A glória na Cruz.
A Páscoa, no calendário litúrgico do cristão, é certamente o período de maior reflexão e comunhão com Jesus, onde somos profundamente tocados pela grandiosidade da sujeição do Filho ao Pai, no cumprimento messiânico – como em Isaías 53:3-12 – da dádiva gratuita de Deus, para pagamento do nosso pecado, com o derramamento do sangue de Jesus Cristo, seu filho amado, pregado numa cruz! Uma imagem que nos move de emoção e nos prostra aos pés do Senhor em profunda compaixão e eterna gratidão, numa mescla de sentimentos. Esta imagem, para os que não crêem em Cristo, provavelmente não terá qualquer significado ou será tida como uma provável invenção ou fraude religiosa, mas este pensamento do homem incrédulo não é novidade, pois já o falava o apóstolo Paulo na sua primeira carta aos Coríntios:
«A linguagem da cruz é certamente loucura para os que se perdem mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus. Pois está escrito:
Destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes.
Onde está o sábio? Onde está o letrado? Onde está o investigador deste mundo? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?
Pois, já que o mundo, por meio da sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que crêem, pela loucura da pregação.
Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca da sabedoria, nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus.»
(1 Coríntios 1:18-24)
O apóstolo Paulo faz uma notável exposição, intemporal, ao crente e não crente, sobre o mistério da cruz e da salvação por intermédio de Cristo – visível na fé ou rejeitada na incredulidade.
A cruz tornou-se assim para todo o cristão como um elo de ligação da nossa peregrinação na fé.
Jesus falou-nos que precisamos de carregar a nossa cruz se o queremos seguir (Mt. 16:24 ). Mateus mostra-nos, no caminho do Senhor para o calvário, um provável cristão de Cirene, chamado Simão (Mt. 27:32), que ajuda Jesus a carregar a sua cruz.
No relato sobre o monte do calvário, Mateus remete-nos a uma outra montanha mencionada no Evangelho: o monte da transfiguração de Cristo, um dispositivo literário usado genialmente pelo autor, que nos faz ter em mente o contraste entre os dois montes – um, da glória; o outro, da humilhação e do sofrimento. Mateus não quer que nós vejamos só esse lado humilhante, mas nos lembremos da transfiguração de Cristo. Na transfiguração, as vestes de Jesus reluzem; no texto da crucificação, as vestes de Jesus são divididas. Duas figuras do Antigo Testamento aparecem ao lado de Jesus no monte da transfiguração, no texto do calvário, dois ladrões são colocados ao lado de Jesus. Num lado, um cenário cheio de luz; no outro, cheio de trevas. No primeiro, Elias aparece; no outro, as pessoas esperam Elias aparecer, e ele não aparece. Estas descrições enaltecem o lado da grandeza do messias: pela cruz o Senhor conquistou um povo, pela cruz o Senhor inseriu os povos no seu Reino. Mateus parece sussurrar-nos ao ouvido: «vejam, a glória e o reino está embutido ali».
Antes de morrer na cruz Jesus clama ao Pai. Mateus evoca aqui o Salmo 22, que nos traz à memória um Salmo messiânico, relacionado com o sofrimento de alguém que clama e não tem resposta. Clama e Deus não responde. Deus muitas vezes não responde. Jesus repete este Salmo na cruz, esta realidade é comum e normal, o silêncio de Deus, porque Deus tem um propósito maior do que algum homem possa discernir. Deus quando fala é santo, e também é santo no seu silêncio. É preciso confiar, crer e ter fé! A imagem da cruz ensina-nos isso. Aliás, a cruz parece ter sempre provocado reacções nas nossas vidas. Mateus descreve a reacção dos guardas e de um centurião – o líder de um grupo de soldados, que tinham cravado os pregos, chicoteado e atravessado com uma lança o filho de Deus e ali o guardavam. Desde o meio-dia até às três horas da tarde, as trevas envolveram toda a terra e, quando estes presenciaram o terramoto e tudo o que ali havia acontecido, ficando aterrorizados, acabaram por dizer: «Este era verdadeiramente o Filho de Deus» (Mt. 27:45-54).
Depois dos grandes sinais no momento da morte de Jesus, e entrega do seu espírito ao Pai, ao terceiro dia, como tinha sido anunciado, grandes sinais se repetiram na sua ressurreição. Mateus descreve esses momentos e explica como surgiram boatos por parte dos líderes judaicos em relação à ressurreição de Cristo, numa tentativa de negação, alegando que o corpo de Jesus tinha sido retirado pelos seus seguidores e não ressuscitado, comprando os soldados que guardavam o túmulo, os primeiros a anunciarem o Cristo ressurreto.
Tenho para mim que ser cristão é aceitar a historicidade da ressurreição, caso contrário, seria vago pensar o Cristianismo, unicamente, com base em valores éticos e filosóficos. Acreditar na ressurreição é acreditar na vida eterna – nada faz sentido, dizia o apóstolo Paulo, se Cristo não tivesse realmente ressuscitado, se Cristo não vencesse a morte.
Os próprios discípulos, que tinham fugido e até negado Jesus, por medo, desde a traição e entrega do Senhor por Judas Iscariotes, superam esse medo e abraçam a fé fortalecida em Jesus, com a prova da ressurreição de Cristo.
«Os onze discípulos partiram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha indicado. Quando o viram, adoraram-no; alguns, no entanto, ainda duvidavam. Aproximando-se deles, Jesus disse-lhes:
Foi-me dado todo o poder no Céu e na Terra. Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos.»
(Mt. 28:16-20)
A fé, por si só, é vulnerável, carece da fundação e dos alicerces da sagrada escritura, da sua exegese, do entendimento do pensamento cristão e das pontes entre as evidencias bíblicas, em paralelo com as históricas e arqueológicas, com o distanciamento temporal, cultural e dos autores bíblicos…
Deste modo, partilho estas “ilustrações” de uma aprendizagem, aqui focada no contexto da Paixão de Cristo e sua ressurreição, acompanhada pelo Evangelho de Mateus.
Vejamos a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo pelo “espectro” da cruz, em união com Ele, agora e sempre!
Miguel Augusto