Aqui foi ratificado o Tratado de Tordesilhas
No dia 10 de Outubro abriu ao público, passados vários anos de restauro e outros tantos de abandono, um dos mais importantes e emblemáticos edifícios religiosos de Portugal. Foi ali, no Convento de Jesus, em Setúbal, que em 1494 foi ratificado o Tratado de Tordesilhas, assinado por D. Isabel e D. Fernando, Reis de Castela, Leão e Aragão, e pelo seu filho, o Príncipe D. João. A parte espanhola assinou o documento a 2 de Julho e a parte portuguesa assinou a dita ratificação a 5 de Setembro.
Este é muito provavelmente o tratado mais conhecido dos portugueses, sobre o qual se diz e escreve – de uma forma muito simplória – que dividiu o mundo em dois: metade ficou para Portugal e a outra metade para Espanha. No entanto, foi muito mais do que isso! Hoje sabemos que o Tratado de Tordesilhas resolveu, essencialmente, os conflitos que se seguiram à descoberta do Novo Mundo por Cristóvão Colombo.
Como ensinam os manuais escolares, na época muito pouco se sabia das novas terras, que passaram a ser exploradas por Castela. Para Portugal, o mais importante foi garantir área suficiente para o seu domínio no Atlântico Sul. Havia que assegurar mar necessário e essencial para a manobra náutica então conhecida como “volta do mar”, empregada para evitar as correntes marítimas que empurravam para Norte as embarcações que navegassem junto à costa sudoeste africana, o que permitia dobrar o Cabo da Boa Esperança. Tal conquista deu azo a que os navegadores portugueses se empenhassem na descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, tendo Vasco da Gama efectuado a primeira viagem entre 1497 e 1499.
Foi pois, precisamente, numa das salas do Convento de Jesus que D. João II recebeu a ratificação do famoso tratado, em Setembro de 1494.
O edifício, classificado como Monumento Nacional desde 1910, é um dos marcos do período manuelino em Portugal. O convento foi local de ensaio da arquitectura manuelina, uma espécie de laboratório para o que depois viria a ser usado com toda a mestria no Mosteiro dos Jerónimos, alguns anos mais tarde. Resistiu durante séculos, mas a sua degradação, abandono e desinteresse das autoridades ao longo dos anos, levou ao encerramento há mais de duas décadas.
Depois de um longo período de abandono e várias tentativas frustradas para o recuperar, foram necessários mais de 3,6 milhões de euros e dois anos de obras para que a sua glória original fosse restaurada, estando agora acessível ao público. É nestas instalações históricas que se encontra o acervo do Museu de Setúbal. Claro está que em projectos desta envergadura o tempo é um factor de extrema importância, pelo que ficámos a saber logo à entrada que ainda há muito por fazer. Falta terminar a renovação total do edifício e das estruturas envolventes, o que até já está planeado.
No dia da abertura, a presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Maria das Dores Meira, explicou à Comunicação Social que «as primeiras empreitadas de reabilitação e estabilização do edifício permitiram reabrir o Convento de Jesus em 20 de Junho de 2015, 23 anos após ter sido encerrado. Mas dois anos depois, em 24 de Outubro de 2017, o imóvel fechou outra vez as portas devido ao arranque da segunda fase dos trabalhos, que incluíram a recuperação da zona dos claustros, sala do capítulo, coro alto e espaço envolvente do convento».
Para Maria das Dores Meira, a importância do monumento justifica os seis milhões de euros já investidos na requalificação, que embora não esteja ainda concluída permitiu a reabertura ao público neste mês de Outubro.
«As infraestruturas mais importantes, as águas, os telhados, foi tudo feito na primeira fase. Nesta segunda fase foi feita a reabilitação da sala do capítulo, da ala norte, partes da igreja e todas as arcadas [claustros]», detalhou a autarca.
A zona frontal do convento, para quem se lembra de Setúbal há uns anos, era ocupada por um parque de “skate”, o que desagradava muitos residentes. Devido à intervenção entretanto realizada, o parque de “skate” foi transferido para outro local da cidade e substituído por um jardim. Aliás, de acordo com ilustrações antigas, este jardim não é ideia nova pois já outro teria existido no mesmo lugar. Deste modo, a população e turistas podem usufruir de mais alguns momentos de lazer enquanto visitam o convento.
Nas traseiras do edifício foi totalmente restaurado aquele que é muito provavelmente o “hornaveque” mais impressionante de Portugal. Trata-se de uma fortificação abaluartada, composta por dois meio-baluartes unidos por uma cortina, sendo uma das principais atracções do conjunto arquitectónico do convento setubalense.
Actualmente, mesmo com o edifício aberto todos os dias ao público, irá decorrer mais uma fase de beneficiação, com incidência nas alas norte e nascente. A obra, pelo que se pode ler na nota explicativa fixada no “hall” de entrada, deverá ficar concluída após a construção de um depósito para o espólio arqueológico, pintura e arte sacra do Museu de Setúbal.
Ao longo da sua história, o Convento de Jesus acolheu as freiras de um ramo da Ordem Franciscana e albergou o antigo Hospital do Espírito Santo, depois de ter sido construído em terrenos cedidos à Coroa por um particular. Desde o início da década de 60 do Século XX que serve de sede ao Museu de Setúbal, com diversas colecções artísticas, arqueológicas, históricas e documentais de elevado valor.
A igreja do Convento de Jesus, projectada pelo arquitecto Boitaca, é considerada uma jóia da arquitectura portuguesa. Infelizmente, no dia da nossa visita estava mau tempo e a luz natural não era a melhor. Efectuámos a visita na companhia de uns amigos que moram em Setúbal e nos asseguraram que vale a pena uma visita demorada num dia de muito sol, pois só com toda a luminosidade se pode apreciar o esplendor de toda a arquitectura em pedra alva, que parece brilhar sob os raios de sol.
João Santos Gomes