CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXCVIII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXCVIII

Os Mórmons – X

Os Mórmons são cristãos? Com esta pergunta fechámos o artigo anterior. Podemos dizer que são, mesmo perante as interrogações de muitas outras denominações cristãs, historiadores e especialistas em estudos religiosos. Como Jesus Cristo é uma figura central na sua Teologia, os membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias também se consideram, por isso, cristãos. Embora seja verdade que a igreja só recentemente colocou maior ênfase no seu Cristianismo do que anteriormente, desde a época em que a igreja foi organizada em 1830, os seus membros, no entanto, sempre se consideraram cristãos.

A denominação “Santos dos Últimos Dias”, segundo os Mórmons, faz referência ao facto de que os membros da igreja cristã “primitiva”, da Comunidade de Jerusalém, nos tempos do Novo Testamento, portanto, eram chamados precisamente de “Santos”. Gordon B. Hinckley, presidente desta igreja, disse, sobre os Mórmons: “Somos cristãos num sentido muito real e isso está a tornar-se cada vez mais amplamente reconhecido. Tempos houve no passado que várias pessoas, em vários lugares, diziam que não somos cristãos. Mas eles mesmos acabaram por reconhecer que somos cristãos, e que a nossa religião é muito vital e dinâmica, além de baseada nos ensinamentos de Jesus Cristo”. Para esclarecer o carácter cristão no centro da sua fé, a igreja mórmon acrescentou o subtítulo “Outro Testamento de Jesus Cristo” ao Livro de Mórmon, em 1981.

Existem cristãos, particularmente entre as comunidades evangélicas e fundamentalistas modernas, que continuam a argumentar que os Mórmons não são cristãos. Esta controvérsia baseia-se no facto de que a concepção mórmon de Deus – resumida pelo 5.º presidente da igreja, Lorenzo Snow (1898-1901), na seguinte declaração: “Como o homem foi uma vez Deus, e como Deus se pode tornar homem” – difere das ideias cristãs tradicionais. Muitas denominações também apontam para a questão dos Mórmons evitarem a cruz como um símbolo religioso (os Mórmons acreditam que é um símbolo da morte de Cristo e preferem focar-se antes na Sua vida, no Seu sofrimento no Jardim do Getsémani e na Sua Ressurreição). Também recusam o seu carácter cristão por terem uma crença na falibilidade da Bíblia, dado ser uma tradução humana; também criticam os Mórmons pela sua aceitação da revelação contínua, o que define o Mormonismo como um cânone em aberto. Além destes aspectos, acusam os Mórmons sobre a sua rejeição do Credo de Niceia, bem como todas as disposições deste concílio ecuménico de 325, que são subscritas pela maioria das denominações cristãs. São os pontos essenciais porque muitas denominações rejeitam o Cristianismo nos Mórmons.

QUERELAS COM OUTRAS DENOMINAÇÕES–A animosidade entre cristãos fundamentalistas e mórmons atingiu o seu auge na década de 1990, quando a Convenção Baptista do Sul (dos Estados Unidos) chegou a realizar a sua reunião anual em Salt Lake City, em parte na esperança de converter os Mórmons ao Cristianismo protestante. Os Mórmons entenderam como um desafio, uma provocação, não tendo a convenção obtido conversões.

Mais recentemente, alguns grupos cristãos considerados como mais “fundamentalistas”, declararam que pedem desculpa pelas discórdias do passado e que aceitam o Mormonismo como um ramo do Cristianismo. Mas apenas foi um alívio de tensão, que persiste, aliás.

Hoje em dia, os membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias assumem-se inequivocamente como cristãos. Afirmam que adoram a Deus, o Pai Eterno, em nome de Jesus Cristo. Um dia perguntaram a Joseph Smith em que é que os Mórmons afinal acreditam. Smith colocou Cristo no centro, referindo: “Os princípios fundamentais da nossa religião são o testemunho dos Apóstolos e Profetas a respeito de Jesus Cristo, de que Ele morreu, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, e ascendeu ao céu; e que todas as outras coisas são apenas apêndices destas, que pertencem à nossa religião”. O moderno Quórum dos Doze Apóstolos, instituição mórmon, reafirmou esse testemunho quando proclamaram que “Jesus é o Cristo Vivo, o Filho imortal de Deus. (…) O seu caminho é o caminho que conduz à felicidade nesta vida e à vida eterna no mundo vindouro”.

Apesar desta retractação mórmon e do recuo e desculpas de alguns credos cristãos, nas últimas décadas algumas denominações continuam a assegurar que a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias não é uma igreja cristã. Justificam, para tal, que os Mórmons não aceitam os credos, confissões e formulações do Cristianismo pós-Novo Testamento. Os estudiosos, dizem os Mórmons, há muito que reconhecem que a visão de Deus sustentada pelos primeiros cristãos mudou dramaticamente ao longo dos séculos. As primeiras visões cristãs de Deus eram mais pessoais, mais antropomórficas e menos abstractas do que aquelas que surgiram posteriormente a partir dos credos escritos nas centenas de anos seguintes. Os Mórmons acreditam que a fusão da teologia cristã primitiva com a filosofia grega foi um erro grave: perdeu-se a natureza da Divindade, dizem, que só seria restaurada por meio do profeta Joseph Smith. Por isso, afirmam que Deus, o Pai, é um ser corporificado, uma crença consistente com os atributos que Lhe foram conferidos por muitos dos primeiros cristãos. Os Mórmons acreditam que Deus é omnipotente, omnisciente, orando a Ele em nome de Jesus Cristo. Assim, não aceitam os credos pós-Novo Testamento, como o de Niceia, mas confiam profundamente em cada membro da Trindade na sua devoção e adoração religiosa diária, como faziam os primeiros cristãos.

Afirmam também a sua igreja não segue a linha histórica do Cristianismo tradicional, ou seja, os Mórmons não são nem católicos romanos, nem ortodoxos orientais, nem sequer protestantes. Acreditam num Cristianismo restaurado, em que, pelo ministério dos anjos outorgado a Joseph Smith, a autoridade do sacerdócio para agir em nome de Deus foi devolvida ou trazida de volta à Terra. Esta é a igreja “restaurada” de Cristo, não uma igreja “reformada”. A igreja mórmon pretende restaurar o Cristianismo primitivo, não o das denominações e interpretações várias.

Por outro lado, os Mórmons não são considerados cristãos porque não acreditam que as escrituras consistam apenas na Bíblia Sagrada, pois têm um cânone aberto, que acolhe outras escrituras como O Livro de Mórmon, Doutrina e Convénios e a Pérola de Grande Valor. A Bíblia não é auto-suficiente para os Mórmons, nem é a única e última palavra de Deus, ou a Sua palavra final escrita. A Bíblia jamais proclama encerrar as revelações de Deus, apontam. Para estabelecer a doutrina e compreender o texto bíblico, os Mórmons recorrem aos profetas vivos e aos supracitados livros de escrituras. De outra forma, não perderiam a sua essência, aliás….

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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