Algumas propriedades da Esperança – 5
Explicada a natureza da esperança teologal, concentramo-nos agora em algumas das suas notas ou propriedades. As notas que ajudam a desvendar a natureza da esperança cristã são muitas. Pela nossa parte, desenvolveremos três propriedades significativas da esperança, a saber: esperança certa, esperança paciente e esperança orante.
A ESPERANÇA É CERTA
A CERTEZA É UMA PROPRIEDADE ESSENCIAL DA ESPERANÇA CRISTÃ – A esperança é uma confiança fiel em Deus e, por isso, incondicionalmente certa. Porquê? Porque a omnipotência misericordiosa de Deus (motivo principal da nossa esperança) não nos faltará! “Não perdi a confiança, porque sei em quem pus a minha confiança e não tenho qualquer dúvida de que ele é capaz de cuidar de tudo o que lhe confiei até àquele dia” (cf. 2Tm., 1, 12; Rm., 5, 5). Assim, a definição bíblica da esperança cristã: “A expectativa certa da vida eterna e dos meios oportunos para a alcançar – uma expectativa fundada nas promessas, na fidelidade, no amor e no poder de Deus” (C. Spicq). Certamente, a esperança cristã “não engana nem desilude, porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino” (Papa Francisco, Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025, Spes non confundit).
Há certeza na nossa esperança, mas também há medo! O Catecismo da Igreja Católica define a esperança como “a expectativa confiante da bênção divina e da visão beatífica de Deus: é também o receio de ofender o amor de Deus e de provocar o castigo” (CIC n.º 2090).
Podemos nós, peregrinos, estar seguros de nós próprios? Santo Alberto Magno perguntava-se a si mesmo quando já era idoso e estava perto do céu: “Nunquid durabo?” (“Aguentarei até ao fim?”). Esperamos, pois, com uma esperança segura em Deus (cf. 1Ped., 1, 3), mas também com um certo temor (cf. Fil., 2, 13), com uma certa insegurança: «O homem que se julga seguro deve ter cuidado para não cair» (1Cor., 10, 12).
A fraqueza, a vulnerabilidade, a pecaminosidade, a incerteza, são realidades da esperança do peregrino. Assim, com a certeza, o medo é uma característica da esperança teologal. A consecução do objecto da esperança – a vida eterna – é difícil, ou seja, “arduum”. Na verdade, dependemos de Deus e da esperança dos nossos irmãos e irmãs na fé, mas também dependemos de nós próprios: Deus quer e aprecia a nossa cooperação; Deus deu-nos a liberdade.
Serei salvo? Tu serás salvo? Temos a certeza – a certeza – do amor misericordioso de Deus, mas não temos a certeza da nossa cooperação com Deus: a perseverança da nossa vontade até ao fim. Uma esperança amorosa não permite que o medo nos domine. São João da Cruz aconselha-nos: “Temei a Deus com confiança”.
A ESPERANÇA É PACIENTE
Os primeiros cristãos eram impacientes. Porquê? Parece que não compreenderam então que o Senhor estava a adiar a sua última vinda! Com paciência, aprenderam a esperar como crentes no Cristo que veio e que há de vir!
Na nossa época, o principal problema não é, talvez, a impaciência pela vinda final do Senhor, mas a resignação passiva ou o facto de não esperarmos ansiosamente a vinda do Senhor. Parece que muitos de nós, cristãos, queremos atrasar a vinda de Jesus. Afinal, estamos demasiado ocupados, talvez, e não temos fome ou estamos noutro lugar.
A ESPERANÇA CRISTÃ É PACIENTE (cf. Heb., 11, 30; Rm., 5, 3-5; 1Ts., 1, 3; Jm., 1 ,2-4.11) – A nossa fé pede-nos que sejamos esperançosamente pacientes perante o sofrimento. O sofrimento aparece de muitas formas: um fracasso pessoal, a doença crónica de um filho, a morte de um ente querido; a injustiça, a violência e a destruição; e até a nossa própria morte. A dor pode surgir em diferentes alturas da nossa peregrinação.
As grandes testemunhas e modelos de esperança paciente, perseverante e alegre são aqueles que sofreram muito, como Job, Jeremias, São Paulo, os mártires, São João da Cruz, Teresa do Menino Jesus, as vítimas inocentes do ódio, da injustiça e da violência. Acima de tudo, Cristo, o servo sofredor, que foi para a sua crucificação com mansidão, serenidade e paciência – com esperança.
