Espinho, capital do cinema de animação

Cinanima, um festival que vem do Atlântico

A cidade de Espinho acolhe um dos festivais de cinema mais antigos de Portugal, consagrado, neste caso, a um género muito particular: a animação. O Cinanima – Festival Internacional de Cinema de Animação, iniciativa da Cooperativa de Acção Cultural Nascente, é o segundo mais importante festival do género em todo o mundo e realiza-se anualmente em Novembro.

O certame dura cerca de uma semana e as inscrições para a apresentação de filmes a concurso terminam a 1 de Agosto de cada ano. Para os mais curiosos, eis a página do festival: www.cinanima.pt. Quanto ao universo geral da animação a nível mundial, pesquise em www.awn.com.

Na minha vida, o cinema de animação surgiu quase a seguir aos livros de quadradinhos Falcão, Mundo de Aventuras, Major Alvega, Astérix e Tintin, que completaria com as aventuras saídas da imaginação de Emilio Salgari, Jules Verne e Enid Blyton. Como esquecer as sessões animadas na TV aos sábados por Vasco Granja, aquele dos “meus amiguinhos”? Recordo-me como se fosse ainda hoje.

Foi em 1977 a primeira edição do Cinanima. Desde então, o universo do desenho animado em Portugal nunca mais seria o mesmo. Agora, ao folhear o Memórias de Prata, um livro comemorativo que nos fala de todas as edições, pesa-me na consciência o ter faltado, o não ter peregrinado todos estes anos a todos estes segundos, minutos e horas de magia.

A história do Cinanima confunde-se com a própria história do cinema de animação em Portugal. Iniciativa de um grupo de entusiastas que constituiam o núcleo do Cineclube da recém fundada Cooperativa de Acção Cultural Nascente, a primeira edição mostrou banda desenhada, os filmes experimentais do mestre canadiano Norman McLaren e alguma animação proveniente da Bulgária, França e duas longas metragens, sendo uma delas o emblemático Submarino Amarelo de George Dunning, com a música dos Beatles.

O Festival de Cinema de Animação de 1976 serviria, acima de tudo, para desmistificar o conceito de que o cinema de animação era um coisa só de crianças (actualmente 90 por cento da animação destina-se a adultos). Por outro lado, ficava provado, nessa já longínqua década de setenta, que também se podiam fazer coisas de projecção mundial fora dos grandes pólos urbanísticos. Para isso valeu a teimosia desse grupo de jovens que junto da Fundação Calouste Gulbenkian buscaram apoio e desde logo fizeram questão de marcar presença nos festivais já existentes – Annecy, Zagreb e Otava – onde estabeleceriam contactos preponderantes para a continuidade do projecto. Assim, no ano seguinte, o certame assumiria o seu carácter internacional. Até hoje.

Com o continuado apoio da Câmara Municipal de Espinho e do ICAM, o festival cresceu de forma gradual, seguindo o conselho do cineclubista Alves Costa: «Não queiram fazer do Cinanima um festival grandioso, gigante. A dimensão certa está na possibilidade do convívio, da amizade, no encontro entre amigos para criticar e amar o Cinema de Animação».

A nível internacional, só o festival de Annecy, no sul de França, “bate” o de Espinho. Mas só em termos de número de filmes a concurso, pois em termos de afectos Espinho leva a melhor. Os organizadores parecem ter dado ouvidos às palavras de Alves Costa. Na verdade, o Cinanima não está propriamente vocacionado para o mercado do audiovisual, como acontece com o homólogo francês. Porém, tem a vantagem de ser o único festival de animação realizado anualmente. E o preferido de muitos realizadores, como o comprovam as palavras do holandês Paul Driessen: «o Cinanima é uma experiência refrescante e familiar», e do finlandês Pekka Korhonen: «a atmosfera do Cinanima vem do Atlântico. A presença do oceano faz-me lembrar que o cinema de animação, afinal, não é a coisa mais importante do mundo. É a segunda coisa mais importante do mundo».

O trabalho árduo e honesto leva tempo a ser valorizado. Só após uma década de edições é que o Cinanima conseguiria verdadeiro reconhecimento fora de portas. O grande “boom” dá-se em 1991/1992. Por essa altura o Cinanima passa a integrar a Academia de Cinema de Hollywwod. Quer dizer com isso que todos os filmes premiados em Espinho podiam concorrer aos óscares na categoria de curta metragem. E concorreram. E ganharam. Por diversas vezes. Foi o caso com Castelo de Areia, Cada Criança, Crac (do canadiano Frederick Back, premiado em 1981 e óscar em 1982), e do conhecidíssimo As Calças Trocadas.

Ainda nos campos das parcerias o Cinanima é parceiro da Cartoon D’Or, associação da União Europeia ligada à área do cinema de animação, e é reconhecido pelas mais altas instâncias nessa área: a ASIFA – Associação Internacional de Filmes de Animação. Uma reputação que não foi conseguida “devido à sua dimensão, mas devido às características da cidade – pequena, acolhedora, marítima – e, sobretudo, ao calor humano que ali se respira”. A própria organização sempre foi muito elogiada. Joga a favor do Cinanima o facto de ter lugar em Novembro, sendo Agosto o mês limite para a entrega de obras. O festival de Annecy, por exemplo, realiza-se em Junho, e por essa altura muitos dos realizadores não concluiram ainda os seus trabalhos. Desse modo, a calendarização do Cinanima permite ao público assistir à estreia de muitos dos novos trabalhos produzidos ao longo do ano.

Joaquim Magalhães de Castro

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