O Panteísmo – I
O Panteísmo é a crença de que Deus é tudo e o mundo todo, além de que todo o mundo e tudo é Deus. Pela etimologia da palavra detecta-se um pouco da sua significação: é um termo que provém do grego “pan” (que significa “tudo”) e “theos” (que significa “deus”). Vamos, pois, abordar uma das “heresias” mais condenadas na História da Igreja, principalmente nos tempos recentes. O Panteísmo é, em certa medida, semelhante ao Politeísmo (a crença em muitos deuses), mas vai além deste ao defender que tudo é Deus. Uma árvore é Deus, uma rocha é Deus, um animal é Deus, o céu é Deus, o Sol é Deus, cada um de nós é Deus, Deus é tudo e todas as coisas, qualquer coisa. O Panteísmo é a suposição que está afinal por detrás de muitas religiões instituídas como o Hinduísmo ou o Budismo, mas também de várias seitas ditas de unidade e unificação, como os adoradores da mãe natureza, por exemplo.
Mas vejamos na essência e de forma concisa o que é o panteísmo e a sua história, além de porque é considerado uma “heresia”. Em primeiro lugar, a Bíblia não ensina o panteísmo, ao contrário do que muitos pretendem. O que há é uma confusão entre panteísmo e o conceito, doutrinal, da omnipresença de Deus, que são totalmente distintos. A omnipresença de Deus significa que Ele está presente em todo os lugares, que não há qualquer lugar no Universo onde Deus não esteja presente.
No Salmo 139, 5-8, podemos ler: «Tu me envolves por todo o lado(…) / É uma sabedoria profunda, que não posso compreender(…) / Onde é que eu poderia ocultar-me do Teu espírito?/ Para onde poderia fugir da tua presença?/ Se subir aos céus, Tu lá estás/ se descer ao mundo dos mortos, ali te encontras/ Se voar nas asas da aurora/ ou for morar nos confins do mar/ mesmo aí a tua mão há-de guiar-me(…)».
OMNIPRESENÇA NÃO É PANTEÍSMO!
O que o Salmo nos revela não é o mesmo que panteísmo. Deus está em todo o lado, mas Ele não é tudo. Está “presente” dentro de uma árvore ou de uma pessoa, por exemplo, mas essa presença não torna aquela árvore ou pessoa Deus. O panteísmo não é assim uma crença bíblica nem se pode fundamentar na Bíblia, ou sequer reivindicar tal fundamentação. É mesmo incompatível com a fé em Jesus Cristo como Salvador – João 14,6: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim(…) / E já o conheceis, pois estais a vê-Lo»; Actos 4,12: «E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome, dado aos homens, que nos possa salvar».
O panteísmo é um movimento filosófico-religioso que concebe o Universo na forma de um todo, como correspondente ao princípio teológico de Deus. Como tal, e ao contrário das religiões teístas, não há no panteísmo uma separação entre a matéria que forma o Universo e a força que o faz mover, ambos se prolongam de forma misturada. O panteísmo rejeita a crença numa entidade superior e externa, ou seja, é o próprio Universo que apresenta os atributos de divindade. Esta é a crença central do panteísmo. Mas afinal em que consiste a divindade do Universo? Quando pensamos neste, o imaginamos, aferimos-lhe um poder absoluto, uma beleza única, um mistério quase infinito, algo como que divino, parecendo que apresenta as mesmas qualidades que, tradicionalmente, são atribuídas às divindades (omnipresença, omnipotência, omnisciência). Mas não é uma divindade nem Deus. Os que afirmam que o Universo é como que divino, fazem-no com a mesma convicção e sentimento com que outras pessoas afirmam a sua fé em Deus. Mas essa afirmação da divindade do Universo não é de carácter metafísico ou transcendente. Quando muito, é apenas admiração, encanto, amor e respeito, uma reverência sem transcendência. Não é Deus, portanto.
O panteísmo coloca a ênfase na criação mas com detrimento de um criador. Negam a existência de um criador, o que consideram que resultaria em uma forma de idolatria. Não há, assim, nenhum criador no panteísmo. Os panteístas creem que o Universo se criou e organizou a si próprio, é auto-generador e auto-motriz, sem Deus criador. Por isso, acreditam que se há idolatria é na veneração de um pretenso criador, imaginário, em vez da realidade visível que nos rodeia.
Não faz sentido para os panteístas a existência de um culto, pois este implica que haja uma parte que venera e uma outra que é venerada. Como no panteísmo a “divindade” está ao nível do indivíduo, não há transcendência, logo não há culto. Alguns consideram que os panteístas prestam culto à Natureza, o que é negado por estes últimos. Os panteístas com efeito consideram o Universo e a Natureza como sendo divinos, numa forma de contemplação, embora rejeitem aí qualquer dimensão ou forma de culto ou adoração.
No panteísmo não há dogmas, escrituras sagradas ou hierarquias, pelo que os que o seguem consideram-se donos do seu próprio caminho e da sua existência, com total liberdade de celebrar essa autonomia e crenças também da forma que cada um achar melhor. Cada indivíduo é livre de praticar e idealizar como bem entender quaisquer cerimónias ou rituais que considere, autonomamente, importantes. Mas não são condições do panteísmo, que é despojado de liturgia ou cerimonial. A única forma de celebração comum a todos os panteístas é a contemplação da beleza do Universo e da Natureza, advogam os que o seguem. Defendem os panteístas que festividades ou celebrações são a observação do desabrochar das flores na Primavera, o nascer do Sol, o calor do Verão, o ritmo das estações ao longo do ano, das folhas caídas de Outono aos nevões de Inverno, enquanto formas de prazer e auto-realização do indivíduo.
A beleza é uma manifestação de panteísmo, a beleza natural particularmente. A contemplação desta beleza pode ser fruída através da meditação, forma de se atingir estados de união espiritual com a Natureza e o Universo, num plano de igualdade e sem transcendências metafísicas, antes de comunhão igualitária. Nesta procura do Universo em cada um, em tudo e de Deus em tudo, que é Deus, os panteístas advogam que cada um ao respeitar-se a si próprio, está a respeitar o Universo, e ao respeitar o Universo, está a respeitar-se a si próprio e ao próximo. Esta é, para os panteístas, a melhor forma de celebração e o maior motivo de “festividade”.
Levantámos algumas das características essenciais do panteísmo, de acordo com as questões essenciais. Mas nada é assim tão simples, nem é por isto apenas que um intelectual da craveira de Bento XVI tenha considerado o panteísmo como uma gnose do racionalismo antropoteísta, que pretende divinizar o homem, o tudo. O ser é em si portador de bem e de mal, logo como pode ser divino? Não será o panteísmo uma forma camuflada de teísmo? Tentaremos dar uma resposta na próxima semana.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa