Cansados, apressados e atrasados. Mas com esperança?
Será que a cultura de engenhosas tecnologias de Inteligência Artificial (IA) fabrica pessoas cansadas, apressadas e atrasadas? E de relações “desencarnadas” com robôs a manipular os conformistas? A evolução da vida humana carateriza-se na infância por fases mais rápidas e inquietas. Mais estáveis na idade adulta e mais lentas no envelhecer. A cultura das tecnologias está, porém, a tornar a todos mais ansiosos e apressados para experimentar e consumir ao ritmo de máquinas inteligentes. A epidemia de perder a capacidade de adiar recompensas e prazeres destrutivos robotiza sempre mais as pessoas. O condicionamento amarra os neurónios e impele emoções, pensares obsessivos e acções automatizadas, tornando as pessoas prolongamentos das máquinas sem decidirem nem darem por isso.
A educação propõe-se treinar a capacidade de adiar os consumos apressados e despersonalizados, e a trocá-los por experiências relacionais humanas. Algumas religiões motivam relações de fazer o bem às pessoas e a cultivar a esperança de recompensas espirituais que resistem ao efémero da materialidade momentânea. Há um abismo entre as acções decididas livremente e as impostas pela cultura das tecnologias do marketing publicitário, ganancioso, nivelador e apressado. Estas, duplamente divergentes e ruinosas, privam da liberdade: nuns, são programadas pela IA para consumos auto-destrutivos; noutros, funciona a auto-manipulação gananciosa sem ética. Quem são os mais dependentes, uns ou os outros?
A idade mais crítica de ficar dependente é a das crianças e dos adolescentes. No período de actividades profissionais o trabalho obriga a certa disciplina. As tecnologias da Inteligência Artificial são programadas para apressar e provocam stresse, esgotamento e “burnout”. Os idosos que entram na reforma sem dependências conseguem desacelerar e defender-se: adoptam ritmo mais lento e descansam quando se dedicam ao registo das suas memórias e auto-biografias, nem que seja aos pedaços. Alguns gozam o prazer saudável de ordenar e redigir as suas lembranças. Tornam presente parte do seu passado, vivem experiências em convívios gratos com pessoas próximas da sua idade. Para muitos é uma idade de sabedoria e reflexão descontraída. Os que chegam a idosos já viciados correm o risco de maior desgaste mesmo sem usar as máquinas. Contudo, não deixam de ser suas vítimas.
Os ainda poucos investigadores da possível eficácia da IA e da sua falta de ética para distribuir os benefícios do bem comum vão demonstrando que não há muito a esperar que a programação da IA deixe de estar ao serviço dos colossos endinheirados e seja exorcizada dos efeitos diabólicos que a dominam. Alguns investigadores demonstram que é programada com algoritmos para uns enriquecerem mais e os pobres empobrecerem mais (cf. as investigações de Levi Checketts). Quem são os pobres? O Evangelho apresenta lista muito extensa e os de hoje envergonham os países com altos níveis do PIB; e nos países de baixos níveis os programas da IA cancelam a existência dos pobres e miseráveis. As definições de pobreza são aplicadas nos países mais ricos, mas não se aplicam aos pobres e miseráveis. Estorvariam os jogos das centenas dos usurpadores dos recursos do planeta que querem ficar bem no foto. As máquinas não são tão neutras como alguns apregoam; são programadas para deixar de fora a distribuição do bem comum. Ainda há dias vinha a notícia de que Nova Iorque já tinha 350 mil pessoas sem-abrigo!
Há adiamentos e esperas de recompensas curtas e longas à medida da vida de cada pessoa. A tensão de esperar pelos frutos do esforço pessoal exige constância; e a esperança nos bens a receber de mãos alheias depende das pessoas em quem se deposita fé e confiança. E nem todos são de confiança e menos ainda os corruptos de turno e os robôs. A espera longa dos frutos bons precisa de apoio, segurança, firmeza e confiança de quem os promete sem ceder à pressa, à ansiedade e à mentira que se enxerta nos programas da IA.
Neste ano do Jubileu muito se vai falando de esperança de horizonte temporal. A cristã, porém, cobre o arco da esperança temporal e da eterna, e faz depender uma da outra, ligadas pela fé-confiança em Deus e na fé-confiança nos seus filhos em quem se pode confiar por se amarem uns aos outros na distribuição do bem comum. A espera não precisa de pressa; e na demora vai-se recebendo cem por um de felicidade e o resto é recebido no fim do tempo de cada um. Longo adiamento que só a fé no Deus de amor e nas promessas da sua Palavra, Jesus Cristo pode garantir, mas depende também de como se tratam os pobres!
Pe. Aires Gameiro
Membro da Ordem Hospitaleira de São João de Deus