ILHAS DE SÃO LÁZARO – 19

ILHAS DE SÃO LÁZARO – 19

A insistência de Belchior Correia

Lembra Galvão as novas que António de Almeida levou para as Malucas, do que vira e ouvira, quanto à qualidade da gente e dos navios. E o que viu deixou-o apreensivo: “duas navetas pequenas, dois gali-archinos [ou lá o que isso fosse], uma fusta grande, que chamam gale, e uma mais pequena, um bergantim”. Refere ainda os nomes dos capitães de Villalobos: D. Monos (Alonso), Manrique, Bernardo de la Torre e Pero Ortiz de la Rueda, à frente de “grande sombra de exército”; armada vinda de Nova Espanha. Rebelo é mais sucinto, falando de grande cópia de “oficiais do exército e da fazenda d’el-rei”, e da presença de cinco frades agostinhos e outros tantos clérigos, sinal primordial de empenho missionário castelhano naquelas ilhas.

Confrontado com as notícias, Dom Jorge de Castro, homem prevenido, logo meteu pedra e cal – “no canto do muro, sobre o mar” – onde antes havia madeira, fortificando assim um muro “que era muito fraco, com estacada de vigas, para entulhar de terra”. Dá ainda a entender, António Galvão, que o capitão-mor ficara insatisfeito com a missão de Almeida, não faltando quem murmurasse ter ficado o emissário “muito afeiçoado com os espanhóis”, daí, talvez, a decisão do envio de nova embaixada. Encarregou-se dela, ao comando de duas coracoras, Belchior Fernandes Correia, criado de Dom Jorge, e, por isso, digno da maior confiança. Também Gabriel Rebelo salienta a desconfiança dos portugueses de Maluco no rescaldo da chegada de Almeida pois, dadas as circunstâncias históricas, não fazia muito sentido que o tivessem bem recebido os castelhanos. Adianta Couto a este respeito que Almeida trazia consigo “peças e brincos”, colocando também ele a hipótese de um possível suborno, ou pelo menos tentativa disso.

Prossegue Galvão com o relato da viagem de Belchior Correia, em boa verdade mero reforço do que lá fora fazer Almeida. Igual resposta lhe deu Villalobos, escusando-se que “somente era vindo a descobrir o Poente, por mandado do vice-rei da Nova Espanha”. E esta determinação colocou-a por escrito, deixando-a ao cuidado de Belchior que no regresso a Ternate levou consigo, de boleia, um marinheiro português até então ao serviço dos espanhóis, como era comum naquela época. Fala depois o capitão do atribulado fado dos castelhanos, obrigados a ingerir “cobras, ratos, e os couros das caixas e sebo, ainda que a alguns não seria novo” para poderem sobreviver. Rebelo, ao falar da missão de Belchior, refere “o porto de Camarião”, em Mindanau, como local do encontro, e o nome do mencionado luso filho pródigo, um tal “Gonçalo Fernandes, marinheiro algarvio”. Fala-nos ainda de “certos soldados colhendo arroz” em terra, atitude despoletadora da hostilidade indígena.

Rebelo pormenoriza acerca do relatório de Belchior a Dom Jorge que nos dá conta do desbaratamento da frota de Villalobos, pois “à saída do porto de Sarangani se perdeu a nau Santo António e a fusta; perto da baía de Camarião, a nau São Jorge”, tendo partido em busca de mantimentos “às ilhas Dabuio e Filipinas”, a nau São Joanilho [a San Juan] e a galeota. Aquela partiria para Nova Espanha a 27 de Agosto de 1543, levando como capitão o já mencionado Bernardo de la Torre, e – um facto novo – “Gaspar Rico, algarvio”, como piloto-mor. Quanto à galeota, pilotada pelo genovês Antão Corso, arribaria à ilha de Geilolo, onde foi recebido pelo rei local, realça o cronista, “não tanto por caridade (por carecer dela) quanto pelo interesse de haver algumas cousas e anojar a Dom Jorge”. Recorde-se que eram maioritariamente hostis aos portugueses grande parte dos reinos das ilhas das Especiarias.

Diogo do Couto fornece-nos ainda outros curiosos pormenores acerca da missão de Belchior Correia. Levava este um tabelião, por mando de Dom Jorge, a “fazer grandes protestos e requerimentos”, na segunda tentativa de afastar os espanhóis daquelas águas, indo encontrar a frota de Villalobos muito enfraquecida, pois perdera navios e gente em Sarangani, daí a sua estada no porto de Camarião. Esclarece Couto que o requerimento era o mesmo levado por Almeida, ao qual Villalobos respondera, pela lavra do dito tabelião, “que ele não estava nos limites do sereníssimo rei de Portugal, nem entraria neles por lhe ser muito defeso, mas que estava nos do imperador seu senhor. E que lhe requeria que não perturbasse a paz, porque ele estava muito prestes para a cumprir em tudo”. E com isto partiram os portugueses deixando os espanhóis ansiosos pela galeota que tinha ido por mantimentos. Informa Couto que entrementes, alguns deles, desesperados pela fome, foram a terra colher algum tipo de alimentos (arroz, segundo Rebelo), tendo sido atacados pelos locais. Acudiu então um tal “Francisco Marinho, mestre de campo, com alguma gente”, mas também ele e estes pereceram. Atribui Villalobos o incidente a um ardil de Belchior Fernandes Correia, que segundo ele virara os nativos contra os espanhóis. Embora não o diga abertamente o cronista, é provável que o dito mestre de campo fosse de nacionalidade portuguesa, senão qual a razão de sublinhar o seu apelido?

Joaquim Magalhães de Castro

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