CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXIX

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O Sionismo Cristão – IV

O Sionismo Cristão parece quase nem existir como movimento organizado, institucionalmente. Na realidade, actua mais do que existe. Na forma de um “lobby”, poderíamos dizer. Estar de acordo com o Sionismo Cristão pode significar para muitos uma conexão com uma “sociedade secreta”, ou “secretismos”. Todavia, estar contra pode valer uma acusação de anti-semitismo, o que não é propriamente razoável.

Um dos maiores críticos do Sionismo Cristão é um antigo pastor anglicano inglês, de seu nome Stephen Sizer, que dedicou a sua tese de doutoramento (2004) ao tema e que lhe valeu medidas disciplinares da Igreja Anglicana, por via das acusações de anti-semitismo que lhe têm movido várias instituições religiosas e sectores da sociedade britânica.

Pertencendo hoje a um sector conservador e reformista anglicano, Sizer está em ruptura com a sua igreja, devido à sua não auto-culpabilização em relação às suas manifestações anti-semitas “online”, em vários “websites”. O autor e seus seguidores são críticos do Sionismo Cristão, mas é importante referir que o problema não está nessa crítica, mas sim no anti-semitismo que evidenciam nas suas posições.

OS FUNDAMENTOS DO SIONISMO CRISTÃO

O Sionismo Cristão baseia-se em sete fundamentos, que o definem, segundo apontou Sizer. Em primeiro lugar, defende uma hermenêutica literal, ou seja, uma leitura das fontes bíblicas directa e sem acomodação ou contextualização. Os judeus continuam a ser o povo escolhido de Deus, tendo por isso, em terceiro lugar, um direito divino sobre uma terra no Médio Oriente. Em quarto lugar, considera-se Jerusalém como a capital exclusiva dos judeus, retirando-se qualquer hipótese de pretensão a esse estatuto por parte de outros credos, em especial os muçulmanos. Estes, a que alguns sionistas denominam, erroneamente, como “árabes”, são considerados inimigos do povo de Deus, dos judeus. Em sexto lugar, no quadro do primado judaico da Cidade Santa de Jerusalém, os sionistas cristãos advogam a reconstrução do Templo, o terceiro e último. O último fundamento é o que se liga ao fim do mundo, que recordam os sionistas que chegará em breve na grande batalha do Armagedão, a grande batalha suprema e final entre o Bem e o Mal, na qual os cristãos que apoiam Israel sobreviverão. Em suma, são estes os postulados do Sionismo Cristão na sua forma contemporânea, apontados por Sizer, que no entanto os canalizou para uma via mais crítica em relação aos judeus.

As acusações de anti-semitismo contra Sizer provêm da sua análise do movimento em relação ao postulado que todos os sionistas defendem como legitimação do Estado de Israel na Terra Prometida. Para aquele autor britânico, não existe compaixão e piedade por parte dos sionistas (cristãos também) em relação aos palestinianos, bem como há uma falta de preocupação ou até compreensão para com os Direitos Humanos e as suas aspirações legítimas. Para os sionistas cristãos, só existe Israel e os judeus, o que Sizer critica, sendo por isso acusado de anti-semitismo.

Há no movimento toda uma atitude negativa em relação aos palestinianos e aos árabes em geral, atingindo-se o ponto do racismo. Os sionistas, referem os seus críticos, concedem um apoio acrítico a Israel (um Estado secular), justificando todas as suas acções contra os palestinianos. Estas são as principais acusações aos sionistas por parte dos que os atacam. Sizer, é também um crítico do movimento, mas ao mesmo tempo, acusam, um anti-semita, ou pelo menos, anti-judeu, por estar contra todo o apoio e legitimação de Israel. Os sionistas, com efeito, recorde-se, proclamam que todas as acções executadas por Israel são orquestradas por Deus e devem ser perdoadas, apoiadas e até exaltadas por todos, mas o mundo não se pode esquecer que serão os judeus a liderar o processo, pois isso resultará na bênção divina sobre o mundo inteiro, na medida em que os países reconhecem e respondem ao que Deus trabalha em e através de Israel. Isto defende o movimento sionista cristão. E aqui entre a crítica de Sizer.

É um pouco confuso. A crítica ao movimento, em que entra Sizer, mistura-se com a crítica a esse mesmo crítico, a partir da qual se extraem acusações como a que vimos. Os críticos de Sizer não são todos sionistas, atenção, antes dirigem a sua acusação no sentido do anti-semitismo do antigo vigário anglicano, que acusam de preconceitos e visões deturpadas contra os judeus.

Há que recordar que o Sionismo Cristão tem uma história importante na Grã-Bretanha, onde se consolidou, estando ao mesmo associadas figuras influentes como Lord Shaftesbury (1801-1885, influente político britânico da era victoriana), Lord Arthur Balfour (Primeiro-Ministro do País entre 1902 e 1905) e Lloyd George (idem, 1916-1922), ambos determinantes na criação do protectorado britânico na Palestina, antecâmara do futuro Estado de Israel. A própria rainha Vitória, recorde-se, assumiu mesmo o título de Protectora dos Judeus. Balfour, por exemplo, trabalhou em estreita colaboração com o líder sionista Chaim Weizmann (que se tornaria o primeiro Presidente do Estado de Israel, 1949-1951) na lavra do documento que seria conhecido como a “Declaração Balfour” (191), texto que apoiava de forma decisiva as reivindicações sionistas. Considerada como a primeira grande declaração de apoio ao Sionismo por uma potência mundial, o texto da declaração referia que o “governo de Sua Majestade contempla favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um Lar Nacional para o povo judeu, e envidará os seus melhores esforços para facilitar a consecução desse objectivo, deixando claro que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não-judias já existentes na Palestina”. Em suma, acabava-se por privilegiar os direitos dos judeus sobre os dos palestinianos.

Para muitos estudiosos do Sionismo Cristão, pode-se vislumbrar de forma clara neste processo histórico a forte influência do movimento e a sua actuação nas cúpulas dos Estados mais poderosos do mundo, como era o caso da Grã-Bretanha há cem anos. O movimento tinha ali também um forte carácter religioso, radicando na Reforma Protestante, na qual a Bíblia foi ensinada em um contexto histórico de acordo com a época, visível principalmente no significado literal que se lhe dava. A escatologia puritana inglesa passou para as Américas, onde se tornaria dominante no protestantismo americano, e já no final do século XVII (em teólogos como Jonathan Edwards ou Cotton Mathers) assumiu um carácter pós-milenarista, pelo qual se ensinava que a conversão dos judeus traria uma bênção futura para toda a Humanidade. O mais teólogo da transição do movimento para a América – e para o mundo – foi porém John Nelson Darby, anglo-irlandês (1801-1882), que defendeu a ideia de um Israel renascido como a pedra angular da sua teologia.

O movimento continua presente na Europa, com destaque para Inglaterra, Escandinávia e Holanda, mas é mais influente nos Estados Unidos, como força política.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

 

 

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