem noção ou consciência do que são, panteístas!

À LA CARTE…

Deus está em cada um, o Cosmos é divino, é a compreensão do “eu”, afirmam os panteístas. Sem afirmação metafísica, sem Deus, o panteísmo procura criar formas de relacionamento ético entre os seres humanos, iguais às dos crentes com Deus. Mas a individualização da fé torna esse relacionamento individual e diferente, sem uma regulação ou doutrinação que permita regras e disciplina, sem sobreposições ou diminuições, diferenças. A Terra é sagrada, afirmam também os panteístas, na mesma medida, dizem, com que os crentes de outras religiões sacralizam os seus templos, mesquitas, igrejas, ou santos, bodhisattvas, imanes, etc. Porque entendem que se deve sacralizar a Natureza como os crentes fazem aos templos e santuários, não como afirmação ou crença no sobrenatural, explicam os panteístas.

O panteísmo é de facto mais antigo que todas as religiões no mundo, mais que o Budismo, o Judaísmo, o Cristianismo ou o Islão. Muitos defendem até que todas as religiões existentes não passam de simples transformações ou reformulações do panteísmo. Muitos das grandes figuras da História da Humanidade foram marcados pelo panteísmo, como se pode ver em seguida.

Tales de Mileto (624-546 a.C.) afirmava que a substância primária era a água. De facto, na Grécia Antiga, este é um exemplo da busca da descoberta do que esteve na base da criação do Universo. Alguns defendiam que tinha sido uma substância material, não mental ou espiritual. Essa substância era única e unificou tudo o que estava no Universo. Muitos elementos surgiram, como a água de tales de Mileto.

Anaximandro (611-546 a.C.), outro filósofo grego, defendia que a origem de todas as coisas tinha sido o ápeiron, uma substância ilimitada, indefinida e indestrutível, do qual tudo surge e ao qual tudo reverte. Ápeiron significa “ilimitado”, “infinito” ou “indefinido”, tendo dele surgido os quatro elementos fundamentais: o quente e o frio (origem dos astros) e o húmido e o seco (origem do mundo e da vida orgânica). O discípulo de Anaximandro, Anaxímenes (588-534 a.C.), identificava o ápeiron do mestre com o ar, do qual nasceram as três matérias básicas: fogo, terra e água, e a partir destes elementos tudo o que existe. Anaxímenes defendia que essa era a origem dos Deuses.

Ainda entre os filósofos gregos, Xenófanes (560-478 a.C.), da escola de Mileto, defendia uma origem natural das criaturas, criticando a mitologia e as suas cosmogonias. Um deus imanente à Natureza era para este filósofo o substituto das deidades olímpicas. Ainda Heráclito (536-470 a.C.), grego de Éfeso, concebia a Natureza como um todo racionalmente ordenado num processo continuo de transformação, constituindo uma única realidade. Na sua demanda pelo princípio comum às várias formas da matéria, considerou ser este o fogo.

Para os estóicos, como Zenão de Chipre (séculos IV-III a.C.) o Universo era um ser animado e racional que até possuía uma alma (composta por uma refinada forma de matéria).

Scot Erígena (810-877), mais tarde, desenvolverá também concepções panteístas, já dentro daquilo que será a cristandade medieval. Em «(…)última estância, Deus e a criação são um só… Enquanto natural, o criador do Universo, é infinito, não está confinado por nenhum limite superior ou inferior. Ele abarca tudo em si e é cercado por nada», afirmava o escolástico irlandês na sua obra-prima “De diviosiones naturae”.

Outro pensador do mundo cristão, Giordano Bruno (1548-1600), assumiu uma visão panteísta da realidade ao defender a ideia de que a suprema e única substância é Deus, ou Natureza, nela se encontrando contido todo e qualquer objecto, relação e evento que existe no Universo. O princípio do mundo não estaria fora dele, mas antes é a força que está dentro do próprio mundo. Foi o primeiro panteísta a ser condenado pela Inquisição, sendo preso por acusação de heresia em 1592 e queimado a 17 de Fevereiro de 1600.

Um pouco depois, um filósofo holandês descendente de judeus portugueses fugidos das perseguições em Portugal, Baruch Spinoza (1632-1677), identificava Deus com a Natureza, embora sem amor algum expresso em relação a esta. O ponto de partida de Spinoza não é a Natureza ou o Cosmos, mas sim uma definição puramente teórica de Deus. Muitos consideram a sua obra “Ethica” como a mais elaborada e rigorosa exposição do panteísmo em toda a literatura filosófica.

John Toland (1670-1722) mais tarde criaria o termo “panteísta”. Defendia a existência de um universo sem limites e descreveu uma sociedade panteísta secreta cujos membros eram conhecidos por “associados socráticos”, a qual não se sabe se sequer existiu.

Outros filósofos, como Goethe (1749-1832), assumiram o panteísmo de Spinoza, afirmando até que «aquele que não se ergue o suficiente para ver Deus e a Natureza como um só não conhece nenhum deles». Ou cientistas, como Einstein ((1879-1955), que dizia, fascinado, acreditar no Deus de Spinoza, «que se revela na harmonia de tudo o que existe, não num Deus que se preocupa com os destinos e acções do Homem». A sua religião era o Universo, a Natureza, que é o reflexo daquele, dizia. A sua teoria dos campos unificados é a sua concepção de unidade do espírito e da matéria, na sua busca da força motriz e unificadora de tudo. O panteísmo…

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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