CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXC

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXC

Os Mórmons – II

Brigham Young, em 1817, estava por sua conta própria, depois de ter deixado a família, trabalhando como carpinteiro, artesão, uma espécie de “faz tudo”. Tinha ainda dezasseis anos mas fez-se ao caminho, sozinho, em Nova Iorque, já então uma cidade grande. Desenhava-se cada vez mais o destino dos “pais” dos Mórmons, na abnegação e trabalho.

Em 1820, o outro fundador, Joseph Smith, então com catorze anos, andava mais preocupado com as diferenças nas denominações entre os cristãos locais, a ponderar em relação a todas, no sentido de escolher a sua fé. Mas a dúvida permanecia, a par da incerteza, sobre qual seria a igreja certa a seguir.

Reza a tradição mórmon que numa manhã de Primavera o jovem Smith fora passear para a floresta. Ali testemunhou então algo que se lhe afigurou fantástico. Um pilar de luz descera do céu, seguido por uma imagem onde se inseriam Deus e Jesus Cristo (que são vistos por Joseph como “personagens” separados), ambos perdoando os pecados de Joseph e avisando-o de que todas as denominações cristãs estavam desviadas da verdade, pelo que ele não se devia juntar a nenhuma delas.

Para os Mórmons, este evento ficou conhecido como a “Primeira Visão”. Todavia, a sua importância foi maior ulteriormente do que quando sucedeu. Com efeito, esta “epifania” pouco ou nada mudara na vida de Smith. Este continuou a sua vida como até então, a trabalhar na quinta e na “caça ao tesouro” com o seu pai. Quando mencionou a visão a um pastor da igreja local, foi até desprezado. Por isso, aquele evento nada significou para Smith durante vários anos. Aliás, só dará conhecimento dele, aos seus futuros seguidores, mais tarde, em 1839, quando então narrou uma descrição detalhada da visão. Portanto, só a narrou dezanove anos depois…

VISÕES E INSPIRAÇÕES

Esta cronologia é importante no sentido de se perceber o encadeamento dos factos que ajudam a explicar a formação e progresso da fé mórmon. Três anos volvidos sobre a dita visão, em 21 de Setembro de 1823, apesar das negativas e descrenças na família e na igreja local, aquela epifania mexia com o jovem Joseph. E naquela data, com efeito, recordará mais tarde Smith, sentiu que se lhe tinha afigurado o caminho certo, pois sentiu um forte pendor para pedir perdão por todos os seus “pecados e loucuras”. Todo este sentimento ficaria porém marcado, naquela data, por uma outra visão. Desta feita, a visão fora de um anjo chamado Moroni, que lhe “falou” de um livro escrito em placas de ouro e que estava enterrado numa encosta próxima da sua quinta. De acordo com Moroni, esse livro descrevia as pessoas que habitavam a América, mas acima de tudo continha “plenitude do Evangelho eterno”.

No dia seguinte, 22 de Setembro, guiado por essa visão, Smith, narraria mais tarde, localizou o livro numa caixa no monte “Cumora” – também conhecido como “Mormon Hill”, “Gold Bible Hill” ou “Inspiration Point” –, a apenas cinco quilómetros da quinta dos Smith, no Condado de Manchester, Estado de Nova Iorque. Todavia, Moroni avisou Joseph de que ainda não podia pegar nas placas de ouro. Em vez disso, deveria retornar ao lugar a cada 22 de Setembro, nos próximos quatro anos, e ali mesmo ser instruído sobre a missão que Deus tinha reservado para si. Mas, claro, a tentação de tocar na caixa era grande, para mais sendo ele tão jovem. E quando Smith tentou então mexer na caixa, apesar da advertência, logo ali recebera um choque e seria atirado ao chão.

Cerca de dois meses depois, a 19 de Novembro de 1823, a tragédia abater-se-ia sobre a família Smith, com a morte do irmão mais velho de Joseph, Alvin, o que criou dificuldades financeiras na família. A vida continuaria, todavia, entre dificuldades e asperezas para os Smith, que não abandonaram as suas ideias de caça ao tesouro. Assim, em Outubro de 1825, Joseph e o seu pai juntaram-se a uma expedição de caça ao tesouro a cerca de 150 milhas da quinta, em Harmony, na Pensilvânia. Nenhum tesouro foi encontrado, no entanto, pelo menos material. Porque outro “tesouro” seria encontrado por Joseph, na forma de uma paixão, por Emma Hale, de 21 anos, durante a hospedagem dos Smith na casa do pai da jovem.

Cerca de meio ano volvido, em Março de 1826, era apresentada uma queixa criminal contra Smith, pelo uso fraudulento de pedras de vidente. Joseph defende-se, admitindo que as usara no passado, mas que à época da acusação já teria desistido dessa prática. Levantavam-se suspeitas em torno das visões e artefactos para as mesmas, das quimeras e ideias mirabolantes dos Smith, em particular de Joseph.

Em 18 de Janeiro de 1827 deu-se o enlace matrimonial entre Joseph Smith e Emma Hale, mas contra a vontade do pai da noiva. Recordemos, para além deste facto importante, que naquele ano de 1827 tinham já passado quatro anos sobre a visão e a descoberta da caixa com o livro no monte Cumora. No dia 22 de Setembro de 1827, Smith desenterrava com sucesso a caixa com as placas de ouro. Mas estava, refira-se, segundo o próprio, avisado por Moroni para que não permitisse que ninguém visse o tesouro.

Joseph mostrara, por essa altura, à sua mãe, um par de óculos incomum, com pedras preciosas onde normalmente estariam as lentes. Essas pedras, dizia, serviriam para ajudar Smith a traduzir o livro, que estava escrito em “egípcio reformado”, de acordo com Joseph. Todavia, circulavam já rumores na vizinhança acerca de uma Bíblia dourada que estaria na propriedade de Joseph Smith. Este, então, com a sua mulher, Emma Smith, decidiram fugir, para não serem acusados de ladroagem. Com o apoio financeiro de um proprietário rural local, Martin Harris, o casal partiu para Harmony, na Pensilvânia, escondendo as placas de ouro num barril de feijão que levaram consigo.

Em Dezembro desse ano de 1827 chegara o jovem casal a Harmony, terra natal dos Hale, recorde-se. Ali conseguiram do pai de Emma permissão para se instalarem numa pequena casa na propriedade dos Hale. Aí Joseph começaria a tarefa de “traduzir” o que estava escrito no “livro de ouro”, usando, para tal, o seu dispositivo de interpretação (as lentes preciosas…), ditando os resultados da tradução para Emma. Uma outra figura surgiria nestes primórdios, decisiva que baste para o que Joseph e Emma estavam a fazer. Falamos de Harris, o proprietário que os ajudara a fugir para a Pensilvânia. Pois com efeito este seguira com o casal até Harmony, ali se estabelecendo. Em Abril de 1828 começou também a trabalhar no livro, escrevendo o ditado de Smith. Nos dois meses seguintes, conseguiram escrever 116 páginas de tradução. Harris quis logo voltar para Palmyra para mostrar à sua mulher o achado, pois ela duvidara sempre. Contudo, a desgraça aconteceu: Harris, na viagem, perde a única cópia da tradução… Mas nem tudo seria mau, apesar dos problemas que a perda suscitou no processo.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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