O Panteísmo – II

Cismas, Reformas e Divisões na Igreja – XCVII

O Panteísmo – II

O ser é em si portador de bem e de mal, logo como pode ser divino? Não será o Panteísmo uma forma camuflada de Teísmo? Estas e outras questões assaltam o ser humano quando se interroga acerca do Panteísmo, dessa presença de Deus em tudo ou do tudo que é Deus. A dúvida e a desorientação parecem dominar os indivíduos quando se deparam com estas interrogações. O ser humano procura alguma segurança em relação ao que acredita, mas parece que quando tudo diviniza fica perdido e sem respostas.

O ser não é divino, como o panteísmo não é uma forma camuflada de teísmo, respondendo de forma objectiva em primeiro lugar. Respondendo de forma geral, podemos começar por referir que o teísmo implica em si a crença numa entidade que é maior e mais antiga que o Universo. Para o panteísmo, esta distinção não existe, esta dualidade, ou a crença em algo superior. Se usarmos a terminologia teísta, podemos afirmar que Deus está no Universo, na mesma medida em que o Universo está em Deus, o que os torna um só. Não se pode considerar o panteísmo como uma forma camuflada de ateísmo, pois tal como o ateísmo e o humanismo, o panteísmo recusa a existência de uma entidade sobrenatural distinta e separada do Universo.

Mas se atentarmos, o ateísmo baseia-se numa negação, da existência de Deus, não apresentando muitos mais argumentos senão este. Por seu turno, o humanismo, na sua confiança total no ser humano, tem procurado estabelecer uma filosofia positiva, mas toda ela tendencialmente centrada no homem e na sua suposta superioridade. Já o panteísmo defende que se deve ir mais além, numa perspectiva pretensamente mais positiva e espiritual em direcção ao Universo e à Natureza.

O PANTEÍSMO É UMA FILOSOFIA DE VIDA OU UMA RELIGIÃO?

A palavra “religião”, de forma simples e concisa, refere-se à crença e fé num ou mais deuses, ao culto que se presta a essa(s) divindade(s). Assim, o panteísmo, à luz dessa ideia de religião, não se pode aí incluir. Mas naturalmente temos que entender a religião num plano mais abrangente, para lá do culto, do ritual ou da mera submissão, ou seja, englobando filosofia, ética e espiritualidade, moral enfim. Nesta asserção, os panteístas consideram que esta sua crença, o panteísmo, é uma religião, ou uma forma desta. Alguns assumem-na de forma plena e total.

Mas claro, a religião hoje em dia é, para muitas pessoas, algo que assume uma conotação negativa, seja por desconhecimento ou ignorância, seja por acidente ou memória trágica, seja por fadiga, ou seja, simplesmente, por confundir a árvore com a floresta, ou vice-versa, quando não por desinformação. O desencanto domina, a vontade de fugir de tudo o que seja religião ou religioso, distanciamento em relação ao espiritual que implique persistência, resiliência e sacrifício, renúncia e despojamento, alteridade e interioridade. As correntes religiosas actuais nem sempre oferecem as melhores respostas ou congregam de forma plena. Por isso, as pessoas ou se afastam delas ou metamorfoseiam-nas com novas formas de religião, ou de crença, ou de recusa. E transformam nesse grande chavão universal ou saco sem fundo que é a expressão “filosofia de vida”. Como fazem muitos com o panteísmo. E tantos “ismos” mais.

E outros “ismos” vão surgindo, confundindo, sobrepondo-se, aglutinando ou pretensamente dando respostas que não são mais que novas perguntas, dúvidas e até enganos. Muitos, por exemplo, confundem panteísmo com panenteísmo. Panteísmo é quando Deus é o Universo na mesma medida em que o Universo é Deus. Já para o panenteísmo Deus comporta em si a totalidade do Universo, tudo o que nele existe, mas não a totalidade de Deus, pois Deus é maior que o Universo. No todo do panteísmo, sobre um algo que é a totalidade de Deus, maior que o Universo. Este Deus panenteísta está próximo do teísmo, tendo também personalidade e vontade própria, preocupando-se de forma especial e carinhosa com o ser humano. Já o conceito de Deus no panteísmo acaba por ser apenas uma mera analogia, quando nos referimos aos atributos e qualificativos de divindade universal.

Uma das conexões que se faz ao panteísmo é com o paganismo. Este último defende, ou acredita, que o divino, ou a(s) divindade(s) – o politeísmo é uma das marcas do paganismo –, se manifesta(m) na Natureza, no Universo no seu todo. Os panteístas afastam-se do paganismo por causa dessa acção e principalmente do facto de ser em múltiplo, politeísmo… Mas muitos pagãos são panteístas, todavia, pois o politeísmo é considerado como uma espécie de metáfora da divindade universal.

Por falar em religião, será que os panteístas crêem na vida após a morte? Ou mesmo na existência de “alma”? Respondem sempre os panteístas que o panteísmo não é feito de dogmas ou de princípios absolutos, além de não terem nenhum livro ou textos, constituições, de carácter sagrado, revelado. Algumas “formas” de panteísmo não rejeitam a crença numa alma que se mantém para além da morte do indivíduo, mas a maioria dos panteístas na actualidade defendem que a mente faz parte do corpo. Este quando morre, dissolve ao mesmo tempo a mente, conceito no qual se pode encaixar a alma. O relativismo é para muitos uma das marcas de definição do panteísmo, que se multiplica em várias correntes e sensibilidades, sem princípios absolutos.

O panteísmo é a opção por um caminho que conduz o ser humano, intimamente, à aceitação da vida tal como ela é de facto, sem mais do que a própria vida e esgotando-se nesta. Os panteístas encaram a natureza de uma forma quase religiosa, mesmo sem o assumirem, enaltecendo o seu poder, imensidão e mistério, toda a sua complexidade e universalidade. Não a vêem como sinal da glória de Deus, ou de deuses, de um criador. O mundo não é apenas uma passagem para outra dimensão, é o zénite do panteísta. Lutar pela Terra e defendê-la é uma forma de luta, de respeito e preocupação em relação a todos os que vivem na natureza, uma forma de “ecologismo”, dir-se-ia. Muitos chegam ao panteísmo precisamente pela via ecologia, mesmo sem saber de onde vêm ou para vão. Os panteístas projectam a sua existência na vida e na Terra, na natureza, no lugar onde estão, o qual é o objecto da sua “veneração”.

Mas, afinal, o que é que torna o panteísmo como uma “heresia”, ou quase, para o Universo de muitas religiões estruturadas, na actualidade? Será o panteísmo um desvio para o ateísmo absoluto, enquanto forma de degradação, ou desvalorização do divino, do transcendente?

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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