Em terras americanas

A última semana em Guadalupe foi passada a preparar o veleiro para a viagem rumo a Norte. Depois de analisarmos o trajecto que iríamos fazer para chegar às Ilhas Virgens Americanas, decidimos alterar os planos. Em vez de irmos em rota directa, navegaremos junto à cadeia das ilhas conhecidas como Antilhas menores, Antigua e Barbuda, Saba e São Bartolomeu, para depois, nas proximidades de St. John, já em território americano, apontarmos à ilha de St. Thomas e à sua capital, Charlotte Amelie. Esta opção leva cerca de três a quatro dias, mas dá a garantia de ser mais segura do que uma rota directa, em mar alto. Nos últimos dias o tempo tem estado algo instável, com o vento a mudar de forma repentina. As autoridades americanas, para as águas sob a sua jurisdição, têm emitido avisos diários aos barcos de pequena dimensão.

Tínhamos planeado sair da ilha de Guadalupe no passado sábado, mas como tivemos informação de que o mar está alteroso decidimos adiar a saída por um dia. A mudança de planos permitiu convivermos mais algum tempo com a tripulação portuguesa do veleiro Maião e com uma jovem – também ela portuguesa – que anda a viajar à boleia de veleiros. Os nossos novos amigos mudaram da marina para o ancoradouro, pelo que ficaram mais perto de nós. Convidaram-nos para um jantar a bordo, onde fomos surpreendidos com uma excelente ceia de bacalhau cozido, batata e grão, acompanhada – como deve ser – de bom vinho português. A rematar, um copito de moscatel de Setúbal. Um verdadeiro mimo para quem anda embarcado, longe das terras e dos sabores lusitanos. Até “Água das Pedras” e “Sagres” havia a bordo! Foi neste jantar que conhecemos a Susana, tradutora de profissão, que está agora a viajar no Maião, indo com a tripulação até Antigua e Barbuda.

Durante a conversa, ficámos a saber que os dois velejadores – ambos de nome José e amigos de longa data – partilham alguns amigos connosco; um deles é Rodolfo Faustino, que viveu muitos anos em Macau e trabalha actualmente para o Turismo de Macau em Portugal.

Também durante estes dias aproveitámos para abastecer o veleiro de água e gasóleo, e para rever todos os sistemas do barco. Inicialmente pensámos seguir via Riviére Salée, um pequeno rio, ou braço de água, que separa as duas ilhas principais (Terre de Haut e Terre de Bas) que constituem a ilha de Guadalupe, mas quando nos informámos sobre os horários de abertura das duas pontes levadiças ficámos a saber que as mesmas já não abrem… há quase quatro anos! É o problema de usar livros e guias desactualizados. Este atalho era algo perigoso, uma vez que é demasiado baixo e bastante apertado, o que obrigava a um exercício de navegação à vista muito apurado durante a noite – as pontes abriam às quatro da manhã. Apesar de tudo, poupavam-se quase 60 milhas náuticas. Assim, teremos de contornar toda a ilha de Guadalupe para podermos seguir viagem.

No dia anterior à nossa saída fomos à vila de Gosier comprar vegetais e fruta, na feira que ali se realiza semanalmente. Há uma enorme variedade de produtos a preços mais baratos do que os praticados pelos supermercados e muito mais frescos. Apanhámos o autocarro perto da marina e regressámos, passadas duas horas, com dois sacos de compras completamente repletos de hortaliças, alfaces, tomates, batatas, bananas, um ananás, pepinos, nabos, etc., mais alguma carne fumada e ovos, de muito boa qualidade e vendidos directamente por quem os produz.

A feira de Gosier faz lembrar os mercados e feiras de Portugal, onde grande parte da população que vive nas cidades mais pequenas, vilas e aldeias se abastece. Sempre que vamos a Portugal não dispensamos uma ida à feira semanal da vila da Tocha ou à feira mensal da vila de Portomar. Feiras e mercados são para mim locais ideais para contactar com as populações e tomar o pulso ao país real. Não é por acaso que os políticos, durante as campanhas eleitorais, não perdem a oportunidade de visitar as feiras, com o objectivo de angariarem alguns votos.

Se tudo correr como planeado, quando estas linhas forem publicadas já deveremos estar ancorados em Charlotte Amelie, nas Ilhas Virgens Americanas. O veleiro Gentileza deverá juntar-se a nós no dia 1 de Abril. Mais tarde, antes do final do próximo mês, voltaremos a Point-à-Pitre, para recebermos uma família amiga que virá da cidade do Porto para passar dez dias connosco. Trata-se do mesmo casal que esteve em Martinica no ano passado.

Espero que nada nos faça mudar de planos e que percorramos as quase 500 milhas que temos pela frente, sem quaisquer problemas.

Estamos ansiosos para voltar a navegar em família e de noite, o que já não fazemos há vários meses. Pessoalmente, gosto de navegar à noite, da solidão e do sossego que se vive, em comunhão com o mar e o céu.

JOÃO SANTOS GOMES

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