Superar a superficialidade
Certo jovem encontrou um amigo na rua. Já não se viam há tantos anos. O tempo tinha passado e as suas vidas, outrora tão parecidas, eram agora muito diferentes.
Falaram do passado: olharam para trás com uma certa nostalgia. Falaram do presente: cada um tinha as suas normais dificuldades. Falaram do futuro: levavam ambos no coração um atitude esperançada.
Falaram de Deus.
«– Respeito a tua atitude, mas eu não vejo a Deus. Também não sinto muitas vezes a necessidade d’Ele. Acho que antigamente era mais lógico acreditar. A ciência, para mim, é algo entusiasmante. Pelo contrário, tenho a sensação de que a religião só defende que tudo o que é bom nesta vida ou faz mal à saúde ou é pecado. Eu respeito a tua atitude, mas sou feliz assim».
Muitas vezes encontramos pessoas nesta situação.
Vivem tranquilamente a sua vida. Dizem que não fazem mal a ninguém. Não parecem ter nenhuma necessidade de Deus, excepto em alguma ocasião isolada.
Aproveitam essa ocasião para rezar um pouco, sentir-se bem consigo mesmas e continuar na mesma atitude.
É necessário ajudá-las a superar a sua superficialidade.
Que se perguntem pelas grandes questões que sempre inquietaram a Humanidade: o sentido da existência, a realidade do sofrimento, a morte – supremo escândalo da vida.
Geralmente essas pessoas vivem somente preocupadas com o dia-a-dia. Os seus interesses são sobretudo económicos. Preocupam-se quase exclusivamente em “ter” e muito pouco em “ser”.
Ter saúde, ter dinheiro, ter comodidades.
Quando aparece o sofrimento consideram-no insuportável. Não vêem nele qualquer significado nem valor. É o mal por excelência. É preciso eliminá-lo a todo o custo.
Talvez só nessa ocasião comecem a vislumbrar que a religião, que parecia não servir para muito, ajuda a decifrar positivamente o mistério da dor. Nesses momentos põe-se à prova o seu sentido da existência.
“A minha vida não tem sentido”, afirmam nessas ocasiões.
Nunca teve.
Só que isso, nessas situações, fica claro como a água. Amadurece a pessoa. Fá-la olhar para Deus e para os outros de um modo totalmente diferente.
Já não se trata de inventar um sentido cómodo para a vida, mas de encontrar o verdadeiro sentido que ela tem e que não fomos nós que o criámos.
Somos um mistério. Não encontramos em nós a razão de ser da nossa existência.
Nenhum de nós pediu para existir. A nossa vida não é nossa: é um presente de Deus!
Só Ele sabe de verdade quem somos, de onde viemos, para onde vamos e o motivo mais profundo de estarmos aqui neste momento concreto da História.
Quantas pessoas têm hoje em dia um profundo sentimento de falta de sentido, um verdadeiro vácuo existencial.
Não se apercebem de que não é o sofrimento que é insuportável. Viver nesta terra sem um sentido transcendente é que torna a existência insuportável.
E nessas circunstâncias é fácil compreender o porquê das suas reservas em relação às exigências morais da Igreja, que são exigências morais do próprio Deus.
Na falta de uma resposta verdadeira ao seu desejo de sentido, acabam por se refugiar no seu desejo de prazer.
Pe. Rodrigo Lynce de Faria
Doutor em Teologia