O Puritanismo – V
Para muitos, os puritanos ajudaram a construir o Novo Mundo. São inúmeros os que os consideram muito importantes na fundação das bases daquilo em que consiste hoje a América. Não significa que sejam uma maioria, ou que o tivessem alguma vez sido, mas foram sempre influentes na democracia americana, por exemplo. Não significa também que controlem, ou que o tenham feito, a vida na América. Mas tiveram sempre influência na mesma. E não apenas lá…
A importância que é dada à educação no Novo Mundo é por muitos relacionada com o valor que lhe é dado pelos puritanos, pela sua forte crença em poder ler e escrever. Porque consideram as Sagradas Escrituras como fundamentais para a sua fé e projecto de vida. Logo, é importante ler, escrever, saber e interpretar. Daí que muitas das mais antigas escolas americanas tenham sido fundadas pelos puritanos, quase todas em funcionamento e de enorme credibilidade.
Têm desde sempre uma visão marcadamente religiosa da existência, da vida e do mundo, incutindo entre os americanos o conhecimentos sobre Deus e a criação de uma cultura religiosa na população.
Outro aspecto marcante da sua influência é a ética de trabalho puritana, que continua a ser um modelo da própria ética de trabalho americana, tendo-se tornado também importante na definição da matriz do idealismo americano. Os hábitos de trabalho dos americanos de hoje reflectem, sem dúvida, a chamada ética de trabalho protestante, mas de cariz puritano. Esta ética e espírito de labor e de progresso da comunidade, baseia-se, e acaba por a incitar ao mesmo tempo, na auto-confiança, que se tornou numa das mais marcantes características do povo americano, a par da sua mentalidade e atitude capitalistas.
EDUCAÇÃO, PROGRESSO, CONFIANÇA
“Para a maioria dos americanos, as conquistas materiais são a marca do sucesso de alguém, as manifestações de seus valores pessoais e o símbolo da independência de qualquer um”, apregoam os puritanos, não deixando de dar o exemplo. Para muitos, dizíamos, este é o espírito puritano, como esta é a matriz da América de sucesso, porque é o motor do seu progresso. E a educação tem prioridade no modelo puritano. Porque confere e estrutura confiança no indivíduo, que não é mais do que a parte de um todo que é a comunidade.
Antes de tudo e em primeiro lugar, está a Bíblia. Que é o tema central da educação. E é também de quase tudo… Todos devem ser capazes de ler e interpretar a Bíblia.
Deve-se também aos puritanos o facto de, pela primeira vez na história americana, a escola ter sido instituída gratuitamente para todas as crianças. Porque a formação cristã é o cerne da educação. E nos demais graus de ensino, da Primária à Universidade, existiu sempre um forte incremento, bem como investimento, dos puritanos. Bastaria aqui recordar que a mais prestigiosa universidade americana, provavelmente do mundo inteiro, foi por eles fundada em 1636: Harvard College, a base da instituição actual.
HÁ AINDA INFLUÊNCIA DO PURITANISMO HOJE?
Embora as ideias puritanas de auto-governo, educação, religião e auto-confiança tenham vindo a sofrer modificações desde o século XVII, as mesmas não deixaram de influenciar e ajudar a moldar a cultura americana de todos os tempos, e mesmo de maneira positiva.
Muitos falam de uma “teocracia” puritana, fundada a partir da comunidade do “Mayflower”, nos anos 20 do século XVII. Pode parecer exagerado, mas dentro de cada comunidade não deixava de se sentir um pouco esse modelo de governação. Esta “teocracia” puritana teve impacto na definição da democracia americana no sentido da sua afirmação de que “as leis justas e iguais para o bem geral da colónia” não seriam feitas por uma regra da maioria, mas antes por um grupo de líderes eleitos pela comunidade. Eis aí a base do conceito americano de soberania popular que ainda existe hoje em dia.
Os puritanos foram os primeiros a eleger os seus próprios líderes e a estabelecer a instituição democrática, o conselho da cidade, areópago de reunião dos eleitos. O conceito de auto-governo tem aí o seu estribo.
Os puritanos procuraram, todavia, desde sempre, ter o maior cuidado para manter a instituição religiosa e o Estado separados, a fim de criar uma comunidade eficiente e de progresso. Mas nem sempre foi fácil. Defenderam sempre a liberdade e a existência de pluralidade de ideias e ideais, diferentes portanto, mas os resultados nem sempre corresponderam ao que se almejava. Recorde-se que o direito de voto e a igualdade perante a lei foram sempre também ideias dos puritanos na América.
A auto-confiança e a ética no trabalho, como o auto-governo são hoje reconhecidos como legados puritanos importantes, no toda da sua influência na América. Muitos historiadores não entendem este país sem os puritanos nas suas raízes. E muitas das marcas desses tempos perduram ainda hoje, defendem outros, principalmente nas comunidades mais isoladas e tradicionais.
Os puritanos tinham, de facto, uma maneira muito estrita de viver, baseada no rigor e no zelo absolutos e inalteráveis. Ninguém deveria questionar aquilo em que eles acreditavam ou o que eles faziam para alcançar a Salvação. Foram sempre intransigentes na defesa dos seus preceitos, mas mais no seu cumprimento. Não se podia dançar, ler ficção ou matérias não religiosas, fazer drama ou comédia, bem como cantar ou fazer festas públicas, porque tudo isso era considerado “gozo de prazer”, demoníaco e pecaminoso. Apelava-se à contenção e ao “low profile” total. Os que saíssem da norma ou da conduta definida pelo conselho da comunidade eram julgados e punidos severamente.
Assim se fez a América puritana, muitos nela ficaram, adaptaram-se ou mitigaram a sua forma de vida, muitos afastaram-se ou refundaram, renovaram ou criaram novos ideais religiosos. Mas o Puritanismo ficou e movimenta-se, influencia e actua, com ou sem bruxas de Salem, com ou sem “caça às bruxas”, as marcas não desapareceram….
Vítor Teixeira