A Teologia da Prosperidade – II
«(…)porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem ser-lhe-á tirado. Ao servo inútil, porém, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá o choro e o ranger de dentes» (Mateus 25,14-30). É esta parábola, chamada dos Talentos, contada em dois Evangelhos canónico, São Mateus (25) e São Lucas (19), que serve de estribo e fundamento à Teologia da Prosperidade.
Os cristãos têm direito ao bem-estar, ao conforto e à felicidade material, de acordo com a Teologia da Prosperidade. A realidade física é inseparável da realidade espiritual, são até uma só realidade, a qual este movimento vê como saúde física e prosperidade económica. Por isso, os seus teólogos e depois o pregadores, focados no chamado “personal empowerment”, tudo fazem para que os seus fiéis tenham uma visão positiva tanto do espírito como do corpo, ou do espiritual e do material ou físico.
Se foram feitos à imagem de Deus, como reza o livro do Génesis, na Criação do mundo, então os crentes terão recebido poderes, capacidades, para se avantajarem e serem melhores, com maior sucesso. Através da Confissão, dizem os pregadores, os crentes conseguem ter um maior domínio sobre a sua dimensão espiritual e material, promovendo esse mesmo “empowerment”. A expiação é o passo seguinte, dir-se-ia, algo que é uma fonte de alívio dos aspectos negativos de cada crente: doenças, pobreza, problemas espirituais, questões de fé. As boas acções e o incremento da fé servem, por exemplo, para aliviar a pobreza e as doenças, mas a panaceia, no entanto, para as inquietações espirituais e dúvidas, não é tão clara e bem definida pelos teólogos. As boas acções passam muitas vezes por uma dádiva, ou partilha de bens pecuniários, ou materiais… Mas alguns teólogos têm uma visão mais moderada, equilibrada ou produtiva, ou seja, vêem a prosperidade como um todo, como uma forma de combater a pobreza. Mais do que uma Teologia da Prosperidade, vêem uma “teologia da vida abundante”.
A RIQUEZA, BÊNÇÃO DE DEUS…
A riqueza é uma bênção de Deus, na interpretação da Teologia da Prosperidade. Por meio da lei espiritual da confissão positiva, da visualização e do dízimo, ela chega aos que nela acreditam. Kenneth Copeland, autor e tele-evangelista americano ligado à Teologia da Prosperidade, argumenta que esta é regida por leis, enquanto outros pregadores definem o processo como algo baseado na aplicação de fórmulas, mas em todos há como uma concepção mecânica. A prosperidade, defendem alguns teólogos, deve ser encarada como um contrato inviolável entre Deus e a humanidade.
Como a Bíblia é também um contrato de fé entre Deus e os fiéis, onde se promete a prosperidade aos que a seguirem. Por isso, a confissão positiva fundamenta-se também nas Escrituras, onde Deus é definido como fiel e justo, compassivo e bom, por isso os fiéis deverão cumprir a sua parte do contrato para que as promessas dEle se cumpram e a justiça da prosperidade recaia sobre os homens. É na confissão positiva que se pode “cobrar”, reivindicar, exigir a Deus, falando tão somente. Falando sobre aquilo que Deus já revelara, com fé. Esta, pela Confissão, torna-se real, positiva. Esta é um estímulo aos crentes para fazerem declarações sobre o que lhes corre mal, que pretendam superar ou melhorar. Reveladas com fé, podem ser alteradas miraculosamente, acredita-se neste movimento, que incute uma ideia de optimismo nos crentes e na possibilidade de poderem superar todos os limites.
As promessas de Deus, de acordo com os pregadores e baseados em interpretações não tradicionais, visam essencialmente a riqueza material, ou interpretam focados nessa perspectiva. E quase sempre apoiam-se no livro de Malaquias e naquilo que entendem serem alusões à riqueza, à prosperidade.
«Pagai integralmente os dízimos ao tesouro do templo, para que haja alimento em minha casa. Ponde-me à prova – diz o Senhor do Universo – e vereis se não vos abro os reservatórios do céu e não espalho em vosso favor a bênção em abundância» (Malaquias, 3,10). Um livro tão pequeno, talvez o mais pequeno, que encerra a secção do Antigo Testamento, mas afinal tão cheio de fundamentos para uma doutrina da prosperidade ou a legitimação da riqueza, segundo as Sagradas Escrituras. «Eu vim para que eles tenham vida e a tenham em abundância», complementam os pregadores com São João (10,10), a que adicionam a parábola dos Talentos; depois novamente São João (III; 2): «Amado, peço a Deus que prosperes em tudo e tenhas saúde, assim como tua alma prospere»; e por último Filipenses (4,19): «Meu Deus suprirá todas as vossas necessidades conforme as suas riquezas na glória em Cristo Jesus», e eis que temos o conjunto de excertos e alusões bíblicas para a fundamentação da doutrina da prosperidade. Note-se em III João, 2, a complementaridade da prosperidade material e da alma, da complementaridade do material e do espiritual. Mas não ficam por aqui, pois rematam com São Marcos (10,29-30): «Em verdade vos digo, que quem deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou campos por minha causa e por causa do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, no tempo presente, em casas, e irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, juntamente com perseguições, e, no tempo futuro, a vida eterna». É difícil não colar aqui uma base teológica para a doutrina da prosperidade, que embora exista e não seja proibida no sentido da edificação e da justiça, não pode servir de fundamentação para riqueza e extorsão ou abuso dos que a apregoam com base nestes textos.
Com efeito, as igrejas seguidoras desta doutrina colocam grande ênfase na importância do dízimo, a partir daquela sustentação. Desta forma, as sessões de culto incluem normalmente dois sermões, um voltado para as doações e para a doutrina da prosperidade, sempre esmaltado de referências bíblicas ao dízimo; o segundo ocorre depois das doações, quase de forma laudatória e de enaltecimento da obra pia que estas constituem e do seu carácter salvífico. Todo o dinheiro ou dádivas materiais colectados entre os dois sermões merece da parte dos pregadores ou líderes uma bênção, durante o processo de oferenda. Chegam alguns ao ponto de solicitarem a elevação do dinheiro ou valores acima da cabeça do ofertante para efeitos da bênção, de forma a que esta seja efectiva e plena. Mas não anónima, todavia… Tudo acompanhado de orações próprias, naturalmente.
A pobreza aqui não é uma via de perfeição, de vivência do Evangelho e de melhoramento espiritual, é vista como uma barreira à vida cristã. Mas se algumas são acusadas de manipular os pobres, ou mesmo afastá-los do movimento, porque nada têm para doar, outras são reconhecidas como promotoras de programas de assistência social e combate à pobreza. Mas as que se envolvem em escândalos motivados pelo dízimo e acumulação pouco cristã de fundos e respectivos sinais de riqueza são as que mais se destacam, mas não de forma positiva.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa