Os Menonitas – I
Estima-se que na actualidade existam mais de um milhão e meio de Menonitas em todo o mundo, estando distribuídos na sua maioria na América Latina (Brasil, México, Argentina, Paraguai, Bolívia, etc.), nos Estados Unidos e no Canadá e, em menor número, em países como a Índia, a República Democrática do Congo (ex-Zaire), Indonésia e Rússia. No seu todo, apesar das observâncias e tendências, constituem-se como um grupo que segue uma vida isolada do resto da sociedade. Autodenominam-se como “irmãos de Cristo”. Não são uma seita, mas talvez uma divisão dentro da reforma, não se devendo confundir com os Amish, de que falaremos brevemente.
Os menonitas são uma corrente, ou ramo, pacifista e trinitário do movimento cristão anabaptista (ver O CLARIM, nesta série “Cismas…”, os números XLIII, de 17 de Novembro de 2017, e XLVIII, de 21 de Dezembro de 2017), que teve origens no século XVI, enquanto expressão radical da Reforma Protestante. Mas a semente já tinha sido lançada mais de três séculos antes.
A origem espiritual dos menonitas é mais antiga que a Reforma Protestante do século XVI. Remonta ao ano de 1117, quando em Lyon (França) um grupo de crentes com intuitos reformadores se reuniu em torno de Pedro Valdo (1140-1205, era um homem muito rico, tendo distribuído toda a sua riqueza pelos pobres), que rejeitava a doutrina do purgatório e enfatizava, pelo ensino e pregação, as doutrinas de Cristo no Novo Testamento. Valdo, que está na origem da Igreja Valdense (1173), mostrou também que o amor era o verdadeiro exemplo do Cristianismo e um meio contra a violência. Valorizava a pobreza, como forma de perfeição e purificação espiritual. A “seita” era conhecida por nomes diferentes, sendo mais conhecidos como “Pobres de Lyon ou Leão” ou, como depois se denominariam, até hoje, como “Valdenses”.
Alexandre III recebeu Valdo em 1179, em Roma, e ouviu as suas posições, mantendo uma certa distância. Mas Lúcio III, em 1184, foi mais longe, excomungando Valdo e os seus seguidores, que fugiram, principalmente para a Alemanha, onde supostamente Valdo morreu em 1205. Embora tenham sido banidos, os valdenses continuaram a transmitir as suas crenças e cultos por gerações. Muitos autores sugerem uma certa continuidade histórica de Pedro Valdo em relação aos princípios dos menonitas, tais como os defendem actualmente, pelo que para muitos também esses pré-reformistas de Lyon são considerados os fundadores originais do menonismo.
UMA REFORMA RADICAL
Em meados do século XV a corrente derivante de Pedro Valdo seria gradualmente dividida em muitos grupos, alguns deles conhecidos como “comunidades silenciosas” ou “comunidades da cruz”, além de outras tendências e designações, todos eles distribuídos por diferentes países da Europa. O dia 31 de Outubro de 1517, o dia em que Martinho Lutero expôs as suas 95 teses na porta da igreja paroquial de Vitemberga, tudo mudaria para as correntes reformistas que já existiam na Cristandade. Surgiram muitos autores e reformadores a incitarem movimentos de renovação cristã. Nesta corrente de reformadores e estudiosos surgiu uma série de estudos sobre a Bíblia, mais ou menos claros ou legítimos, concluindo muitos deles, perseguindo a via reformadora, que se detectavam uma série de falhas no ensino da religião concebido e seguido tradicionalmente pela Igreja, o que suscitou contestações e o agrupamento de reformadores em torno de cada tendência crítica das Sagradas Escrituras, essencialmente contra a forma e interpretação que a Igreja conduzia.
Um desses grupos, liderado pelo reformador suíço Ulrich Zwingli (1484-1531), pregava, por exemplo, o Novo Testamento em desacordo com os reformistas tradicionais, que o acusaram de liderar um movimento radical que incorporava educação e luta social. Por aqui se pode ver logo o viveiro de dissidências e contra-correntes que a Reforma desencadeou. Zwingli, um radical, opôs-se a quase tudo o que era tradicional ou tipicamente católico, descartando todos e qualquer ensinamento ou cerimónia que não tivesse suporte ou fundamento nas Sagradas Escrituras. Senão atente-se: rejeitou missas, jejuns, peregrinações, indulgências, o purgatório, a adoração aos santos, a confissão, o celibato do clero, o monaquismo, o “papismo” e o baptismo infantil. Além de tudo isto, ordenou que se removessem obras de arte, relíquias sagradas, altares, velas e crucifixos nos templos em Zurique, muitas obras acabando até por serem destruídas…
Formou-se então uma aliança militar entre os católicos da Suíça de oposição às reformas de Zwingli e em 1531 rebentou mesmo um conflito armado, que custaria a vida àquele líder reformador, com o seu corpo a ser cortado em pedaços e queimado pelos católicos. Antes, em 1525, um grupo protestante radical liderado por Conrad Grebel, um discípulo de Zwingli, desligara-se do seu mestre por opiniões diferentes acerca do baptismo de crianças, pois considerava, Grebel, que as pessoas deveriam ser baptizadas depois de entenderem e aceitarem a doutrina da Bíblia. Grebel, que não era pastor, baptizou doze dos seus seguidores, incluindo Felix Manz e Georich Blaurock, decidindo depois afastar-se do mundo, vivendo retirado deste, praticando o Evangelho e rendendo-se à fé. Assim nasceram os reformados conhecidos como “Anabaptistas”. Que no fundo são o antecedente imediato dos menonitas. Como os anabaptistas se recusaram a aceitar o conceito de Igreja estatal, ou nacional, reprovando a guerra ou o serviço militar, foram considerados um grupo subversivo e vítimas de perseguição. Apesar do contexto difícil, foram irradiando e vivendo em comunidades isoladas e afastadas do mundo.
Em 1535, na Holanda, um sacerdote católico, ordenado em 1524, estudioso da Bíblia e em particular dos Evangelhos, encontrou uma comunidade de anabaptistas no norte da Alemanha, nas Ilhas Frísias, que o convenceram a encarregar-se da direcção espiritual da sua comunidade, acabando com o tempo por se tornar o seu líder. Foi este antigo sacerdote católico quem estabeleceu o dogma e os princípios de adoração e rito que aquela comunidade, e as que a mimetizaram no futuro, adoptariam. Já agora, o nome do ex-sacerdote era Menno Simonsz. De Menno e da sua comunidade anabaptista nasceriam os menonitas.
Simonsz, contemporâneo de Lutero, abandonou também a Igreja fiel a Roma, renunciando ao seu múnus e estatuto sacerdotal através de um famoso documento enviado ao Papa, inclinando-se gradualmente para uma postura mais radical. A partir de 1537 começou a pregar o baptismo de crentes e a resistência passiva, em vez da guerra. Como os anabaptistas na Suíça, os seus congéneres no território que hoje são os Países Baixos (vulgo Holanda), sofreram também tempos de perseguição. Mas não desapareceram, pelo contrário, enxamearam paulatinamente pelo mundo.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa