Uma manta com muitos retalhos
Presente na Indonésia desde a chegada dos mercadores e missionários portugueses no Século XVI, o Cristianismo foi, inevitavelmente, ao longo dos séculos, adaptando-se aos costumes locais num intrincado processo de aculturação. As diversas tradições natalícias das inúmeras ilhas do arquipélago são exemplo disso. Ou seja: os cristãos não celebram o Natal da mesma forma. No Norte de Samatra, por exemplo, a gente batak, que habita as aldeias em redor do magnífico Lago Toba, perpetua uma tradição única denominada “marbinda”. Esta envolve o sacrifício de animais – vacas, búfalos ou porcos –, comprados pelos mais financeiramente capazes e cuja carne é distribuída pela comunidade, sobretudo junto dos mais necessitados. Pretende este costume fortalecer os laços comunitários e de parentesco, além de proporcionar um momento de celebração conjunta das alegrias do Natal. Os batak designam parentesco de “sa sada hudon”, isto é, “ser capaz de saborear comida da mesma mesa”.
Passando a Java. Apesar do carácter profundamente urbano, há em Jacarta quem mantenha viva a tradição natalícia. É o caso da comunidade luso-descendente do bairro de Tugu que assinala a festividade com uma procissão ritual denominada rabo-rabo. Esta tem início na igreja mais próxima, após a Eucaristia, seguindo depois os fiéis num préstito bastante animado, pois cantam e dançam ao som da música keroncong ao longo de todo o caminho. Findo o cortejo, os fiéis visitam a casa uns dos outros, aproveitando a ocasião para se inteirarem do estado de saúde dos seus próximos e, no verdadeiro espírito cristão, pedir perdão a quem foi ofendido. Isto advém da fusão das tradições portuguesas e betawi – etnia resultante da miscigenação de gente de várias proveniências.
Ainda em Java, mais propriamente no seu coração, em Yogyakarta, a dita capital cultural, em vez das habituais lendas da Mahabharata e Ramayana, temática habitual dos espectáculos de marionetas de sombras, aos cristãos locais são-lhes contadas, através dessa mesma forma teatral, narrativas bíblicas. Designa-se este tipo peculiar de expressão artística, muito popular entre os javaneses cristãos, de “wayang wahyu”. Como personagens temos as figuras gradas do Cristianismo, incluindo a do próprio Jesus Cristo. O “wayang wahyu” foi criado em 1959, em Surakarta, pelo missionário holandês Timotheus L. Wignyosoebroto. A inspiração surgiu-lhe anos antes ao ver um espectáculo de marionetas de sombras que retratava um episódio do Antigo Testamento. Ainda hoje são apresentadas peças de “wayang wahyu” em várias igrejas de Java Central durante o período natalício.
Em Bali, além das árvores de Natal, os cristãos locais enfeitam o exterior das suas casas com o tradicional penjor: um longo bambu decorado com folhas de palmeira curvado sobre a estrada. O penjor, símbolo balinês por excelência, representa o bem-estar e a prosperidade. Há ainda a tradição comunal ngejot (também praticada por muçulmanos e hindus) que consiste em oferecer comida caseira aos vizinhos, amigos e familiares como forma de agradecimento, realçando desse modo a importância da tolerância religiosa.
No Norte das Celebes, entre os membros da comunidade de Minahasan, maioritariamente cristã, as celebrações do Natal iniciam-se logo nos primeiros dias de Dezembro no interior das muitas igrejas de Manado, a mais importante cidade. Os crentes efectuam nessa altura visitas aos cemitérios para honrar os familiares já falecidos e ornamentam as suas campas com flores, velas e lâmpadas. Esta tradição, “kunci taon”, costuma encerrar as celebrações do Natal, e é seguida de um desfile no qual os participantes envergam curiosos trajes alusivos à quadra natalícia.
Ao acolher o nascimento de Jesus Cristo, os habitantes da ilha das Flores – onde o Catolicismo predomina – juntam às tradicionais celebrações o hábito de disparar o meriam bambu, ou seja, “canhão de bambu”. É mais um dos inúmeros costumes que evocam a passagem dos portugueses no arquipélago. Em boa verdade, o meriam bambu é apenas uma das muitas formas de fogo de artifício. A pólvora é inserida num pequeno orifício numa das extremidades de uma cana de bambu que funciona como canhão. Esta é uma actividade muito apreciada pelas crianças das aldeias que competem entre si para ver quem faz o meriam mais vistoso e mais barulhento. Geralmente é comemorado durante o período do Advento até a festa de Natal e a véspera de Ano Novo.
Na província de Irian Jaya, os papuas cumprem no Natal o seu “bakar batu”, costume ancestral que pretende expressar a gratidão e a necessidade de compartilhar. Nesse dia, antes da missa, os cristãos locais cozinham carne de porco com batata-doce, couve, papaia e outros ingredientes com a ajuda de um monte de pedras previamente aquecidas. Fora do âmbito natalício, este peculiar hábito culinário serve para honrar a visita às aldeias das mais altas personalidades.
Joaquim Magalhães de Castro