Os defeitos dos outros
Era já de provecta idade. Considerava-se, com toda a humildade, um verdadeiro especialista em obras de arte.
Um dia, foi visitar um museu com um grupo de amigos. Logo no início da visita, começou a manifestar as suas contundentes opiniões. Inadvertidamente, tinha-se esquecido dos óculos em casa. Mesmo assim, não se coibiu de satirizar as diferentes pinturas com a sua veemência característica.
Ao parar diante de um retrato:
«– O homem está mal vestido. O artista cometeu um erro de palmatória. O modelo é demasiado vulgar. Resumindo e concluindo: esta pintura não tem qualidade nenhuma».
A sua mulher, ao aperceber-se da barraca que o marido armava, aproximou-se discretamente e sussurrou-lhe:
«– Querido, estás a olhar para um espelho».
Moral da história: custa-nos reconhecer os nossos defeitos. Quando os vemos nos outros, parecem-nos insuportáveis.
O melhor modo de nos darmos conta da necessidade que temos de lutar contra os nossos defeitos é vê-los encarnados noutra pessoa.
Nesse caso, os defeitos vêem-se com objectividade e sem névoas, que procedem do nosso amor-próprio. Desaparece a típica indulgência automática que possuímos connosco próprios.
Os defeitos aparecem como aquilo que são: algo mais vivo, mais áspero, menos agradável, mais necessitado de uma mudança urgente.
As nossas imperfeições – contempladas com uma perspectiva exterior – parecem-nos menos lógicas e desculpáveis.
Para melhorar, é necessário que não ter medo de olhar para os defeitos cara a cara. Chamá-los pelo seu nome e esforçar-se por erradicá-los sem falsas compreensões.
O esforço é exigente – mas vale a pena!
Não é fácil reconhecer os defeitos e admitir a necessidade de esforçar-se para superá-los. Mesmo não sendo fácil, esse passo prévio é fundamental para melhorar com o passar do tempo.
O passar dos anos melhora o Vinho do Porto – mas não o nosso carácter!
O que aperfeiçoa o nosso carácter é o esforço por arrancar – ou pelo menos diminuir – as nossas imperfeições.
E não nos enganemos: sem uma visão objectiva dessas imperfeições não há esforço de nenhum tipo. Ficam só os desejos genéricos de mudar alguma coisa para que fique tudo na mesma.
Todos possuímos uma grande perspicácia para ver os defeitos dos outros e uma enorme dificuldade para vislumbrar os próprios. É como diz o ditado: ninguém é bom juiz em causa própria.
Sabendo disso, podíamos avançar muito se, cada vez que vemos um defeito em alguém, nos examinássemos sinceramente para ver se também nós o possuímos. Com muita frequência, as imperfeições que mais nos custam aceitar nos outros são precisamente aquelas que nós temos.
Estamos a olhar para um espelho.
Pe. Rodrigo Lynce de Faria
Doutor em Teologia