Pero Fidalgo na ilha de Lução
Cientes da necessidade de darem passos mais rápidos, se é que queriam ter a prioridade no arquipélago filipino, as autoridades portugueses destacaram uma missão à ilha de Luzon, em 1545, que teve como protagonista o capitão Pero Fidalgo. Pouco se sabe dela, mas uma coisa é certa: tinha como objectivo inteirar-se da posição estratégica e do possível impacto comercial daquela parte do arquipélago. António Galvão é o único cronista a referir-se a essa viagem acontecida no mês de Junho do ano de 1545, quando “partiu um junco [desde a conquista de Malaca os portugueses recorriam sempre a embarcações de fabrico local] da cidade de Borneo, em que ia um português que se chama Pero Fidalgo”, tendo arribado, com o tempo contrário, algures ao norte, e aí deparado com uma ilha, “de nove ou dez graus, até vinte e dois de altura, a que chamam de Luções, por assim haverem nome os habitadores dela”, admitindo o cronista haver outras nas proximidades, “que ainda agora não sabemos”.
Galvão dá-nos de seguida mais coordenadas geográficas especificando que a dita ilha se estende de nordeste a sudoeste, “entre Mindanao e a China”, e que o navegador português terá cabotado ao longo da costa 250 léguas (cerca de mil e 500 quilómetros), tendo sempre deparado com “terra fresca e bem assombrada”, onde aparentava ser profícua a actividade mercantil, pois ali davam “dous pesos de ouro por um de prata, ainda que é mui vizinha da terra da China”. Pressupõe-se, pelo teor desta última afirmação, que Pero Fidalgo ali tivesse feito algum comércio, com luções e possivelmente até com chineses, há muito ali estabelecidos. O exagerado tamanho da costa oeste de Luzon – na realidade, não chega aos seiscentos quilómetros, de norte a sul – deve-se ao facto dessa navegação pioneira ter acompanhado um colar de ilhas, entre Palawan e o Léquio Pequeno (actual Taiwan), encaradas naquela época como uma só, como de resto se constata ao analisar mapas de diferentes cartógrafos portugueses produzidos em meados do século XVI. No denominado Livro de Marinharia de João de Lisboa, a representação cartográfica vem acompanhada da seguinte legenda: “costa de luções e laos, pela qual passou Pero Fidalgo vindo do Borneo num junco de chins; correu com temporal ao longo dela e foi tomar Lamao”.
Como nos lembra o investigador José Manuel Garcia, “apesar das disfunções, a cartografia portuguesa das Filipinas dominou a representação da região até aos finais da década de 1560, sendo mesmo utilizada nos primeiros esforços da colonização espanhola”. Esta informação, confirma-o o episódio, já aqui mencionado, de António Rombo, enviado de Gonçalo Pereira Marramaque, que, como escreve Diogo do Couto, “inconsideradamente mostrou aos pilotos castelhanos uma carta de marear que eles estimaram muito, porque por ela alcançaram o caminho da China e Japão e de todo aquele arquipélago, cousa que eles não sabiam e que compraram por muito, que tudo lhe o Rombo deu por tão pouco como foi o da sua ignorância”.
Os cronistas portugueses são os primeiros a divulgar na Europa a diversidade de povos que habitavam aquilo que constitui hoje o arquipélago da Filipinas, fornecendo-nos interessantes dados geográficos e culturais. As Filipinas integravam aquilo que os portugueses designavam então de Índias Orientais, uma miríade de ilhas com fortes ligações comerciais, e até de suserania política, com a China imperial. João de Barros, o mais balizado dos nossos historiadores, reconhece claramente tais relações seculares ao falar-nos de “um canal chamado Sabão”, por onde navegavam todos os que chegavam de Java, Banda, Maluco e ilhas adjacentes, “que jazem da linha equinocional para o sul”; e um outro canal junto a Singapura, navegam da linha contra o norte, “em que entram ilhas do Japão, Léquios, Luções e outras mil ilhas com todos os reinos da costa da China até à ponta de Ugetana”, realçando que em certas partes eram os canais marítimos tão estreitos “que vão as antenas das velas roçando com o arvoredo da serra”.
É após a conquista de Malaca, ponto fulcral entre os diferentes orientes e a vetusta Índia, que surgem mencionados os luções, povo marítimo que concorria aquele porto, tal como o faziam os bengalas, os javaneses, os peguanos, os siameses, os léquios e os chineses. Classificava-nos como gente “muito esperta e artificiosa para seu proveito”, capazes de tratar em igualdade de circunstâncias como os povos já mencionados e ainda com “os quelins, malabares, guzarates, persas, arábios e outras muitas nações, que o tem feito mui sagazes, por aí residirem e a cidade ser populosa com as naus que concorrem a ela, em que também soem a vir os povos chins, léquios, luções e outros daquele oriente, trazendo todos tanta riqueza oriental e ocidental, que parecia um centro a que concorria todo o natural que a terra criava e artifícios da mecânica dos homens; de maneira que, sendo a terra em si estéril, para a comutação que ali se fazia, era mais abastada de todas, que as próprias regiões de onde elas vinham”.
Joaquim Magalhães de Castro