A Trindade na cozinha da Avó
Com pouco tempo, pedi ao meu irmão mexicano, padre Vicho, algumas ideias sobre a Trindade. Normalmente ele é muito criativo e original, e eu tinha a certeza que me iria inspirar. Mais uma vez não me decepcionou e começou a contar algumas histórias sobre a avó materna e a sua “teologia da cozinha”.
«– Deus não é difícil de entender se vossemecê prestar atenção à vida» – costumava dizer a sua “abuelita” (avó em Espanhol) quando ele era criança, ao mesmo tempo que preparava as refeições na cozinha – «basta notar a maneira como Ele trabalha». E prosseguia: «– Ao lavar as verduras, sinta a água nas mãos, veja como ela limpa e refresca o feijão e as folhas. Deus é como a água: Ele dá vida, Ele refresca-o, Ele purifica-o. Ao picar os vegetais, sinta o aroma de cada erva a chegar ao seu nariz. Deus faz o mesmo com cada um de nós; quando nos deixa passar pelas dificuldades são para fazer brotar o que há de melhor em nós». E ainda: «– O Evangelho é como o alho. Se o comer, ou seja, se fizer parte da sua vida, as pessoas à sua volta sentirão com certeza!». E assim por diante.
Ela era particularmente sensível ao papel do Espírito Santo, essencial tanto na sua fé como na sua culinária: «– Vossemecê vê como o fogo transforma estes vegetais crus e carne em comida deliciosa? O mesmo acontece com o Espírito Santo em nós. Com o Seu poder, Ele transforma gradualmente os nossos corações para que possamos alimentar a vida de outras pessoas».
Esta adorável “abuelita” ensinou ao padre Vicho muitas outras lições valiosas durante o tempo de cozinhava. Estas histórias permaneceram com ele ao longo da sua jornada vocacional. Após a minha divagação inicial, após uma reflexão mais aprofundada, percebi que estas histórias simples têm algo importante para nos ensinar sobre a Solenidade da Trindade.
O Catecismo da Igreja Católica afirma: “As obras de Deus revelam quem Ele é em Si mesmo: e, inversamente, o mistério do seu Ser íntimo ilumina o entendimento de todas as suas obras. Analogicamente, é o que se passa com as pessoas humanas. A pessoa revela-se no que faz, e, quanto mais conhecemos uma pessoa, tanto melhor compreendemos o seu agir” (CIC nº 236).
Pode ser difícil entender quem é o Deus Trino, mas, felizmente, podemos ter um bom vislumbre da Sua natureza, ao observarmos o que Ele fez por nós. As Suas acções revelam a Sua vida interior e o Seu ser: “Toda a história da salvação não é senão a história do caminho e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e único, Pai, Filho e Espírito Santo, Se revela, reconcilia consigo e Se une aos homens que se afastam do pecado” (CIC nº 234).
O Evangelho deste Domingo (Jo., 3, 16-17) confirma a metodologia de Deus para Se revelar por meio da acção: «Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Portanto, Deus enviou o seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por meio dele». Não há melhor definição da natureza e do coração de Deus do que esta. Este é realmente o cerne da nossa fé em Deus.
A segunda parte do Evangelho é menos popular porque parece excluir as pessoas do Seu Amor: «Quem nele crê não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porque não acreditou no Nome do Filho unigênito de Deus» (Jo., 3, 18). No entanto, mesmo esta passagem fala sobre a bondade de Deus. Deus deixa-nos livres para aceitá-lO ou não, para responder ao Seu amor ou não. Deve ser doloroso para Deus ver algumas pessoas recusar a Sua oferta ou amor. No entanto, Deus nunca nos roubará a liberdade. Sendo Ele mesmo uma comunhão de três Pessoas e tendo-nos criado à Sua própria imagem, Deus sabe que o amor e a liberdade devem andar de mãos dadas.
Através da obra salvífica de Deus, dramaticamente registada nas Sagradas Escrituras e vivida na nossa própria vida, podemos aprofundar a nossa relação com Deus como filhos do Pai, como seguidores de Jesus, abertos à acção do Espírito Santo que nos une em comunhão com a Igreja e ao serviço do mundo: “quanto mais conhecemos uma pessoa, tanto melhor compreendemos o seu agir”, como dizia o Catecismo.
De facto, esta história de vida do padre Vicho fez-me entender melhor a “teologia da cozinha” da sua avó. Esta casou-se muito jovem; aos vinte anos de idade ficou viúva e sozinha com uma filha. Um dia o padre Vicho perguntou-lhe por que razão não se havia casado novamente. Ela respondeu-lhe: «– Vossemecê faz essa pergunta porque ainda não sabe o que é o verdadeiro amor. O meu marido – seu avô – morreu, mas nunca me deixou. Sinto a sua presença todos os dias, até na cozinha». Uma preciosa lição sobre o amor. E como a Trindade é amor, também é uma lição sobre a natureza de Deus. O leitor não concorda?
Pe. Paolo Consonni, MCCJ