O êxito
Narciso era um belo rapaz. A sua mãe, desejando saber se viveria muitos anos, consultou o cego Teresias.
«– Terá uma longa vida – respondeu o adivinho – sempre que não olhe demasiado para si mesmo».
Ninguém entendeu naquele momento as palavras do sábio. A enigmática resposta caiu no mais completo dos esquecimentos.
Passou o tempo.
Narciso cresceu e não correspondia a nenhum dos amores que lhe eram oferecidos. Permanecia insensível ao carinho e ao afecto.
Até que um dia de muito calor, o jovem parou diante de uma fonte para se refrescar. Ao inclinar-se para beber, reparou na sua imagem reflectida nas águas. Apaixonou-se loucamente por si mesmo.
E ali ficou, dias e dias, indiferente ao mundo que o circundava, numa atitude de total isolamento. Deixou-se consumir pela fome, pela sede e pela solidão, até cair sem vida sobre a erva.
Este mito é muito conhecido. A sua mensagem é clara: o ser humano não está criado para encontrar a felicidade em si mesmo, no seu egoísmo, no seu individualismo. Isso seria o que o dicionário define como “narcisismo”: amor excessivo e doentio a si próprio, especialmente no aspecto físico.
No entanto, se observarmos bem, a cultura actual é exactamente isto que promove. Fomenta, de muitos modos, o individualismo, que é um verdadeiro cancro da sociedade. Sentir-se bem, sentir-se realizado, triunfar na vida, alcançar o êxito acima de tudo.
Até na educação dos mais jovens, este parece ser o “valor supremo” transmitido.
Quantas pessoas, hoje em dia, estão obcecadas pelo êxito! O êxito a qualquer preço. O êxito como o único fim desta vida, sem o qual tudo o resto perde o seu sentido.
Nascidos para triunfar – e triunfar já!
Aproveitar o momento presente como se fosse o único – estimulando o próprio ego, a vida livre de compromissos, a satisfação imediata dos desejos. Viver centrados no próprio umbigo, como Narciso.
Isso dá origem à inveja, a diálogos intermináveis com pessoas ausentes, antecipando perguntas e preparando respostas. Um super desenvolvido mundo interior cheio de suspeitas, rancores e um desejo de triunfar a qualquer preço.
É o “carpe diem” de Horácio. Aproveita o dia presente porque a vida é curta, e devemos usufruir dela enquanto pudermos. É o estreito mundo do egoísmo – totalmente diferente da grandeza de centrar a existência nos outros.
Esquecer-nos de nós mesmos é o verdadeiro caminho da felicidade, mas é um caminho que exige esforço. Exige não pensar só no momento presente, porque a vida tem um sentido. E esse sentido é transcendente – não está neste mundo, nem termina com a morte.
Como disse um filósofo: qualquer êxito, nesta vida, é sempre prematuro.
Se temos um êxito e o vemos como um fim, actuamos como Narciso: deixamo-nos deslumbrar por ele e o convertemos num fracasso.
Pe. Rodrigo Lynce de Faria
Doutor em Teologia