O Senhor crucificado convida-nos e dá-nos força para aceitarmos o sofrimento e sermos sensíveis ao sofrimento dos outros. O nosso sofrimento pode tornar-se um sofrimento redentor, se for suportado pacientemente e unido aos sofrimentos de Cristo, nosso Redentor (cf. 1Pd., 2, 21). Assim, a nossa “esperança crucificada” (J. Moltmann) pode transformar-se em esperança de ressurreição: «Estou absolutamente convencido de que os nossos sofrimentos do presente não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada» (Rm., 8, 18).
Os cristãos “seguem a Cristo pobre, humilde, e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da Sua glória” (LG, n.º 41).
Na perspectiva teológica, a paciência é uma virtude moral importante, ou um bom hábito, que nos permite suportar com tranquilidade as dificuldades físicas, morais ou espirituais da vida, em prol de bens maiores e do bem maior: a vida eterna. A paciência é uma virtude necessária para controlar ou domar a impaciência, a ira e a ansiedade. De facto, a paciência alcança todas as coisas (Santa Teresa de Ávila).
A perseverança acompanha a paciência: a esperança é paciente e perseverante. É, de facto, necessário perseverar até ao fim (cf. Mt., 10, 22). A virtude da perseverança ajuda a esperança paciente a ser sempre paciente até ao fim.
A esperança é humilde e alegre. O cristão caminha pela vida em “spe gaudentes” – alegre na esperança (cf. Rm., 12, 12). A felicidade não é o contrário da alegria: «Sinto-me feliz por sofrer por vós» (Col., 1, 24). A esperança é um ingrediente essencial da felicidade nesta vida, e a alegria é uma nota da esperança: «Alegrai-vos na esperança» (Rm., 12, 12). A raiz da esperança de felicidade é a humildade. Jesus disse que «se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos céus» (Mt., 18, 3). A esperança da felicidade radica na humildade, isto é, em ser como as crianças: ser “pequenino” foi a raiz da glorificação de Cristo (cf. Fil., 2, 2-11) e é o fundamento da oração.
A ESPERANÇA É ORANTE
A oração está essencialmente ligada à esperança: “Spes orat” – a esperança reza, a esperança é orante! A maior parte das nossas orações na Santa Missa e no Ofício Divino pedem a Deus que nos ajude a alcançar o céu: «Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais Ele fará» (Sl., 37, 5). O coração da nossa oração – pessoal e comunitária – é a Sagrada Eucaristia como Palavra e Sacramento. A Sagrada Eucaristia é “a fonte e o ápice de toda a vida cristã” (cf. Vaticano II, SC, n.º 12; LG, n.º 11).
J. Wilson tem pontos importantes sobre a esperança orante. Segundo ele, a virtude da esperança é moldada na prática do culto. O que aprendemos na adoração é que Deus já nos deu tudo em Jesus Cristo. Comentando Isaías, Wilson adverte-nos contra a adoração que Deus detesta, isto é, uma adoração feita com mãos sangrentas e vidas corruptas (cf. Is., 1, 10-17; Sl., 73). Escreve o autor: “Muito do que chamamos de adoração é inútil porque nos permite viver em conformidade com as ilusões do mundo em vez de em conformidade com a escola do Evangelho. Precisamos de recuperar a prática do culto na esperança, para que a nossa visão possa ser corrigida e o nosso testemunho fiel”.
A oração cristã também é pessoal: «Quando orares, vai para teu quarto e, após ter fechado a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará plenamente» (Mt., 6, 6). O cristão é certamente chamado a rezar com os seus irmãos, mas deve também entrar no seu quarto para rezar ao Pai em segredo. No entanto, mesmo a oração privada e todos os exercícios privados de piedade estão ordenados ou decorrem da liturgia, especialmente da Eucaristia.
A ORAÇÃO É UMA MEDIAÇÃO DA ESPERANÇA – A melhor oração vocal mediadora é o “Pai Nosso”, que – segundo Santo Agostinho – contém tudo o que está relacionado com a esperança.
Pe. Fausto Gomez, OP