CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXV

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXV

A Teologia da Prosperidade – III

Umas igrejas manipulam, alienam os pobres, desinteressam-se pela pobreza, que nada traz à prosperidade. Ao mesmo tempo, outras promovem a integração social, promovem programas de intervenção social, de capacitação e desenvolvimento humano, de “empowerment”, declarando ter como objectivo o combate à vitimização da pobreza e a subsídio-dependência ou habituação ao assistencialismo, em vez de criação de riqueza e trabalho.

Este movimento, que tem até apelado à responsabilidade financeira, que tem propósitos de edificação do indivíduo, tem no entanto conhecido, em algumas igrejas que nele comungam, problemas relacionados com abusos financeiros e obtenção por extorsão e forma enganosa de fundos, deixando pessoas e instituições em situações difíceis. Alguns analistas financeiros e economistas defendem ainda que a Teologia da Prosperidade contribuiu para a bolha imobiliária que causou a crise mundial a partir de meados da primeira década do século XXI.

A propriedade de imóveis era, segundo alguns analistas, muito incrementada por várias igrejas seguidoras desta doutrina, o que gerou investimentos e uma dependência, vertidas estas em investimentos desmesurados ou mal calculados, que depois criaram situações de crise no sector imobiliário e daí na crise financeira, sem qualquer ajuda divina conforme tinha sido prometido pelos seus líderes. Eis pois uma das facetas negativas da usurpação de referências bíblicas como justificação de obtenção de fundos e suas consequências, como a ganância, a luxúria ou a avareza, dir-se-ia noutros tempos.

MEDIATISMOS E GRANDEZAS

A reciprocidade divina foi sempre um fundamento desta doutrina. Deus retribuirá a quem der. As leis da fé, a cura por esta, aprimoraram a procura dessa reciprocidade, dessa dádiva, que no entanto não foi revertida para todos ou pelo menos não o foi sempre ou da mesma maneira. Já dizia um dos teólogos do movimento, Oral Roberts, activo a partir de finais dos anos quarenta do século XX: as doações são uma espécie de “semente” que crescem em valor e são devolvidas àquele que doa. Defendia a existência de um “pacto abençoado” entre Deus e aqueles que dessem, em que o Altíssimo devolveria ao doador sete vezes mais o valor doado. O mesmo teólogo, para assumir essa afirmação, comprometia-se a pagar qualquer doação que não levasse ao pagamento de uma quantia equivalente. Os seus “partners” seriam doadores ricos, que ensinariam os fiéis em conferências exclusivas para formar e capacitar os crentes de forma a ganharem dinheiro. Para doarem!

Depois vieram as fórmulas de sucesso financeiro, os produtos ou os lugares milagrosos, onde se obtinham óleos milagrosos ou onde orar era mais propiciatório em termos financeiros. Um pregador chegou a difundir a notícia de que tivera uma experiência miraculosa na qual Deus transformou notas de um dólar em notas de vinte dólares para que ele pudesse pagar as suas dívidas. A fé pode resolver de forma miraculosa os problemas financeiros, gritava-se nos templos da prosperidade, em autêntica “palavra de fé”, ou transformação da palavra em bens materiais.

Muitos excessos de colecta de dinheiro foram cometidos, muitos deles para pagarem redes nacionais de rádio e Meios de Comunicação Social, cuja função era pressionar os fiéis para efectuarem doações. As acusações de excessiva pressão sobre os cristãos surgiram em alguns sectores. A denominação pentecostal “Assembleia de Deus dos Estados Unidos” foi uma das instituições mais críticas em relação ao objectivo cego na prosperidade defendido por evangelistas independentes, profetas da prosperidade que deambulavam no éter e nos templos a angariar doações.

É neste contexto que surgiu o tele-evangelismo. Nos Estados Unidos, claro está! Foi nos anos sessenta. Pregadores do evangelho da prosperidade passaram a dominar quase completamente a programação religiosa americana, melhor dizendo o tele-evangelismo. Primeiro em programas semanais, depois mais frequentes, ao longo daquela década. Primeiro na rádio, depois na televisão. As taxas de audiência disparavam. E as doações também. Um fenómeno mediático… Foi sempre em crescendo até aos anos oitenta, e não só. Algumas televisões evangélicas tornaram-se dominantes, difundindo o tele-evangelismo da prosperidade por toda a América. Paralelamente, também surgiam escândalos de grandes proporções, financeiros e não apenas.

O Brasil seria outro terreno fértil para a Teologia da Prosperidade, a partir dos noventa. Em particular o tele-evangelismo na Rede Record, comprada por Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus. Os programas religiosos da estação têm elevadas taxas de audiência, com vários programas de estímulo à doação, em particular de dízimos. Mas também se envolveu em polémicas, como em 1995, quando um bispo daquela denominação, Sérgio von Helde, pregou em directo contra o feriado de Nossa Senhora Aparecida, durante o qual pontapeou uma imagem da Virgem várias vezes…

Existem mais rádios e televisões comerciais a emitir programas ou discursos de membros da hierarquia destas igrejas, como a Mundial do Poder de Deus, que aluga “tempos de antena” em rádios com problemas económicos.

O movimento neo-pentecostal tem sido caracterizado, em parte, pela enfoque na Teologia da Prosperidade, que ganharia maior aceitação dentro do Movimento Carismático durante a década de 1990. O crescimento das igrejas inscritas no neo-pentecostalismo tem sido enorme no Brasil: em 2010, a sexta maior igreja cristã do Brasil era a Universal do Reino de Deus, que professa aquela doutrina. Outras são a igreja Renascer em Cristo e a Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Silas Malafaia, o líder desta, fora um acérrimo crítico da Teologia da Prosperidade noutros tempos, mas entretanto descobrira as maravilhas da mesma e é hoje em dia um dos seus maiores defensores.

Regista-se hoje também um grande sucesso da Teologia da Prosperidade fora dos movimentos carismático e pentecostal. Todavia, esta teologia tem em Edir Macedo, no Brasil, o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, o principal nome da doutrina na actualidade, devido aos mais de dez milhões de livros vendidos, ao tamanho e à visibilidade das suas obras, à dimensão da sua igreja e ao seu poder financeiro, além da propriedade da Rede Record, uma das três maiores emissoras de televisão do Brasil, bem como do jornal gratuito Folha Universal, cuja a circulação chega a 2,5 milhões de exemplares, não esquecendo o canal de notícias Record News.

A expansão do movimento é já global, cada vez numericamente mais impressiva, englobando mais de dezasseis por cento dos cristãos nos Estados Unidos, que se revêem nesta teologia de forma assumida. Mas não só, também há muitos fiéis no mundo de expressão portuguesa.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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