Há algo mais no trabalho?
Precisamos de trabalhar para podermos “ganhar a vida”. Este é motivo básico que nos leva a trabalhar. Mas existe mais no trabalho do que a simples sobrevivência? Sabemos que sim.
Através do trabalho cultivamos os nossos sentidos, apuramos os nossos sentimentos, formamos a nossa mente/intelecto, fortalecemos a nossa vontade.
Pelo trabalho as nossas virtudes humanas crescem. Se trabalharmos bem e de mente aberta, desenvolveremos bons hábitos, tais como uma boa gestão do tempo, pontualidade, eficiência, sermos ordenados, tomarmos atenção aos pequemos pormenores, sermos constantes, termos um espírito criativo e iniciativa, sentido de responsabilidade e compromisso, amor pela verdade, preocupação, respeito e compaixão pelos outros, capacidade de comunicar efectivamente e ouvir os outros, trabalhar em conjunto (em equipa), liderança, integridade, sentido da realidade e humildade. Através do trabalho tornamo-nos mais humanos. Através do trabalho servimos a família e a sociedade.
Pelo trabalho aceitamos uma responsabilidade que nos foi entregue por Deus. As Sagradas Escrituras dizem-nos que Deus nos entregou a terra «para nós a conservarmos e mantermos (Génesis 2:15)» e para termos «domínio sobre os peixes do mar e sobre os pássaros no ar e todas as coisas que se mexam sobre a terra (Génesis 2:18)».
Pelo trabalho poderemos alcançar o paraíso, podemos tornar-nos santos. «Seja qual for a sua ocupação, trabalhe com devoção, servindo o Senhor e não o homem, ciente que do Senhor recebereis a recompensa do vosso trabalho, pois vós estais a servir o Senhor Jesus Cristo (Colossenses 3:23-24)».
São João Paulo II, na sua encíclica “Laborem Exercens” (LE), mostra-nos que o trabalho tem duas vertentes: o objectivo e subjectivo.
O aspecto objectivo do trabalho refere-se ao que a pessoa está a fazer. Poderá estar a trabalhar directamente com a terra, a trabalhar com produtos extraídos da terra, em serviços industriais ou em pesquisa simples ou aplicada (LE).
Este aspecto objectivo por vezes inclui o uso de tecnologia. “[1] facilita o seu trabalho, [2] aperfeiçoa-o, [3] acelera-o, e [4] aumenta-o. Estes factos levam-nos a um aumento das coisas produzidas pelo trabalho, e em muitos casos melhora a sua qualidade” (LE).
No entanto, existe um lado mau na tecnologia: “Também é verdade que, em algumas ocasiões, a tecnologia pode deixar de ser uma aliada do homem e tornar-se quase numa inimiga, quando [1] a mecanização do trabalho ‘o suplanta’, retirando a satisfação pessoal e o incentivo da criatividade e responsabilidade, [2] quando (a mecanização) impede o acesso de muitos trabalhadores ao seu trabalho usual, ou [3] quando exaltando a máquina tal reduz o homem ao estatuto de escravo da maquina” (LE).
Mais importante é a parte subjectiva do trabalho: a pessoa humana, aquele que trabalha. A Bíblia diz-nos que o Homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Isso faz com que seja capaz de participar no trabalho do Criador. Ele é “um ser subjectivo capaz de agir de forma planeada e racional, capaz de decidir por si próprio, e com tendência para a sua própria realização” (LE; ver FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ, nº 47).
Além disso, o trabalho humano “deve, acima de tudo, servir para realizar a sua humanidade: capaz de preencher a chamada de ser a pessoa que é, devido à sua própria humanidade, porque aquele que o suportar é uma pessoa, um sujeito consciente e livre, quer dizer, um sujeito que toma decisões sobre si próprio” (LE).
O Papa sublinhou que no mundo da antiguidade as pessoas eram diferenciadas (classificadas) por classes, de acordo com o trabalho que faziam. O trabalho manual “era considerado indigno dos homens livres, e por isso deixado para os escravos” (LE). O Papa João Paulo II disse que “a base para se determinar o valor do trabalho humano não é principalmente o tipo de trabalho feito, mas o facto de que quem o esta a fazer ser uma pessoa”. E acrescentou: “Isto não significa que pelo ponto de vista objectivo o trabalho humano não possa ser classificado e quantificado de alguma forma. Apenas significa que a base primária para a classificação é o próprio homem, que é o seu sujeito” (LE).
Pe. José Mario Mandía