O monopólio de Lopo Sarmento
Ignorou o vice-rei do Estado da Índia os insistentes pedidos dos comerciantes de Macau para que fosse legalizado o comércio com Manila. Argumentava que tal iria contra as ordens do rei. A rejeição, no entanto, de nada valeria pois se avolumavam os negócios entre macaenses e filipinos, enquanto se reforçava a cooperação defensiva entre os homens de armas da Cidade do Nome de Deus e os do arquipélago de São Lázaro.
Diz-nos o historiador José Manuel Garcia que “o relacionamento e aproximação luso-espanhola na Ásia Oriental era de tal forma notória que em 1625, por exemplo, Macau conseguia pagar grande parte das suas dívidas devido aos 40 000 xerafins que lhe havia rendido a viagem a Manila. Nesta cidade continuou a registar-se a presença de navios de Macau, nomeadamente cinco em 1627 e dois em 1628”. Confrontado com esta torrente de tráfico Dom Miguel de Noronha, conde de Linhares, o então vice-rei, licitou em hasta pública “viagens por três anos de Macau a Manila”. Eram, porém, demasiado caras para a maioria dos comerciantes e, por isso, apoderar-se-ia de todas elas Lopo Sarmento de Carvalho, porventura o maior capitalista português na Ásia, capitão de Macau aquando da investida holandesa.
Senhor de tão apetecível monopólio, Carvalho comprometia-se “a enviar para cada um dos locais indicados três navios por ano ou de qualquer forma nove durante a vigência do contrato”. Descontente com o negócio, o Senado de Macau logrou inviabilizar a efectivação das ditas viagens, acabando estas por ser protagonizadas por gente de Macau. Informa José Manuel Garcia que “as três viagens de Lopo Sarmento de Carvalho a Manila acabaram por ser realizadas entre 1632 a 1634, sob a direcção do seu cunhado e associado António Fialho Ferreira, na sequência do apelo que teve de fazer à intervenção do vice-rei, que então nomeou Manuel da Câmara de Noronha para capitão-geral de Macau. Esta realidade revela o ambiente que se vivia nesta cidade entre grupos económicos rivais”.
Sucederiam-se novas proibições de venda das viagens de Manila (14 de Março e 20 de Dezembro de 1632) numa altura em que Filipe III de Portugal solicitava o apoio do conde de Linhares junto do governador de Manila com o intuito de expulsar os holandeses da Ilha Formosa, insistindo ao mesmo tempo “no corte total da comunicação e comércio entre a China e Manila, para assim evitar os grandes inconvenientes que daí resultavam aos Estados das Índias Orientais e Ocidentais”. Comunicou de imediato ao rei o vice-rei a impossibilidade de cumprir tal ordens, pois tinham os chineses que dar vazão à sua seda, fossem quais fossem as vias utilizadas. Também os castelhanos, “ao verem que lhes começava a faltar a seda, mandavam embarcações buscá-la com o pretexto de obterem provisões”. Na verdade, não havia forma de impedir esse comércio, e era conveniente e justo que o rei obtivesse algum proveito com ele, quanto mais não fosse para a manutenção de Macau. Quanto à decidida proibição do comércio macaense-filipino, foi encontrado um meio termo remediado, ordenando-se que “no pataxo para Manila não fossem mais sedas nem especiarias que as que fossem necessárias para o gasto local”.
A 12 de Setembro de 1633, Manuel da Câmara de Noronha, o capitão-geral de Macau, enviava ao vice-rei conde de Linhares uma carta “informando-o das relações que ali se mantinham com Manila, informando-o nomeadamente dos navios que anteriormente tinham partido de Goa para Macau, explicando a razão por que na carga dos navios a seguir para Manila favoreceu os castelhanos, deixando-os embarcar as suas fazendas em primeiro lugar, o que muito tinha aborrecido o capitão António Fialho Ferreira”. Na missiva mencionava também o enorme risco que nessa altura corria o comércio de Portugal com o Japão, “pela insistência que os holandeses faziam naquelas paragens, pagando percentagens maiores e oferecendo aos governadores ricos presentes para lhes ganharem a simpatia, explicando que os moradores de Macau deviam dinheiro aos japoneses e que se o comércio parasse, pereceria todo o povo da cidade, visto que não ter mais por onde se pudesse manter. O capitão informava ainda que tivera notícia de que muitos mercadores de Macau com receio dessa proibição começaram a comerciar com Manila, navegando par esse efeito em pequenos barcos e que estava impossibilitado de os prender ou castigar, visto encontrar-se sem presídio e os chineses lhes darem protecção, pelo que acabava o rei por ficar pior servido e arriscava a vida de uma cidade e de seus vassalos, podendo tirar dela largos proventos”.
Joaquim Magalhães de Castro