O Anticatolicismo
O anticlericalismo é erroneamente confundido ou agregado a outros conceitos ou ideologias divergentes da Igreja ou da tradição católica. Não é um erro apenas do senso comum, mas de muitos intelectuais, académicos. E a confusão sabemos bem que alimenta o erro e daqui chega-se ao disparate ou à falácia. Depois, vem a moda da politização de tudo e, principalmente, do fenómeno religioso contemporâneo. Da Igreja Católica em particular, vista muitas vezes com a lupa de engrandecimento do erro de análise e, subsequentemente, com a queda na vertigem da interpretação tendenciosa e negativa. Mistura-se muitas vezes o anticlericalismo com o anticatolicismo, ou vice-versa, embora quase sempre sem se saber do que se fala.
Na última edição constatámos que o anticlericalismo não tem uma família política única. Com efeito, poderá adjudicar-se mais a sensibilidades filosóficas e culturais do que a ideologias, que antes o importam ou dele se travestem, quando não o usam como arma ou cartaz para ganhos eleitorais ou de adesão das turbas populares (turbas devido ao fulgor e sanha persecutória de que se animam quando agitadas) para fins que não de debate religioso. Sim, pois não é de religião, na essência que se trata quando se analisa o anticlericalismo. Este pode ser, assim, na matriz ou no objecto ou na linha de acção, liberal, racionalista, como até tolerante, sendo geralmente deísta. Existe ainda o anticlericalismo de tradição galicana e de inspiração jansenista, como também o que aspira à separação entre as Igrejas e o Estado.
No século XIX, essencialmente, evoluíra para outras tipologias, mais ideológicas e conectadas a marcos revolucionários: temos o anticlericalismo socialista ou comunista, marcadamente ateu, o qual considera a religião uma ideologia ilusória. Mas confunde a instituição com a religião, no sentido de perpetrar ataques aos clérigos e instituições, menos ao cerne conceptual. Daqui tornou-se noutro subtipo, o anti-religioso, hasteado como bandeira dos anarquistas e movimentos libertários. No fundo, são todos anti-católicos, na essência, reportando-nos aos mais antigos e à maioria dos mesmos.
Muitos reclamam-no como doutrina ou tradição, alicerçados no esteio do livre-pensamento (que no caso rejeita a liberdade do pensamento religioso…) ou das ideologias comunistas e libertárias, mas acima de tudo evidenciando o contrário da propalada e aclamada unanimidade que defendem em torno do anticlericalismo. Há os “concordatários” e os que são contra concordatas (no caso da França, por exemplo), ou seja, uns toleram a Igreja (galicanos) e até a querem controlar, outros nada de Igreja (jacobinos). De onde brota inflamante o ateísmo e outros movimentos que iremos abordar. No mais, a confusão impera e o que mais emerge neste mar agitado é o anti-catolicismo.
A católico-fobia
Será menos um neologismo do que uma realidade, a católico-fobia. Ou anti-catolicismo, talvez o conceito onde mais se encaixa o anticlericalismo. Em tudo, é essencialmente a discriminação, crítica negativa, hostilidade ou o preconceito contra o Cristianismo de matriz católica, ou à Igreja Católica. E aqui, claro, o anticlericalismo é a face mais visível e propagandeada. Pois a perseguição anticlerical com ele se confunde, mas como uma parte da perseguição aos católicos em geral, no tempo e no espaço. Pode assumir uma orientação religiosa anti-católica, ou seja, provir de outras religiões ou mesmo de outras igrejas ou formas de culto do Cristianismo. Como já sucedeu. E pode ser de Estado, intencional ou deliberado, subtil ou metamorfoseado.
O fenómeno aparece na Época Moderna, no século XVI, principalmente quando a Igreja Católica Romana tudo fazia para conservar o seu tradicional poder religioso e a sua influência na sociedade, desagregados pela Reforma Protestante e a quebra de autoridade papal. O anti-catolicismo nasceu com esta Reforma, que assumia esse “anti” de forma clara e activa, como sucedeu em Inglaterra na implantação do Anglicanismo, e na Irlanda a partir do século XVII com imposição de populações protestantes inglesas e escocesas na Ilha para sobreposição aos irlandeses católicos, entre outras nuances do processo, mais violentas e agressivas, que aqui nos abstemos de recordar, pela crueldade e ferocidade, além do saldo de mortes inusitado. Por outro lado, neste século XVII, deu-se o crescendo de doutrinas humanistas e da ciência, nas bases do que é nos nossos dias, pondo-se em causa Deus e a religião, principalmente a Católica. As guerras religiosas que fustigariam a Europa nessa centúria tinham um forte cunho anti-católico. O novo mapa religioso, cultural e mental europeu foi em grande parte forjado nesse século, logo a semente anti-católica estava fortemente impregnada em várias regiões. A ruptura consumava-se.
A secularização mais tarde fez aumentar o anti-catolicismo, suscitando novos focos de origem do “conceito”, como algumas instituições. A hostilidade contra Roma, o Papa, a Igreja Católica e a sua influência política, social, espiritual, religiosa cresceriam ainda mais a partir da Revolução Francesa.
O anti-catolicismo não se propõe tanto a um combate doutrinal e espiritual, muitos dos seus activistas não conhecem a Igreja e a doutrina católica minimamente, apenas embandeiram por moda ou movidos em massas, ou por revoltas de carácter pessoal e vendetas contra uma infância e educação que de repente se tornava mais “fashionable” criticar ou esquecer. A política e a sociedade fazem o resto, a crise e a invenção de fantasmas acabam por levar ao extremo. Mas porquê? A maior parte dos sequazes não sabe nem quer saber. Não, não é um manifesto nem uma revolta, é uma constatação. Em muitos países existe uma perseguição a minorias católicas. Ou existiu. Ou também contra a maioria católica, como sucedeu na Europa do Sul e na Irlanda. Ou na forma anticlerical, existem ainda hoje formas de anti-catolicismo. Até contra os leigos, não é apenas contra a hierarquia. Em muitos regimes totalitários e ditatoriais, mas também em muitos regimes democráticos e pluralistas, em muitas nações onde a liberdade e a igualdade são apanágios de civilização e bandeira desfraldada ao vento, há ainda desacertos e pormenores anti-católicos.
Falemos de estigmas, não como os de São Francisco de Assis ou de Santa Catarina de Siena, mas de carácter social, político, laboral, porque se é católico. No mundo ocidental, principalmente. Só recentemente em Inglaterra, por exemplo, se reformulou a lei que proibia que um católico pudesse ser soberano do Reino Unido ou que o soberano se pudesse casar com uma pessoa que professasse a religião católica. Ou um Primeiro-Ministro que só pode assumir a sua fé católica depois de te deixado o cargo? Leis com origens antigas, do tempo do anti-catolicismo de Estado. Será que desapareceu? Cremos que não, embora sob outras denominações de origem ou de sociedade.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa