Um mundo mais justo pede uma conversão de todos
O Ano Laudato Si’ trouxe de novo a lume um termo que tem animado boa parte do discurso ecológico do Papa Francisco e da Igreja Católica nos últimos anos, o da necessidade de uma conversão ecológica integral. Mas o que é exactamente esta conversão, que o Papa indica ser tão urgente fazer neste mundo e em cada um dos seus habitantes?
A «solidariedade recíproca e com o mundo que nos rodeia requer uma vontade firme de desenvolver e implementar medidas concretas que favoreçam a dignidade de toda a pessoa nas suas relações humanas, familiares e profissionais, combatendo ao mesmo tempo as causas estruturais da pobreza e empenhando-se por proteger o ambiente natural». As palavras do Papa Francisco no Encontro Internacional EcoOne, a iniciativa ecológica do Movimento dos Focolares, parecem resumir toda a mudança que a Encíclica Laudato Si’ veio trazer há seis anos ao mundo da Igreja.
Quando pensávamos em proteger o ambiente, separar o lixo, conservar os animais, não tínhamos noção de como essas ideias poderiam não ser suficientes para conseguirmos entrar naquilo que é o plano de Deus para a Humanidade e, por conseguinte, para a Terra que habitamos.
D. António Moiteiro, bispo de Aveiro e presidente da Comissão Episcopal da Educação Cristã, explica o que se tornou claro após a publicação da Laudato Si’: «A conversão ecológica integral tem de abranger duas dimensões: o Ser Humano, as pessoas e a sua dignidade; e a obra da Criação, a natureza, os outros seres criados, os animais, as plantas, todo o sistema ecológico que tem de harmonicamente se conjugar em função daquilo para o qual foi criado».
Ora estas duas dimensões assentam numa relação que tem vindo a ser desvirtuada pela sociedade, defende o prelado, em virtude de se procurar retirar Deus do contexto da sociedade em que vivemos. «Na obra da Criação, a relação do Homem com Deus é de inferioridade, pois Deus é criador e nós somos criaturas. A relação de nós, seres humanos, uns com os outros é de igualdade, e temos o relato do Génesis que comprova isso, pois homem e mulher são da mesma carne e do mesmo osso. Em relação aos outros seres criados, o Ser Humano é superior, e eles estão numa relação de inferioridade, porque nós, seres humanos, fomos criados à imagem e semelhança de Deus, e os outros seres não. É no equilíbrio desta tríplice relação que podemos entender o equilíbrio ecológico e esta ecologia integral», explica.
Com a retirada de Deus desta equação, defende o bispo de Aveiro, «o Ser Humano torna-se o centro, e se tudo está em função do Ser Humano, o Ser Humano é tentado a explorar, a seu bel-prazer, todos os outros seres, riquezas, relações que existem». «Isso traz o que estamos a ver, este desequilíbrio ecológico: grandes cataclismos, catástrofes, o derreter do gelo da Antártida, o aquecimento global, as recentes cheias na Alemanha, e eu penso que isto é fruto de uma exploração desenfreada do Ser Humano dos recursos naturais», considera o prelado, que acrescenta que «se colocássemos Deus na economia, nas relações humanas, na justiça social, na solidariedade, penso que o mundo seria melhor».
Mas como é que essa conversão se pode concretizar, na prática do quotidiano na vida das pessoas? Acima de tudo, aponta o presidente da Comissão Episcopal da Educação Cristã, com «educação» para as diferentes dimensões em que esta conversão ecológica integral deve ser concretizada.
É isto que procuram fazer os cerca de mil e 600 alunos do Colégio dos Maristas, em Carcavelos. Vamos ao colégio para conhecer o projecto educativo nas áreas ambientais, e somos levados pelo director do colégio, o professor Félix Lopes, para o espaço da quinta pedagógica. Lá, além da horta e de um espaço com muitos animais, há um alpendre cheio de mesas e um quadro de ardósia. «Aqui as turmas do ensino básico vêm ter aulas uma vez por semana», refere o professor, acrescentando que têm um técnico que trabalha com os professores das diferentes turmas para criar conteúdos que possam ligar as duas áreas.
APRENDER COM A NATUREZA
Como, por exemplo, «aprender matemática com as alfaces que estão a ser plantadas na horta», exemplifica o professor, enquanto indica a um grupo de alunos que, entretanto, se junta a nós no espaço, quais os melhores tomates para poderem apanhar e comer, enquanto outros arrancam as ervas de uma parte da horta. «Mas não só os mais novos, pois até as turmas de secundário, por vezes, vêm ter aulas de filosofia ou outras disciplinas aqui, ao ar livre», conta-nos.
O espaço tem vários talhões, da responsabilidade das turmas, e outros da responsabilidade dos professores que ali cultivam legumes para levarem para casa. Nos talhões da escola, os bens cultivados – aqueles que os alunos não comem ali no local, enquanto trabalham, como pudemos constatar – são colocados à venda e são adquiridos pelos pais e avós e a receita reverte para os projectos sociais que as turmas e o colégio vão desenvolvendo.
Além do aspecto ambiental, a vertente ecológica nas turmas ali do colégio inclui a nomeação de um “ecodelegado” em cada turma, «que tem a preocupação, a nível da turma, que no projecto de turma esteja reflectida esta dimensão, mas também a dimensão do voluntariado, que tem uma dimensão muito abrangente», sublinha o director do colégio.
Incluir esta vertente humana e social numa educação ecológica nem sempre é fácil. «Num primeiro momento não é fácil, porque os órgãos de comunicação social, quando falam de ecologia, só falam dessas coisas. Mas penso que a mensagem tem passado, porque procuramos explicar o que é a dimensão ecossocial. Quando se explica, eles percebem, até porque nós, em termos globais da vida do colégio, tentamos que isso se reflicta. Na linha do refeitório temos lá o selo da Refood, não só por ter, mas para eles saberem que aqueles alimentos, se não os consumirmos todos, há uma partilha daqueles alimentos, e pomo-los a participar no processo», diz, enquanto recorda um momento marcante: «Uma das experiências mais interessantes que tive foi com os cabazes de Natal. A paróquia de Carcavelos tem um grupo nosso que vai entregar os cabazes às famílias, e num dos anos inscrevi-me para ir com dois alunos mais velhos. Fomos no carro e depois no final sugeri que fôssemos tomar um sumo, para falarmos sobre a experiência. Quando perguntei como é que se tinham sentido, a um dos miúdos correu-lhe uma lágrima. “Professor, sabe que eu vivo naquele prédio ao lado onde fomos entregar os cabazes? Eu conheço aquela família, e não sabia que eles tinham dificuldades”… Para aquele miúdo, aquela experiência foi tão tocante, porque foi uma aprendizagem significativa, porque conhecia a pessoa em causa, sentiu-se útil com alguém que conhecia, e esta dimensão é muito importante».
Educar os filhos é, considera, meio caminho andado para que as famílias se convertam a esta ecologia integral. «Da minha experiência, as crianças são o maior motor de mudança nos pais. Falo como pai, tenho dois filhos mais velhos, de mais de 20 anos, e uma de seis anos, e se a professora dela disse que era para fazer determinada coisa ou ter em conta determinado dia, ela lá em casa põe-nos a todos a fazer a actividade que a professora disse que era para fazer. Neste sentido, tenho feedback de alguns pais, e até por vezes em questões mais teóricas, porque ouviram determinado pensamento, determinada frase, eles vão para casa e levam essa mensagem, diria que sim, que esta mensagem está a ter impacto além do colégio, nas famílias dos nossos alunos. Depois, quando os pais vêem as bandeiras que recebemos e vêm perguntar o que são, são símbolos exteriores, mas que permitem passar a mensagem e nos recorda do que temos», sustenta.
São muitos os projectos no âmbito educativo e pastoral que vão surgindo, mas também há muito locais em que essa preocupação não existe. D. António Moiteiro defende que «a campanha que o Papa lançou para o Ano Laudato Si’ pretende mesmo que a nível da Igreja dêmos testemunho no campo da encíclica, e isso é algo que o Papa tomou como iniciativa e nós devemos secundar e colocar nos nossos programas pastorais, de trabalho, de como implementar o plano ecológico, e tudo isso», avisa.
CAIXA
Escolhas difíceis com orçamentos baixos
O dia-a-dia das instituições da Igreja, e não só, nem sempre permite que a transformação energética dos edifícios seja uma realidade. No entanto, D. António Moiteiro considera que «esta urgência obriga-nos a tornarmos, nós próprios, medidas para este equilíbrio ecológico». «Nas nossas instituições da Igreja há muita coisa que podemos fazer: o gasto de energia, da água, a reciclagem, são medidas que as nossas instituições, as nossas famílias, podem ir fazendo, e isso é o contributo que cada um de nós dá para este equilíbrio ecológico. Numa igreja em que se funda uma lâmpada e seja preciso trocar, que se troque por uma de led, por exemplo», exemplificou.
Nos Maristas, em Carcavelos, o pensamento é o mesmo. «Nas nossas próprias obras, nas manutenções, temos como objectivo que os orçamentos que nos são apresentados sejam com os materiais mais sustentáveis, e isto é um desafio para quem lidera, porque normalmente são materiais mais caros [risos]. E se não substituímos 20 janelas, substituímos 15 e vamos fazendo… Não podemos ir nesta lógica se depois entramos na lógica economicista, não pode ser por aí», conclui.