O Cristianismo no Irão
O Irão tem 99 por cento de muçulmanos e o Islão é a religião do Estado. As raízes da Igreja são muito antigas e remontam ao Século II. O Cristianismo é uma das religiões mais antigas a seguir à comunidade zoroástrica, que remonta a vários séculos antes da chegada do Cristianismo e do Islão; a segunda mais antiga é a comunidade judaica. A comunidade zoroástrica soma cerca de vinte mil pessoas, e a judaica, entre vinte e 35 mil. Embora não seja, pois, a mais antiga o Cristianismo tem uma longa história no Irão, ou Pérsia, designação do País até 1934. Na antiga Pérsia subsistiram religiões de carácter politeísta até ao Século VIII a.C., quando o Zoroastrismo (ou Mazdaísmo) se tornou a religião oficial imperial, com a dinastia Aqueménida. Assim permaneceria até 636, quando se dá islamização do País. O Judaísmo continuou, apesar de várias vicissitudes, até hoje. Vamos conhecer um pouco sobre a situação actual dos cristãos no Irão, com um foco especial nos católicos.
UM PAÍS MILENAR
Numa nação com mais de três mil anos, que nunca foi dominada colonialmente e ciosa dos seus remotos pergaminhos nacionalistas, com uma cultura superior muito própria e milenar, mas nos últimos quase quarenta anos dominada pelo radicalismo xiita que a tornam a mais poderosa república islâmica do mundo, o Cristianismo subsiste, vive mesmo em harmonia e com as suas igrejas de portas abertas a quem as visita, mantendo o seu esplendor e beleza antigos. É verdade, o Irão não são só mesquitas, madraças, vultos negros nas ruas e clérigos de turbantes e barbas: além da beleza natural do País e da simpatia inigualável do povo, o Irão tem torres sineiras e cruzes aqui e ali…
Recorde-se que o Irão não é um país árabe (apesar de ter uma minoria árabe e sunita no Sul e Sudoeste, que pode alcançar os dois milhões de habitantes), nem sunita maioritariamente: é sim persa e xiita. O xiismo duodecimal (os doze imãs sucessores do Profeta Maomé, a partir de Ali) implantou-se na Pérsia apenas a partir de 1501. Reinavam já os safávidas, permanecendo maioritariamente até hoje, principalmente entre os persas (etnicamente maioritários, mais de metade dos 81 milhões de habitantes) e os azeris (a segunda etnia no País, com quinze milhões).
RETRATO
Há dois mil anos uma outra religião despontou na antiga Pérsia. O Cristianismo logo ali surgiu nos seus alvores, bem antes do próprio Islão. Já existiam judeus, desde meados do primeiro milénio antes de Cristo, como ainda existem aliás vinte mil, em números redondos, podendo atingir os 25 mil, ou não ser até mais de dez mil. Muitos emigraram para Israel, Estados Unidos e Canadá, mas os que ficaram aqui permanecem, graças também ao seu anti-sionismo e discordância face à existência do Estado de Israel.
O Zoroastrismo, até ao Século VII, o Sunismo (ramo maioritário do Islão no mundo, com 85 por cento dos muçulmanos) até aos começos do Século XVI, e depois o xiismo duodecimal (dez por cento do Islão mundial), até hoje, foram as religiões maioritárias do País no meio das quais o Cristianismo se manteve vivo até à actualidade. Assim, temos o número significativo de seiscentas igrejas (entenda-se comunidades, templos ou casas de oração, nem sempre oficiais) no Irão actual, acolhendo, no total das confissões e ritos cristãos, entre trezentos a 370 mil fiéis, um número que a maior parte da opinião pública mundial não faz a mínima ideia. As fontes governamentais iranianas referem que existem 73 igrejas registadas oficialmente para uma população de trezentos mil crentes, 0,3 por cento da população nacional (81 milhões, em 2016), apontando-se para um crescimento percentual (eram 0,2 por cento em 2000).
VÁRIAS DENOMINAÇÕES CRISTÃS
Existem várias denominações cristãs no Irão, muitas delas ligadas a minorias étnicas, com língua e cultura próprias. É o caso da Igreja Apostólica Arménia, a mais numerosa, com 110 mil (há quem fale no dobro desta cifra) fiéis. Depois temos a Igreja Assíria do Oriente (iraniana) com onze mil fiéis, e a Igreja Católica Caldeia com sete mil crentes. Em comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana, temos, além dos dois mil fiéis de rito romano – inseridos na arquidiocese de lspahan (em 2015 tinha três paróquias, três sacerdotes, todos religiosos, oito religiosos leigos, dos quais três irmãos e cinco irmãs, directamente dependente da Congregação para as igrejas Orientais) – 150 membros da Igreja Católica Arménia (um sacerdote e uma paróquia, apenas), também ligada ao mesmo dicastério romano, tal como a Igreja Católica Caldeia, com três arquidioceses (Ahvaz, Teerão e Urmyã) e uma diocese, Salmas. Este último rito, com sete mil fiéis, tinha em 2015 dois seminaristas, além de várias paróquias, missões, sacerdotes e religiosos, de ambos os sexos. Teremos que juntar ainda as igrejas evangélicas, como a Assíria, ou pentecostais, como a Jama’at-e Rabbani, além da Igreja Anglicana do Irão. As fontes indicam para estas últimas igrejas cristãs entre sete a quinze mil membros, embora estes dados sejam de difícil actualização. Fontes norte-americanas indicavam, em 2004, que o todo das igrejas cristãs abarcava à época trezentos mil crentes.
