Macau também é Sínodo
O Papa Francisco voltou a convocar os bispos para a realização de um Sínodo, com a particularidade – pela primeira vez – de estender os trabalhos preparatórios a cada um dos muitos milhões de católicos (e não só) espalhados pelo mundo.
Com esta iniciativa, o Santo Padre materializa o que tem sido o seu discurso desde que foi eleito como sucessor de Pedro à frente dos destinos da Igreja Católica e, por inerência, da Santa Sé: dar voz às periferias, às periferia das periferias, e assim sucessivamente.
Com uma agenda sempre orientada para os mais fracos desde o início do seu pontificado, o antigo arcebispo de Buenos Aires procurou chamar os líderes mundiais para os problemas mais prementes que afectam a Humanidade, entre eles a forma negativa ou negligente como o Homem se relaciona não só entre si, mas também com a Natureza. Daí as encíclicas de Francisco serem já hoje consideradas pelos vaticanistas como as mais sociais entre as escritas nas últimas décadas.
Depois do Sínodo dedicado à Família e de inúmeras iniciativas dedicadas aos problemas ambientais, sendo de destacar o encontro dos bispos brasileiros no Vaticano, cujo tema principal foi a gestão da Amazónia e o que dela podemos esperar para o futuro, o Papa lançou um desafio bem maior ao mundo católico, convocando-o a dar o seu contributo no sentido de fazer da Igreja uma instituição verdadeiramente una, como declarou Cristo aos seus Apóstolos antes de morrer.
O processo dos trabalhos já em curso divide-se em várias etapas; um longo caminho que irá terminar com a reunião magna dos bispos no Vaticano em 2023.
O desafio lançado por Francisco foi há praticamente quinze dias replicado em tudo o mundo, com os bispos (ou padres em representação destes) a abrirem os trabalhos do Sínodo nas suas dioceses, dando a conhecer aos fiéis os objectivos que o Papa pretende alcançar, os quais só serão possíveis com o contributo de todos.
Neste âmbito, as dioceses de Macau e de Hong Kong têm um papel de destaque, visto estarem sob a alçada directa da Santa Sé, ao contrário do que na prática acontece na China continental. Os fiéis das dioceses das duas regiões administrativas especiais desde a sua constituição – e mesmo antes – sempre se identificaram com os bispos que as lideraram, não só por estes estarem em verdadeira comunhão com o Papa, como por preservarem a cultura cristã no Oriente, materializada no Ensino e na forma pacífica como diferentes povos mantêm uma sã convivência.
Assim, é importante que até 2023 os católicos de Macau e de Hong Kong se unam aos seus prelados e com eles procurem contribuir com ideias para o Sínodo dos Bispos. Nos últimos anos, também na RAEM, muitos estudos, análises, dissertações académicas e outros textos foram sendo publicados, bem como realizadas inúmeras conferências para debater os mais diversos temas. É pois chagado o momento de todos estes especialistas – até podem não ser católicos – contribuírem para que de Macau saiam ideias úteis, mesmo que em última instância apenas sirvam para que a Santa Sé compreenda melhor as tão referidas especificidades da nossa sociedade.
Por outro lado, há que não esquecer que Macau e Hong Kong, embora em registos diferentes, são fundamentais para que o fiel da balança nas relações entre a China e a Santa Sé se mantenha dentro dos limites do diplomaticamente correcto e que os ganhos obtidos por ambas as partes não se esfumem.
De certo modo, ao abrir este Sínodo às periferias, Francisco também procura chegar a algumas áreas do globo onde a Igreja Católica é encarada com alguma – ou mesmo muita – desconfiança pelos Governos locais e nacionais, o que pode permitir à Santa Sé aferir melhor em que nível está a perseguição dos cristãos no mundo (e aqui não estamos somente a cingir-nos aos católicos), assim como entender de forma mais fidedigna as razões por detrás das medidas impostas aos cristãos pelas autoridades desses países.
É por não vivermos na mesma realidade de muitos dos nossos irmãos e irmãs dos países do Sudeste Asiático e do Extremo Oriente que temos a obrigação de dar uso prático e válido aos conhecimentos adquiridos ao longo dos anos, fruto do nosso tempo vivido em Macau e das experiência tidas nesta parte do globo.
Às vezes um mero testemunho, uma história por mais pequena que seja, pode ser o mote para que as atenções se virem para uma realidade até então desconhecida.
Se os católicos deram “novos mundos ao mundo”, aportando nos mais recônditos lugares, eis que o Papa Francisco volta a chamar-nos para trazermos à luz do dia o tanto que a Igreja ainda desconhece. É que só assim a unicidade de todos os cristãos será possível, ainda para mais quando o núcleo forte do Cristianismo há muito deixou de estar na Europa e na América Latina. Isso provam os últimos dados estatísticos, que revelam um aumento significativo de novos cristãos em África e mais acentuadamente na Ásia.
Por tudo isto, respondamos afirmativamente ao desafio do Santo Padre e aproximemo-nos do nosso pároco, do nosso bispo e de todos os irmãos e irmãs que irão fazer deste Sínodo um marco histórico na vida da Igreja Católica.
José Miguel Encarnação