Os Amish – I
Depois de nos determos em torno dos Menonitas, também Anabaptistas, vamos recordar aqui mais um grupo religioso com a mesma origem, conhecido como os Amish. Quase todos terão visto o filme “A Testemunha” (Witness), de Peter Weir, de 1985, com Harrison Ford como protagonista. Muitos conheceram os Amish a partir do filme, alguns procuraram conhecer, mas o mistério persiste em torno deste grupo Anabaptista. Menos numeroso que os Menonitas, é porém mais conhecido na cultura popular, mas também permanece envolto numa aura de enigma.
Antes de mais, recordemos que os anabaptistas, movimento de reforma mais radical, surgido na Suíça a partir de 1525 (embora com antecedentes medievais), acreditam que o Baptismo só é válido quando os candidatos ao mesmo confessam e assumem a sua fé em Cristo e perante essa crença querem, por isso, ser baptizados. Defendem que as crianças não têm consciência do valor e importância do Baptismo, pelo que o têm que o receber (ou mesmo receber novamente, ou confirmar), mais tarde, na adolescência (em média, depois dos 15-16 anos).
Dos primeiros anabaptistas, os que confirmaram a Confissão de Schleitheim, na Suíça, em 1527, a mais importante declaração de princípios do movimento, descendem os menonitas, os amish e os huteritas. Mais tardiamente, surgirão outros grupos, como os bruderhöfer (ou bruderhof, “Lugar dos Irmãos”), os schwarzenau brethren (ou “baptistas alemães”, dunkers, “Igreja dos Irmãos”, etc.) e a Igreja Cristã Apostólica (“Apostolic Christian Church”). Ao todo, existem mais de quatro milhões de anabaptistas na actualidade, com crescimento acentuado nas comunidades mais antigas, como os amish. Refira-se que em muitos casos não temos registos estatísticos das crianças, ou dos indivíduos antes de se baptizarem, pelo que as cifras podem ser um pouco superiores.
A HISTÓRIA DOS AMISH
O termo “Amish” foi primeiramente usado como um schandename, ou maldição, desgraça, de má significação. Apareceu em 1710 e o “baptismo” foi dado pelos oponentes do “fundador” dos amish, Jakob Amman (1656-1730). Amman era um líder menonita – termo, como vimos, que deriva do nome do antigo sacerdote católico holandês Menno Simons (1496-1561), convertido ao anabaptismo – da Alsácia (actualmente na França), que criticava os seus correligionários da Suíça e do vale do Reno por estarem a afastar-se se afastando dos ideais e ensinamentos do fundador. O movimento amish, distanciou-se dos menonitas a partir de 1693, tendo por isso sido “condenados” à desgraça, daí recebendo o termo que, sem ressentimentos, mantêm até hoje. As divisões entre os anabaptistas suíços remontavam ao século XVII, entre oberländers (que viviam nas montanhas, mais zelosos e rigorosos, talvez porque mais isolados) e os do vale de Emmental (ou emmentaler), ou das terras baixas, mais “brandos”.
O anabaptismo suíço dividiu-se, a partir de Seiscentos, em duas correntes paralelas, cada vez mais discordantes e afastadas. Os emmentaler (ou reistianos, porque seguidores do bispo Hans Reist) argumentavam que aos crentes “caídos em desgraça” só se lhes deveria ser recusado participar na comunhão, mas não das refeições normais, por exemplo. Os amish, neste caso os seguidores de Amman, argumentavam que aqueles que haviam sido banidos, ou caídos em desgraça, deveriam ser evitados, excluídos, também das refeições comuns. A facção emmentaler, ou reistiana, acabaria por formar a base da Conferência Menonita Suíça. Devido a esta herança comum, os amish e menonitas do Sul da Alemanha e Suíça mantêm ainda hoje várias semelhanças.
Importante será recordar que Reist era um pregador talentoso que desempenhou uma grande influência entre os seus seguidores na Suíça, Alsácia e no Sul da Alemanha, embora não tenha deixado escritos ou formulado alguma corrente teológica. Ficou mais famoso por liderar um grupo que se opôs a Jakob Amman. Com efeito, deu-se o caso de que em Julho, ou Agosto, de 1693, fora convocada uma reunião de todos os anciãos e ministros suíços, líderes anabaptistas, portanto, para que explicassem e clarificassem as suas diferenças em termos de crenças. Hans Reist decidiu não comparecer à reunião, apesar de vários apelos, dado o seu prestígio e aura popular, mas explicou por escrito as razões pelas quais refutava as opiniões de Jacob Amman. O impasse manteve-se, adensou-se, alimentando ainda mais as fracturas. Nenhuma solução para as diferenças foi encontrada, cavando-se a separação entre os menonitas confederados suíços e o grupo de Amman, os amish. Talvez o que mais distingue ainda hoje os dois grupos, seja o facto de que os amish não usem botões, que consideram indispensáveis e inúteis (usam uma espécie colchetes, com presilhas e gancho), enquanto os seguidores de Reist, usam botões…
De qualquer modo, Amman exigia a clarificação de três pontos, naquela reunião de 1693. Em primeiro lugar, queria clareza em relação à renegação e afastamento daqueles que foram banidos; pretendia saber também se os mentirosos devem ser excomungados; e em terceiro lugar, se as pessoas que não sigam as palavras de Deus poderiam ser salvas. Esta terceira dúvida aludia aos que não eram anabaptistas, mas eram seus amigos, simpatizavam com eles ou até os ajudavam materialmente, ou, principalmente, mal algum lhes faziam ou queriam fazer. Eram os que tinham “bom coração”, que os ajudavam nos tempos de perseguição, mas que não acabavam por dar o passo do rebaptismo, ou seja, tornarem-se anabaptistas. Amman não recebeu clarificação alguma em concreto, tomando as suas conclusões. Ele, tal como os seus discípulos, eram os que consideravam que essas pessoas ditas de “bom coração” não deveriam ser encaradas e consideradas como “salváveis”, dignas da salvação, excepto se assumissem a “cruz” como eles (os que seguiam a Amman) e se tornassem seguidores de Cristo através do rebaptismo, além do dever de obediência aos seus ensinamentos. Logo, não poderiam ser anabaptistas, eram pois “insalváveis”.
Estas questões eram fulcrais para Amman, a par de uma outra, que não foi elencada como essencial nem gerou tanta polémica, quer era a do “lava-pés”, associado ao ênfase que os anabaptistas dão à Última Ceia do Senhor. Outras questões surgiriam, com elas a divisão, como foram a frequência da Comunhão e de como deveria ser conduzida a disciplina da Igreja, além das divisões sobre regulamentos mais rígidos sobre estilos de roupas, adereços e barba. Muitos, todavia, consideram a primeira questão, a consideração quanto aos banidos, como a única, ou principal, causa do cisma. Porque era um cisma, de facto, no universo anabaptista, o que está na origem dos amish, a partir dos começos do século XVIII.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa