A máquina de San Sebastián
Há anos, aproveitei o intervalo do almoço durante um congresso em Ajaccio, capital da ilha da Córsega, para visitar o museu Fesch. Tudo na Córsega se refere a Bonaparte, seja o célebre imperador Napoleão, seja alguém da família. Por exemplo, o descomunal museu Fesch e a sua enorme colecção de arte remontam a um tio materno de Napoleão. É um museu de estilo antigo, em que os quadros – os melhores italianos, Botticelli, Ticiano, Veronese, Vasari, Bellini…; franceses, Poussin, Vouet, Vignon…; flamengos… – forram literalmente as paredes, encostados uns aos outros, em filas sobrepostas. Mais de quatrocentos quadros, muitos deles de grandes dimensões.
Na altura em que visitei o museu, podia ver-se também uma exposição temporária com objectos de Napoleão Bonaparte. Uma das peças era o palácio ambulante que acompanhava o imperador nas viagens e nas guerras. O chão daqueles salões desmontáveis eram tapetes preciosos, o mobiliário era pesado e rico como nos palácios, as paredes decoradas com quadros e esculturas, iluminados por magníficos candelabros. Eram precisos vários homens para erguer as arcas que continham os requintes da higiene e perfumaria, construídas em madeiras preciosas e embutidos.
Alguns quadros da época, patentes na exposição temporária, mostravam o palácio ambulante no meio de cenários de guerra, como o acampamento francês na véspera da derrota de Waterloo. O luxo do imperador contrastava com a multidão de soldados amontoados, a dormir ao relento, mas os relatos dão conta da euforia das tropas francesas, contentes de estarem tão perto do seu querido imperador. Muitos daqueles exaltados iriam morrer poucas horas depois nos campos de Waterloo.
Lembrei-me desta loucura quando vi a fotografia que acompanha este artigo, de uma máquina construída em 1894 para levar o Rei de Espanha Alfonso XIII e a família a tomar banho na praia da Concha em San Sebastián. No final do Século XIX, além deste mini-palácio real, as praias aristocráticas de Santander e de San Sebastián tinham outras 242 casas móveis, também puxadas por cavalos, para levar as famílias até à água e as trazer de volta para terra.
Como se pode ver na fotografia, a real cabana possuía janelas envidraçadas e com varanda, várias salas, alpendres, um jogo complexo de abas de telhado e – não podia faltar! – uma bandeira hasteada no mastro.
Não se vêem na imagem as centenas de escudeiros, ajudantes, criados e criadas, militares, cavaleiros, cozinheiros, escanções, músicos, artistas, chefes de brigadas, chefes de protocolo, porteiros, alfaiates, costureiras, auxiliares…
Para os reis serem imensamente felizes?
O curioso é que esse objectivo falhou rotundamente. O pobre Alfonso León Fernando María Jaime Isidro Pascual Antonio, etc., mais conhecido como Alfonso XIII, teve uma vida desgraçada e triste, além de ter perdido o trono. De que lhe valeu a sua máquina de San Sebastián? E toda a extravagante parafernália real?
Pensar nos desastres do desaventurado Napoleão Bonaparte, falecido com 51 anos, inspira sentimentos de pena. Como podia ele dormir, depois de ter espalhado milhões de cadáveres por todo o mundo?
Para quem queira realmente ser feliz, desaconselho vivamente estes caminhos errados. Tanto trabalho, para nada!
José Maria C.S. André
Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa