ILHA DE CULION, DE LEPROSARIA A DESTINO DE MERGULHO

ILHA DE CULION, DE LEPROSARIA A DESTINO DE MERGULHO

Em prol dos leprosos e dos autóctones

Aquele que é um dos destinos de mergulho mais valorizados do arquipélago das Filipinas, na pequena ilha de Culion, a norte de Palawan, oculta um sombrio passado que poucos conhecem. Funcionou ali outrora, desde 1906, uma leprosaria, esforço primeiro dos norte-americanos para estabelecer algum tipo de política de saúde pública na sequência da assinatura em Paris, a 10 de Dezembro de 1898, do acordo que oficializava a venda das Filipinas pela Espanha, “por vinte milhões de dólares”, aos Estados Unidos.

Existia em Culion, desde o início do Século XVIII, uma missão franciscana, que ali introduzira a batata-doce, o milho e modernos métodos de agricultura. O labor missionário seria continuado pelos jesuítas, dos quais se destacariam José María Algué e Manuel Valles, responsáveis pela construção de uma capela, pela catequese e ministração dos ofícios sagrados. Em breve chegariam em seu auxílio várias Irmãs de São Paulo de Chartres.

O padre Manuel Valles registou num diário a sua experiência com os leprosos, “gente desprovida de narizes e orelhas”, para quem tocava violão e cantava ensinando-lhes os hinos marianos “em espanhol, latim e no idioma local”. Unção dos enfermos, confissões, mortes e funerais vinham uns atrás dos outros. Valles visitava o hospital pelo menos uma vez por dia para dar o último consolo espiritual aos moribundos. Alguns pediam-lhe que escrevesse às suas famílias, porém, “das centenas de cartas por ano, apenas um punhado mereceu resposta”. Os familiares receavam abrir as cartas vindas da leprosaria embora soubessem que eram escritas pelo punho dos missionários… O casamento fora proibido, “para garantir o extermínio da doença”, e os leprosos tinham governo próprio e uma força policial “para manter a lei e a ordem”. Os missionários funcionavam como conselheiros espirituais e sempre usaram todos os recursos para defender os direitos dos “exilados”. Gradualmente aos jesuítas americanos coube a árdua tarefa de realizar os trabalhos hospitalares naquele que seria considerado como um “laboratório global de pesquisa científica em hanseníase”.

Em 1936, o padre Hugh J. McNulty fundou a Culion Catholic Primary School, destinada à educação dos filhos de leprosos. Com o tempo surgiria também uma escola secundária e uma faculdade, hoje conhecida como Loyola College.

Nesse local amaldiçoado – cognominado “ilha dos mortos-vivos” – onde tantos se recusavam ir, não faltaram voluntários, muitos deles filipinos. Estes foram substituindo os confrades norte-americanos, seguindo a tendência de os padres locais assumirem postos de responsabilidade em áreas anteriormente nas mãos dos missionários ocidentais.

Em 1950, com a promulgação de uma lei proibindo a discriminação contra leprosos, a missão de Culion perderia relevância, mas os padres recusaram ficar parados: concentraram-se na área da educação e meteram mãos à obra em projectos que garantissem alimentos e água potável aos indígenas locais. “Os jesuítas desenvolveram um sistema para capturar e armazenar a água da chuva para consumo seguro”, disse à UCA News o padre Adriano Tapiador, um dos jesuítas residentes. O espírito “bayanihan”, ou seja, “ajuda comunitária desinteressada”, seria fundamental para a realização desses projectos. Um espírito comunitário ainda muito vivo entre os tagbanuas, autóctones de Culion, que se consideram guardiões da ilha. Hoje minoritários, os tagbanuas vivem essencialmente da pesca e quase na sua totalidade professam o Catolicismo. Sofrem ainda de discriminação, não só pela sua aparência física, mas sobretudo devido ao alto nível de iliteracia registado entre as diversas comunidades da ilha. Desde 2006, empenham-se os jesuítas em programas de alfabetização, além disso fomentam a consciencialização desse povo indígena para os seus direitos, indicando-lhes estratégias para melhor protegerem as suas terras ancestrais e garantir o seu bem-estar económico, social e cultural.

Sacerdotes asiáticos, como o padre Adriano Tapiador, têm vindo a substituir, um pouco por todo o mundo, os missionários jesuítas europeus e americanos. É uma tendência natural. Dos actuais dezassete mil sacerdotes e leigos daquela congregação religiosa, cerca de 33 por cento são asiáticos, principalmente indianos e filipinos.

Desde a chegada dos primeiros jesuítas às Filipinas em 1581, estes constituíram-se como focos primordiais desses clérigos as áreas da educação e da formação do carácter do Ser Humano. No entanto, apenas no início do Século XVII foram estabelecidos os primeiros seminários, tendo em vista o recrutamento e preparação dos nativos para o Sacerdócio.

As Filipinas, um país com setenta milhões de católicos, contam apenas com cerca de oito mil padres, ou seja, aproximadamente um padre para cada oito mil e 750 fiéis. O cardeal D. Luis Antonio Tagle, ex-arcebispo de Manila e actual Pró-Prefeito do Dicastério para a Evangelização, departamento da Cúria Romana, afirmou há tempos que a proporção ideal seria a de, pelo menos, «um padre por cada dois mil católicos».

Joaquim Magalhães de Castro

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *