Rosário de nós de sim na corda
Podia ser um conto, mas é real.
Tinha acabado a celebração numa cidade no centro de Timor-Leste, (02.02.2020). Em conversa consigo mesmo, ao enviar parabéns, o ancião pensou: como foi que aqueles dois rapazes chegaram à profissão religiosa naquela terra do sol nascente? Bastaram alguns momentos e o ancião recordou os antecedentes de há cem anos para cá, dispostos em extensa corda com os nós de lindas cores e idades. Ficou intrigado com as ligações. Aproximava-se o dia 20 e começou a contar a narrativa.
Foi assim. Várias pessoas, cada uma por sua vez, deram nós na corda do Rosário. O primeiro nó foi dado em montanha encovada no Centro de Portugal por três pastorinhos de ovelhas. Uma Senhora apareceu-lhes várias vezes. Na primeira pediu se queriam oferecer-se a Jesus. Elas deram um nó na corda respondendo: sim, queremos.
A Senhora lhes prometeu que ia fazer um grande milagre no dia 13 de Outubro de 1917 para todos acreditarem que ela lhes aparecia e falava. Esse anúncio do milagre espalhou-se por feiras e igrejas ao perto e ao longe, mesmo sem telefone nem Facebook, e chegou a uma freguesia a 25 quilómetros, ao conhecimento de vários homens e rapazes. Uns encolheram os ombros e quatro logo decidiram ir ver o milagre. O pai do António e do João, ao voltar da Cova da Iria, vinha entusiasmado com o Sol a girar à vista de mais de setenta mil pessoas. E contou ao filho, de dezassete anos, que ficou tocado e logo começou a rezar mais e a ser mais bem comportado.
Decidiu, com os conselhos do jovem padre, P. Joaquim Bernardes, ir juntar-se aos primos, perto de Sintra, um deles o fundador da Casa onde estou a escrever, para ser Irmão de São João de Deus. Deu assim outro nó de sim jovem na corda.
Mais tarde o irmão dele que já estudava Teologia no Seminário de Leiria foi visitá-lo e gostou tanto do que viu e ouviu dele que pediu para mudar para o Telhal e também ser Irmão, dando na corda, um nó de jovem adulto.
O João, quando já era sacerdote após os 24 anos do primeiro nó, foi visitar os pais e reuniu-se lá com o Manuel e outros rapazes da PREJAC e perguntou quem queria ir com ele para missionário. Quatro disseram sim e foram. Eram sins de adolescentes.
E que tem isso e ver com os dois jovens de Timor? Vou dizer, pensou o ancião. O Manuel, aos dezoito anos, deu o sim, um nó jovem de Irmão. Preparou-se para enfermeiro e padre, no Telhal, Açores e Roma. E os superiores enviaram-no para Nampula, Moçambique, em 1972, para missionário e enfermeiro.
Uns vinte anos depois alguns jovens hospitaleiros voluntários, entre eles o Vítor, foram de Portugal para ajudar doentes, pobres, jovens e órfãos da guerra. O Vítor ficou impressionado com a sua vida de fé e exemplo de sim ao Senhor no meio de tantos doentes, pobres e rapazes da rua do Missionário que decidiu, logo ali, ser Irmão dando mais um nó de sim na corda.
E como é que isso se liga a Timor? Já lá vamos.
Depois de um período de preparação em Moçambique, o Vítor continuou a preparar-se em Espanha e Portugal; e em 2002 foi enviado como missionário e assistente social a começar um centro para doentes mentais nas montanhas de Timor.
Ali convidava, animava e formou vários rapazes para Irmãos. Alguns, em 2007,deram nós de sim na corda, pedindo para ser Irmãos.
A 2 de Fevereiro de 2020, mais dois desses jovens, Bentolino e Vitorino, deram o nó definitivo de vida de Irmãos nesta corda de 103 anos.
Dia 20 de Fevereiro fez cem anos que a menina Jacinta de 13 de Maio de 1917 se foi abraçar no céu à Senhora que a convidou, e ao seu irmão Francisco, a dar o primeiro nó da corda, juntamente com a prima Lúcia que ficou por cá muitos anos a dizer sins à Senhora e a Jesus.
Os nós de 13 de Maio foram os mais bonitos por iniciarem a corda. Agora, ao lembrar os dois pastorinhos chamados para o céu com uma epidemia que matou sessenta milhões no tempo aflitivo de outra, só resta desejar e rezar para que mais nós de sim ao Senhor sejam dados por muitos outros jovens até serem tantos como as contas do Rosário. Os jovens de hoje não vão querer interromper as rosas de Rosário tão belo.
AIRES GAMEIRO
Boa Nova – atualidade missionária