Fortaleza de Diu, Índia

Como uma nau no golfo de Cambaia

Verdadeiro símbolo de resistência, a fortaleza de Diu viu a primeira pedra ser colocada, em 1535, pelas mãos do próprio governador, naquele que é hoje o baluarte de São Tomé. Era uma fortaleza projectada para durar… Ao longo dos séculos XVII e XVIII as obras foram permanentes, tendo sido então restaurado todo o sistema defensivo. A ilha de Diu, que curiosamente não foi tomada pela força – o sultão local autorizou Nuno da Cunha a construir ali uma fortificação – seria dos locais mais assediados da Índia Portuguesa, tendo sempre resistido aos mais ferozes cercos, fossem eles de turcos, gujarates, mogores, ingleses ou até franceses. Recorde-se, a propósito, o episódio dos infiltrados artilheiros gregos, pagos pela Senhoria de Veneza, que passaram para o lado dos turcos e os ajudaram no cerco frustrado que impuseram à cidade.

Local privilegiado no Golfo de Cambaia, a praça-forte de Diu manteve sempre uma enorme dinâmica ao longo dos tempos e atingiu o auge durante o vice-reinado de D. João de Castro. À semelhança de Ormuz, e como parte do complexo defensivo, vários fortins seriam erguidos nas ilhas adjacentes. Visto de uma dessas ilhas, o baluarte da Barra faz lembrar uma nau ancorada no meio de um braço de mar.

As plácidas águas em frente às muralhas foram o cenário onde se desenrolaram inúmeras escaramuças, porém nenhuma com a dimensão da batalha de Diu, nas palavras de Edgar Prestage – provavelmente o mais lusófilo de todos os britânicos – “uma das decisivas batalhas na história da Ásia” que daria a Portugal total superioridade militar em todo o Oceano Índico.

A batalha que ali se travou provou o carácter destemido dos portugueses de antanho, já que as nossas forças, como diz um testemunho da época, “eram inteiramente desproporcionadas à magnitude dos seus intentos”. Mesmo assim, o sucesso só se explica, como nota o historiador árabe Zinadim, na sua História dos Portugueses no Malabar, “porque eles [os portugueses] não obstante a grande distância que se acham dos seus príncipes, não desobedecem aos seus capitães, e ainda que haja desinteligências entre eles, nunca se ouvi dizer que um dos seus capitães fora assassinado por cobiça de poder. E na verdade eles, graças a estas qualidades, apesar do seu pequeno número, conseguiram sujeitar as populações do Malabar e outras mais, aproveitando-se da rivalidade e competições dos capitães e soldados muçulmanos, e da gula do poder de outrem, ainda que seja à custa da sua vida”.

Como vão longe esses tempos… A anunciada decadência, cujos nefastos efeitos (estamos correntemente, porventura, a atravessar um dos mais corruptos e desavergonhados períodos da nossa história) seria retratada por Diogo Couto no seu “Soldado Prático”, obra que bem explana os principais males de que padeciam os portugueses da época.

A enorme desproporção de forças nos múltiplos confrontos entre portugueses e habitantes das regiões contactadas foi algo que sempre me espantou e, de resto, foi sobejamente realçado pelos cronistas coevos que apontavam números que sempre considerei exagerados. No entanto, se confrontarmos os lusos escritos com aqueles compilados pelos adversários, constatamos que esse exagero talvez não existisse. A diferença de forças era, de facto, abissal. Por exemplo, em 1504 Duarte Pacheco preparou a defesa de Cochim com três navios e 160 portugueses auxiliados por 20 mil malabares, cuja maioria desertou quando a batalha teve lugar. Do outro lado da barricada – dizia João de Barros – “estavam 60 mil naires”. Relatando o mesmo evento, Zinadim indica essa força como sendo muito maior, “o samorim reuniu perto de 100 mil naires e numerosíssimos muçulmanos”.

Diu era o tradicional fornecedor de índigo, açúcar, alúmen, cera, ópio e as roupas de Cambaia que o Ocidente tanto desejava. Do Oriente vinha tudo o que deslumbrava: ouro, seda, pimenta, gengibre, cardomomo, diamantes, âmbar, rubis, safiras, topázios, almíscar, goma-laca, calaim, aloés, cânfora, águila, benjoim – “o cheiroso licor que o tronco chora” – e o breu, antecedente do petróleo. Já dizia João de Barros de “uma árvore que emana óleo, a que chamam nafta”. Também de lá vinham os tamarindos, as tartarugas, o cravinho, a noz-moscada, a maça, o sândalo, o sapão, o pau-brasil, o calambuco, o linaloés – “pau cheiroso” – o ruibarbo, a pedra-ume, os cetins, os damascos, as porcelanas, o aljôfar e a laca.

Com uma área de quarenta quilómetros quadrados, o território de Diu situa-se na península indiana de Gujarate e é composto pela ilha homónima (separada da península pelo rio Chassis, que de tão estreito pode ser considerado um braço de mar) e pelos pequenos enclaves continentais de Gogolá e Simbor.

Integrado à força na União Indiana em 1961, Diu constituiu, a partir do século XVI, juntamente com Damão e Goa, um porto estratégico fundamental nas ligações marítimas entre o Oriente e o Ocidente.

Joaquim Magalhães de Castro

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