“Na velhice não me abandones”
A Igreja Católica celebra, este Domingo, o IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, uma efeméride instituída pelo Papa Francisco. O mote deste ano, “Na velhice não me abandones”, é inspirado no Salmo 71, 9: «Não me rejeites no tempo da velhice; não me desampares, quando se for acabando a minha força» – vigoroso clamor perante o desconcerto do mundo, a imediatez e materialidade, que trata o Ser Humano como peças de máquinas. Quando não têm uso ou capacidades de serem usadas, quando estão desactualizadas ou passaram o prazo de validade, são atiradas para a sucata ou para uma prateleira.
O homem integral existe desde a sua concepção até ao cumprimento da transitoriedade da vida terrena. É humano todos os dias da sua vida, na saúde e na doença, na validez, na invalidez, no peso da vida e no “Outono” do seu tempo no mundo. Acima de tudo, é o apelo para que hoje não nos esqueçamos dos que nos geraram, cuidaram, educaram, dos que sofreram por nós e para nós, de todos os que no nosso tempo de vida tudo fizeram para que essa mesma vida existisse e tenha sentido. E um dia, que aqueles a quem nós fazemos o mesmo, não se esqueçam de nós e não nos abandonem.
É o eterno ciclo da vida, da metáfora cultural chinesa que expressa a realidade: cuidemos dos nossos pais, que cuidaram de nós, que nos ensinaram, para que haja exemplo para os nossos filhos, que um dia possam também cuidar de nós. Ensinemos a combater a solidão, o desamparo, a tristeza e a dor, semeemos no presente o que no futuro deverá continuar a ser semeado, para o futuro acontecer sempre. Mesmo quando formos mais passado do que futuro, que possamos ter sempre presente e não nos atirem para a sarjeta. Não faças aos outros aquilo que não gostavas que te fizessem.
A solidão é, infelizmente, a amarga companheira na vida de muitos idosos, que muitas vezes são vítimas da cultura do descartar, do emprateleirar, como recorda o Santo Padre na sua Mensagem, de 25 de Abril de 2024, para o IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos. Inspirado na súplica de um ancião que narra a sua história de ligação e amor a Deus, narrado no referido Salmo 71, o Papa Francisco exorta os fiéis, neste ano de preparação para o Jubileu dedicado à Oração, a valorizar o papel dos mais velhos, dos avós e idosos em geral, quais baluartes na contínua construção da Igreja, obreiros do grande empreendimento de Deus que é o Homem e toda a Criação. Pedras do edifício da fé que é a Igreja. Deus, diz Francisco, não descarta pedra alguma, antes aprecia mesmo as mais “velhas”, qual base segura sobre a qual se podem apoiar as pedras “novas”, para todas juntas construírem o edifício espiritual (ver 1Pedro 2, 5). Todas são afinal pedras vivas, pedras angulares, tenham a idade que tiverem.
Se Deus olhasse só para as aparências, para a futilidade e efemeridade do aparente, tudo seria volátil e fugaz, fogo fátuo. Teria valor enquanto está usável ou bonito, depois seria descartável. Afinal, como até a Bíblia o refere, não é uma bênção poder envelhecer? Quantos não são coartados dessa bênção, por motivos de saúde, guerras, fomes, violência, em todas as idades da vida, quantos não puderam chegar a velhos? Perdoem o uso da expressão, em vez de idosos, mas é respeitosa e afinal foi sempre assim que nos referimos aos que chegam à bendita velhice. E veja-se, a Igreja é até uma das instituições que mais valoriza a experiência que a idade acrisola; poderíamos começar pelo Sumo Pontífice, poderíamos descer na hierarquia e veríamos sempre a marca da experiência, de quem não despreza nem descarta os mais velhos, fonte de sabedoria e de contribuição, em trabalho, conhecimento e aviso, para os dois milénios do ministério de Pedro.
Igreja é também significado de comunidade, grupo, pluralidade, por isso «não é bom que o homem esteja só» (Gn., 2, 18). Nenhum homem ou mulher pode ou deve estar só, tenha a idade que tiver. Todas as comunidades se devem comprometer com os seus, em construir laços entre gerações, logo em combater a solidão, o abandono ou descartar de quem quer que seja. É uma forma de promover a alteridade e de combater o egoísmo e a perda do sentido comunitário, no fundo, é uma forma de amor ao próximo. Deus nunca abandona os Seus, revela o texto do Papa, nem mesmo na morte, “nem sequer quando a idade vai avançando e as forças já declinam, quando os cabelos ficam brancos e a função social diminui, quando a vida se torna menos produtiva e corre o risco de parecer inútil”. Para recordarmos o sofrimento extremo de Jesus, quando gritou na cruz: «Pai, Pai, porque me abandonaste?» (Mt., 27, 46). Dá que pensar o desespero de alguém abandonado, quando as forças e a saúde já não permitem correr atrás do grupo ou de inverter a solidão e se fica, por quaisquer motivos, para trás e abandonado… Mesmo nos lares, nos depósitos de velhos, reina a solidão e o abandono, afinal, quantos recebem visitas de alguém que não os faça sentir sós? Os jovens migram, abandonam, fogem, descartam, a vida material confunde muitos deles a deixar tudo para trás. O “tudo” aqui é doloroso, implica até os seus “idosos”, descartados ou atirados para os depósitos da velhice… Hoje eles, amanhã os que os descartaram… E assim se perde o sentido e até o gosto da fraternidade, como apontou Francisco na sua Encíclica Fraterni tutti. Porque, afinal, dá-se valor a tudo, ao material, a tudo, menos às pessoas… e muito menos aos que nos fizeram ser e deram sentido como pessoas…
Do ponto de vista sacramental, por ocasião do IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, a Penitenciaria Apostólica concede “indulgência plenária nas costumeiras condições (confissão sacramental, comunhão eucarística e oração nas intenções do Sumo Pontífice) aos avós, aos idosos e a todos os fiéis que, motivados por um autêntico espírito de penitência e caridade, participarem no dia 28 de Julho de 2024”, em todo o mundo.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa