Sim, demos novos mundos ao Mundo
Deixemo-nos de falsas modéstias. Portugal foi o país que mais impacto teve à escala planetária e cujas acções mais positivamente influíram no decorrer do curso da Humanidade. Posto isto, releiamos – questão de refrescar a sempre coxa cultura geral – o livrinho “Data e Factos da História do Mundo”, da autoria de Vasco Hogan Teves (velha colecção Livros RTP) e constatemos uma vez mais que enquanto a Europa se inter-digladiava com guerras de Sete, Trinta, Cem anos, guerras de Duas Rosas, com espinhos ou sem eles, e ainda guerras na Itália, com um Nicolau Maquiavel a teorizar a arte da cínica e universal sacanagem de que os fins justificam os meios e um Martinho Lutero a insurgir-se face à depravação dos valores cristãos e rendição sem precedentes daqueles que deviam ser os servidores da Igreja de Cristo aos jogos do poder, ao luxo e a todo o tipo de excessos; enquanto na Europa os Habsburgos punham em prática a sua táctica de arrecadação de territórios que cedo os transformariam na maior família-império de que há memória; enquanto essa bárbara e terratenente Europa, de Norte a Sul, do Mediterrâneo ao Báltico passando pelos Balcãs e o Cáspio, se esgadanhava num arreganhar de dentes, chegando com assustadora frequência a vias de facto por causa de um quinhão de terra aqui, um pedaço de horto acolá, testando sempre o peso das alabardas, o gume da espada e a flexibilidade do fio do arco ou o poder de arremesso das azagaias e das lanças, Portugal, esse aparentemente risível reininho ao fundo do continente com menos de milhão e meio de criaturas, cerceado o cordão umbilical e passadas as dores de crescimento, fitava longamente o oceano e um instante depois já nele navegava, numa entrega total, pronto a desvendar-lhe os mistérios mesmo que isso lhe custasse o sangue, o suor e, quantas das vezes, a vida. Quer a Humanidade maior feito do que este? Como dizia o historiador António Borges Coelho, em recente entrevista à agência LUSA: «Não brinquem comigo! É preciso uma coragem brutal para fazer uma viagem de navio, de mais de meio ano, nas condições técnicas da época, enfrentar as tempestades, as doenças no mar – quase metade das pessoas ficava no caminho».
Borges Coelho, decano e voz respeitadíssima em assuntos referentes ao nosso admirável passado, em boa hora saiu a terreiro, alertando para a premente necessidade de se fazer um museu dedicado à Expansão Portuguesa, por ter sido «um período fantástico na História da Humanidade», de que «não temos de ter vergonha». O manifesto de Borges Coelho – como já o fora antes o dos não menos credenciados historiadores João Pedro Marques e Luís Filipe Tomás – surge na hora certa, porque verdadeiramente urge, mais do que nunca, aparar as unhas aos desonestos e anti-científicos terroristas culturais que pretendem torpedear a nossa História deixando-a órfã dos seus momentos mais substantivos. Diz António Borges Coelho, homem de profundas convicções de esquerda, portanto, insuspeitíssimo em tão fracturante matéria: «É um absurdo esta polémica. O passado é o passado. A primeira grande globalização é uma coisa fantástica para qualquer povo. Não temos que ter vergonha, e mesmo os povos que foram oprimidos, não foram só oprimidos. [Afonso de] Albuquerque [1453-1515] dizia que não podia tirar a cabeça do navio, pois corria risco de ficar sem ela».
No processo de expansão, Borges Coelho realça a «personagem importantíssima, um papel que ninguém lhe pode tirar» que foi o infante Dom Henrique, «obreiro da bula que permitiu a Expansão Portuguesa, e quem equipou os barcos e congregou os homens». Esse mesmo infante que um desses revisionistas cujo desporto predilecto é cuspir no sopa que comem, no caso, docente numa universidade de Nantes, no depoimento prestado num dos episódios de um documentário sobre a escravatura produzido pelo canal franco-germânico ARTE (a respeito do qual aqui falaremos em seu devido tempo), apodaria de «mero chefe de um grupo de salteadores». Chamar miserável a um indivíduo destes é uma forma de elogio. Mas deixemos os canitos latir, pois o importante é que a caravana prossiga a sua derrota… O historiador, autor do “Questionar a História” (1983), lembra ainda o carácter multifacetado dessa obra de referência da autoria de João de Barros, tão e somente o maior cronista de que há memória, que é as “Décadas da Ásia”. Como lembra, e bem, o insigne historiógrafo, «não estão lá só os feitos dos portugueses, estão também os dos outros povos, e estão os costumes e a geografia. Os próprios povos aprenderam algumas coisas com aquilo que os portugueses fizeram naquela época». E é por isso que defende, como eu defendo, «um museu com tudo lá e não só o retrato do herói com as flores em baixo, mas que refira os vários povos». Um museu à maneira, que cale de uma vez por todas esses engravatados fedelhos do Conselho Europeu que deviam pôr-se de joelhos e beijar o chão sempre que chegassem a Portugal, em sinal de reverência. Nada devemos à Europa. A Europa é que nos deve tudo. Sem Portugal provavelmente estariam ainda a cultivar as berças e à mocada uns com os outros, incapazes de fazerem Mundo como o fizemos nós. Eles apenas nos seguiram na esteira. Como sabiamente, e de forma metafórica, dizia Agostinho da Silva, «isso dos Descobrimentos só nos trouxe prejuízos». E agora, acrescento eu, passados todos estes séculos, levamos ainda com o desprezo e a ingratidão desses ditos nossos pares europeus.
Joaquim Magalhães de Castro