Os Amish – IV
Um dos símbolos da cultura e identidade dos Amish passa pela sua língua, como aqui vimos. De repente, a alguns quilómetros de Filadélfia, um dos berços da nação americana, por entre pastagens e tufos de bosques, no verde que domina as planícies que se estendem até tocar no céu, subitamente encontramos nichos de vida como que estanques numa cápsula de tempo, falando outra língua que não o Inglês, vestindo de forma curiosa, antiga e sóbria, por entre barbas nos homens e toucados e longos vestidos nas mulheres, crianças, enfim, todo um quadro de matizes, formas e materiais que já não fazem parte do nosso quotidiano.
Mas subsistem! São os amish! Com o seu “Alemão da Pensilvânia”, ou como lhe quiserem chamar, “Deutchs” ou “Dutch”. A língua dos amish, como qualquer língua, não é apenas um meio de comunicação. É também importante, neste caso, num sentido simbólico. Como o vestuário, as barbas e cabelos apanhados, os chapéus, o igualitarismo no vestir, os cavalos, as atrelagens e carroças típicas, um conjunto de formas simbólicas que são marcas identitárias dos amish, definindo-as em contraste com o mundo exterior. Por isso, a preservação da “língua alemã da Pensilvânia” é importante para os amish, é um vínculo e parte do sentimento de pertença. Não é à toa que em certas comunidades exista uma crescente preocupação quanto ao desuso cada vez maior do “Alemão dos amish” em detrimento do Inglês. Com a língua, abrem-se novos horizontes e novas formas, novos hábitos, há como que uma “contaminação” dos usos e costumes seculares da “ordnung” amish.
A SOCIEDADE AMISH
Onde e como habitam os amish? Tendo a agricultura como o centro das suas vidas e com praticamente toda a população a dedicar-se a essa actividade, a generalidade dos amish vive em quintas, senão a totalidade. As famílias numerosas fazem com que a população cresça, o que faz com que os amish, para evitarem também a influência da sociedade moderna, estejam sempre à procura de novas terras longe das áreas urbanas, além de que necessitam de novas propriedades em virtude dos casamentos e das famílias daí resultantes, que criam, na sua maioria, novas quintas com novas infra-estruturas. As propriedades dos amish são normalmente de média dimensão, podendo até serem latifúndios, explorados por uma só família, com trabalho braçal normalmente. Existe também trabalho comunitário, uma das marcas identitárias da sociedade amish, para se erigirem celeiros, cercas, ou outras infra-estruturas agrárias, sendo uma forma de sociabilização e até de festividade. Assim se expandiram da Pensilvânia para Indiana, depois para Ohio e para outros Estados dos EUA e também para o Canadá. Nos Estados Unidos, Ohio tem a maior população amish, seguida pela Pensilvânia e Indiana. Já falámos em números, mas as estatísticas falam em cerce de trezentos mil na América do Norte, onde são um dos grupos “étnicos” com maior taxa de crescimento populacional.
Com efeito, de acordo com o “Young Center for Anabaptist and Pietist Studies”, sediado no Elizabethtown College, em Lancaster, Pensilvânia, o coração dos amish nos Estados Unidos, a sua população aumentou de cerca de cinco mil em 1920 para os quase trezentos mil actualmente. E grande parte deste crescimento ocorreu nas últimas três décadas. O mesmo centro estima que existiam apenas 84 mil amish em 1984, na época do filme “A Testemunha” (com Harrison Ford), o que significa que a população mais que triplicou desde então. A explosão demográfica deve-se basicamente à crença na virtude cristã das famílias numerosas, vistas como uma bênção de Deus. O grande número de crianças também fornece mão-de-obra para os empreendimentos agro-pecuários dos amish, sempre que a escola o permita. Depois de acabarem a escolaridade básica prevista pela “ordnung”, os jovens amish perpetuam a tradição da família, dos ancestrais: são agricultores. A agricultura é o centro e a base da vida profissional dos amish.
Mas a realidade têm mudado um pouco no que toca ao trabalho. A agricultura é o coração da vida amish, mas desde finais do século XX que, recorda o referido centro de estudos, um número crescente de pessoas tem-se envolvido em empreendimentos comerciais, principalmente na carpintaria e na venda de produtos agrícolas, além de equipamentos ou ferramentas para… a agricultura! Um segmento novo é o da formação de equipas de trabalho de construção de casas e outros edifícios para “ingleses” (não-amish), existindo já alguns casos de amish a trabalhar em fábricas ou oficinas pertencentes a “ingleses”, como acontece em Indiana, por exemplo, em fábricas de veículos recreativos. Mas não deixam de ser amish, recorde-se, e de ter sempre um vínculo à agricultura, que se “confunde” com a família.
Estes amish que começaram a trabalhar para “ingleses”, ou no comércio, têm que, naturalmente, pagar impostos sobre os seus ganhos, iguais aos seus colegas ou congéneres. Como é trabalho legal, obviamente que a tributação tem que existir. Impostos sobre rendimentos, propriedade, transações comerciais, sobre bens, empresas ou escolares, são pagos por estes amish que não vivem a tempo inteiro nas suas propriedades. Alguns dizem mesmo que pagam impostos duas vezes, para o ensino público e para o seu ensino privado, ou amish, pois é só para alunos amish.
Os amish têm isenção de contribuição para a Segurança Social, desde 1965, por decreto do Congresso dos Estados Unidos. Para os amish, essa contribuição configura-se como um tipo de seguro comercial, o que não é bem visto por eles. Com efeito, os amish têm a sua própria entreajuda, na necessidade e na velhice, na incapacidade: todos se ajudam e cuidam das necessidades físicas e materiais uns dos outros, através das igrejas ou no seio das famílias. Os amish também estão isentos do serviço militar devido à sua crença na “não resistência”, um termo que preferem ao de “pacifismo”. É um estatuto ainda mais forte do que a objecção de consciência, que tem sido respeitado pelos Estados Unidos. Essa “não resistência” não se aplica apenas à guerra, mas também à aplicação da lei, à política e a acções legais. Ou seja, se deixados em paz e nas suas comunidades, no seu trabalho e nas suas obrigações, não é necessário mais nada para os amish.
Mas muito mais há que define este grupo anabaptista estabelecido nos Estados Unidos, e não só, singular e tão peculiar como poucos grupos etno-religiosos no mundo. Será que algum amish irá ler a edição em Inglês d’O CLARIM? Vamos esperar pela próxima semana para aquilatarmos acerca dessa possibilidade….
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa