Ao fim de vários adiamentos saímos de St. George, capital de Grenada, mas passado quase uma semana não fomos longe! Devido às más condições climatéricas, fomos obrigados a ficar na ilha de Carriacou mais tempo do que havíamos planeado. Apesar de termos verificado as informações meteorológicas e estarmos cientes de que seria uma janela muito curta, tínhamos a noção de que seria uma corrida contra o tempo para chegar a porto seguro na ilha de Carriacou. A tal peça do barco dos nossos amigos brasileiros demorou a chegar, o que impossibilitou que saíssemos dentro do prazo estabelecimento anteriormente.
A travessia de cerca de quarenta milhas náuticas até decorreu sem grandes problemas, mas a meio do canal entre as duas ilhas começou-se a sentir os efeitos das ondas tropicais que estão a afectar esta zona. Foi um “jogo do gato e do rato” com as células de trovoada que se iam vendo no horizonte, tendo sido possível evitar quase todas, tirando duas que nos trouxeram chuva a rodos e ventos fortíssimos. No entanto, tudo se resolveu, e o vento até foi bom porque nos ajudou a ir na direcção certa. A cerca de cinco milhas do destino, e já sob influência do efeito ilha, fomos confrontados com correntes fortes e ventos de proa na ordem dos 25 nós. Sem termos espaço para orçar e avançar contra o vento, foi altura de ligar o motor. Os nossos amigos optaram por utilizar o motor em quase toda a viagem e a meio do percurso acabaram por nos ultrapassar. Tendo nós um barco mais velhinho, temos de poupar o motor. Ou melhor, é obrigatório!
Desta vez, como o vento estava forte e a noite aproximara-se, decidimos acelerar um pouco mais do que o recomendável e o resultado foi desastroso. Rebentou a correia do alternador, em resultado do calor excessivo, e enrolaram-se uns cabos eléctricos. Foi um pandemónio no compartimento do motor com borracha queimada, fios eléctricos derretidos e um quase fogo a bordo. Como temos a saída do ar do compartimento do motor no poço, o cheiro e o fumo foram detectados imediatamente. Este alarme atempado foi essencial para que nada de mais acontecesse. Assim que surgiu o problema fui ao compartimento do motor e desliguei as baterias, para evitar que os cabos eléctricos pegassem fogo. Felizmente o motor continuou a funcionar, mas sem produzir a potência necessária – aquecia demasiado, uma vez que apenas estava a ser refrigerado pela água do mar. O sistema de refrigeração interna funciona através de uma bomba movida pela correia do alternador, pelo que ficou imobilizado.
Passadas duas horas do incidente – tivemos de navegar a cerca de quatro nós contra o vento, sem forçar muito o motor para que a temperatura se mantivesse baixa – lá chegámos ao ancoradouro, já de noite. Aparte o problema do aquecimento, a nossa maior preocupação era saber se teríamos gasóleo suficiente até ao destino. Como o plano inicial era velejar até à entrada da baía e usar o motor apenas para ancorar, tínhamos pouco gasóleo a bordo.
Assim que o problema do aquecimento começou, resolvemos entrar em contacto (via rádio) com as autoridades da ilha, a quem ficámos de ligar em caso de emergência. Graças a Deus não foi necessário e chegámos pelos nossos meios ao destino, sem qualquer problema. O responsável da doca de combustível do estaleiro onde fizemos os trabalhos de manutenção do veleiro, ao ouvir a comunicação, decidiu enviar ajuda através do seu mecânico, tendo este ido – de lancha rápida – ao nosso encontro. Quando lhe confirmámos que a situação estava sob controle disse-nos que ficaria à nossa espera até que ancorássemos.
No dia seguinte, foram vários os tripulantes de barcos vizinhos que nos vieram perguntar se precisávamos de ajuda. Também eles ficaram a par (via rádio) da ocorrência e estiveram em alerta para qualquer eventualidade. Não ganhámos para o susto. A partir de agora não esforçamos mais o motor.
Os últimos dias têm sido passados a substituir todos os cabos, tentando perceber porque queimaram. Tudo indica que foi um problema de aquecimento, aliado a um curto-circuito causado pelo cabo eléctrico que se enrolou na poli do alternador. Este cabo estava inutilizado no compartimento do motor, mas afinal carregava energia da consola no poço do motor; aqueceu ao ligar com o corpo metálico do alternador, que tinha parado com a correia partida. Ao mesmo tempo, derreteu parte do cabo que liga o alternador ao motor de arranque e rebentou com o disjuntor principal do motor. Felizmente desligámos atempadamente a fonte de energia.
Resumindo: todos os estragos já foram reparados com a substituição do material danificado, incluído o disjuntor, embora o alternador não esteja a funcionar a cem por cento. Em St. Lucia ou em Martinica teremos de adquirir um novo. Actualmente temos três a bordo, mas nenhum funciona correctamente. Já foram arranjados diversas vezes pelo que é hora de comprar um novo. O ideal seria encomendar na China, mas a logística é complicada – a peça é demasiado pesada e temos poucos dias. Para já vamos tentar reparar um dos alternadores, para ver se conseguimos aguentar mais alguns meses, mas a solução terá mesmo de passar pela aquisição de um novo, para que haja alguma paz de espírito.
Entretanto, os dias têm sido passados quase na totalidade no interior do veleiro, pois o tempo tem estado péssimo – muita chuva e vento derivados das ondas tropicais. Houve uma noite em que se registaram ventos de 40 nós. Felizmente a âncora aguentou, ainda que tenhamos sido obrigados a meter mais de 60 metros de corrente na água.
JOÃO SANTOS GOMES