IGREJA CATÓLICA
Quanto à Igreja Católica propriamente dita, algumas fontes anunciam cerca de oito mil fiéis iranianos de todos os ritos, a que se somarmos os católicos estrangeiros residentes por vários motivos no País (trabalho, por exemplo) teremos por volta de 21 mil e 500 crentes. Seis bispos e parcas, treze sacerdotes (diocesanos e religiosos), um diácono permanente, mais oito religiosos e vinte irmãs, em dezoito paróquias, perfazem o clero em trabalho no Irão (fonte: Catholic Hierarchy). As estatísticas são sempre díspares num país onde existe tolerância, mas não deixa de ser problemático para todos os que não são muçulmanos xiitas. Há com efeito uma guetização dos cristãos, em particular dos católicos.
ALGUMAS NOTAS
* 0 número de cristãos é de cerca de cem mil em uma população de 75 milhões. Neste número de cristãos os católicos serão uns oito mil iranianos, contando com os dois mil de rito romano, cinco mil de rito armeno e outras comunidades latinas; se acrescentarmos os imigrantes, que são muitos, o número total andará perto dos 22 mil crentes católicos.
* Os cristãos são vistos como minorias étnicas e, como tais, não é permitido que celebrem os seus ritos em Parsi (língua local), mas sim em Arménio ou Caldeu.
* Mas há mais situações difíceis: muitos católicos têm que dizer muitas vezes aos convertidos para terem cuidado ou mesmo afastarem-se, pois o baptismo de muçulmanos cria problemas para todos. Há liberdade, mas só dentro das igrejas, em todos os ritos. Há tolerância sim, mas sem diálogo ou aproximação. A diáspora iraniana deu também um rude golpe nas comunidades cristãs, pois a maior parte destas viu muitos dos seus partirem, também por motivos religiosos. A pobreza das igrejas, dos clérigos e bispos é uma nota dominante, embora não deixem de sorrir e oferecer doces e bênçãos. Em todos os aspectos o maior tesouro do Irão é o seu povo, sem dúvida, seja muçulmano ou cristão.
* Os cristãos não podem fazer proselitismo, apenas acção pastoral dentro das comunidades. E pensar bem antes de converter… Têm os mesmos direitos, mas não têm a mesma progressão social e profissional. E muitos têm que ter catequese corânica todas as semanas, além de que têm que celebrar eucaristia dominical à sexta-feira, o “dia do Senhor” dos muçulmanos, para não haver problemas…
* Existe culto mariano, dos santos, existe arte e iconografia cristã, existem ordens religiosas como os Salesianos. Os iranianos adoram o interior das igrejas cristãs pela arte, silêncio, contemplação, mas tudo é difícil e complexo. Mas existe fé, há conversões clandestinas, secretas e, acima de tudo, há esperança de mudança…
* Para os cristãos é difícil encontrar trabalhos na Administração Pública. Mesmo directores de colégios cristãos são muçulmanos, mas com uma excepção. Em Ispahan, há três ou quatro anos, quando o Governo nomeou um armênio para o Colégio Armeno. Mas na maioria dos casos os directores das escolas cristãs são muçulmanos. Isso para os poucos colégios cristãos que ficaram após os confiscos de 1979 e 1980.
* A vida para um muçulmano convertido é muito complicada: não pode confessar a sua fé num contexto de uma comunidade e de uma família islâmica. Só é possível se for para o estrangeiro. Dentro do Irão não pode expressar ou mostrar a sua fé porque poderá enfrentar a morte. Não é fácil.
(*) Texto respigado maioritariamente da Internet (artigo de Vítor Teixeira – Universidade Católica Portuguesa) em Junho de 2018, in adminEclesial, e de uma entrevista realizada por Mark Riedemann para “Deus chora na Terra”, um programa semanal produzido pela Catholic Radio and Television Network (CRTN), em parceria com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre (AIS).
ANDRÉ LAGOS
Boa Nova – atualidade missionária