As Ilhas de Gomes de Sequeira
Apesar da maioria dos nossos cronistas não mencionar a pioneira viagem de Simão de Abreu – Diogo do Couto é honrosa excepção –, o certo é que o arquipélago filipino passaria doravante a integrar o circuito comercial das ilhas das especiarias. Como salienta o historiador José Manuel Garcia, porventura o maior estudioso das relações entre Portugal e as Filipinas, “a importância desta rede de navegação para, ao mesmo tempo, suster as pretensões espanholas na região e firmar um monopólio comercial português na exploração das especiarias da Indonésia oriental empurra a movimentação portuguesa na região a encontrar e identificar as Filipinas”.
Outras explorações marítimas se seguiriam, estando devidamente documentada a viagem de Simão de Vera, realizada em 1528 e com desfecho trágico pois este navegador seria morto, “pelos da terra”, como destaca Lopes de Castanheda, em Mindanau. Padeceu ele e toda a guarnição às suas ordens, tendo os habitantes daquelas ilhas se apoderado do navio e de tudo o que ele continha. Há ainda a possibilidade do malfadado Simão de Vera se ter perdido em tal emaranhado de ilhotas e ilhéus, como aventam alguns escribas. Tinha como missão o Simão levar recado a Malaca, a mando do então capitão-mor das Malucas, o já mencionado Jorge de Meneses, que em 1526, arrastado por uma tempestade, aportou nas ilhas de Waigeo e Biak, e na península hoje designada Bird’s Head, actual província indonésia de Irian Jaya.
A morte de Vera expressa bem o grau de dificuldade das tarefas pretendidas e em curso, tanto da parte dos portugueses como dos castelhanos, pois por essa altura acontecem as viagens transpacíficas de García Jofre de Loaísa (1526), de Álvaro de Saavedra (1528) e, sobretudo, a saga mais tardia de Ruy López de Villalobos (1541) encarregado de revelar “las Islas del Poniente” às quais iria atribuir o nome actual em homenagem a Filipe I de Espanha. Integrava a expedição de Villalobos o piloto galego Juan Gaetan, a quem La Perouse atribui a descoberta do Havai. A viagem de Gaetan é descrita, em termos semelhantes e com a mesma sequência de ilhas, por esse circum-navegador francês, em 1753. Em 1825, o geógrafo português Casado Giraldes afirma que as ilhas Sandwich (actual Havai) foram descobertas por Gaetan em 1542, e nem sequer menciona James Cook, a quem, oficialmente, e como se sabe, é entregue a descoberta. Entre 6 e 23 de Janeiro de 1543, o galeão San Cristóbal – um dos seis navios da armada de Villalobos – pilotado por Ginés de Mafra (membro da expedição de Magalhães em 1519-1522) tresmalhou-se da restante frota durante uma forte tempestade e acabaria por arribar à ilha de Mazaua, local onde Magalhães ancorara em 1521, local hoje identificado como Limasawa, na ponta sul da ilha de Leyte. Seria a segunda visita de Mafra às Filipinas.
O capitão Jorge de Meneses enviaria ainda para aqueles mares um outro navegador, como constata Diogo do Couto: “indo um Gomes de Sequeira por mandado de Dom Jorge buscar mantimentos pelas ilhas de Mindanao, desgarrando com tempo descobriu muitas ilhas juntas, em nove para dez graus do norte, que dele se chama as ilhas de Gomes de Sequeira”. Ora, estas ilhas correspondem ao actual arquipélago das Carolinas, outrora pertença dos espanhóis, via Filipinas, que posteriormente seria vendido à Alemanha e que hoje integra a Federação de Estados da Micronésia e Palau, com uma ligação quase de vassalagem aos Estados Unidos. Sugerem alguns historiadores que o navio pilotado por Gomes de Sequeira poderá ter navegado até à costa nordeste da Austrália como parte da rota exploratória, embora a tese seja contestada, o que não admira tendo em vista a teimosa negação de uma evidencia histórica chamada Cristóvão de Mendonça, cujas deambulações no continente austral abriram as portas para todas as outras “descobertas” holandesas ou britânicas, antecedo-as, pelo menos, em dois séculos. Mas esse é assunto que remeto para uma outra série de crónicas, aqui, neste mesmo espaço, muito em breve.
William A. Lessa, professor emérito de Antropologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles – académico com óbvias raízes lusitanas –, tentou exaustivamente revelar a identidade destas ilhas, nunca determinada de forma satisfatória. Recorrendo a pistas antropológicas, geográficas e biológicas sub-repticiamente contidas em relatos anteriores, decidiu submeter a um exame minucioso as ilhas Carolinas de Tobi, Palau, Ngulu, Yap e Ulithi. Recorda o professor Lessa que “a primeira interação registada entre os nativos das ilhas Carolinas da Micronésia e os europeus ocorreu em 1525, quando uma galé portuguesa chegou a uma ilha plantada em mar aberto a nordeste das ilhas Molucas, ou das ilhas das Especiarias, na costa oeste de Halmahera”. De acordo com as suas investigações, capitaneava a pequena embarcação um certo Diogo da Rocha e era seu piloto Gomes de Sequeira, ambos “enviados da fortaleza portuguesa de Ternate”, capitaneada por António de Brito, “numa expedição mercantil em busca de ouro” às ilhas Celebes. Hostilizados pelos locais, estes navegadores teriam deixado as Celebes em Agosto ou Setembro de 1525, tendo então vagueado de ilha em ilha, “na Passagem das Molucas”, para serem arrastados depois por forte tempestade umas duzentas ou trezentas léguas a nordeste dali. A 1 de Outubro depararam com uma grande ilha (Carolinas ocidentais) habitada por gente hospitaleira.
Os portugueses ali permaneceram quatro meses, retemperando as forças e aguardando ventos favoráveis. A ilha – na verdade, um grupo de ilhas – estava localizada a nove ou dez graus de latitude norte e passaria doravante a ser designada de “Ilha de Gomes de Sequeira”, talvez porque o próprio a representou num mapa. Os portugueses deixaram o local a 20 de Janeiro de 1526 e pouco tempo depois estavam de regresso a Ternate.
Joaquim Magalhães de Castro