Os Quakers – II
Estávamos nos primórdios do movimento protestante da Sociedade Religiosa dos Amigos, mais conhecidos como Quakers. Não demorou muito a que Fox ganhasse seguidores e fosse mais longe levar a sua doutrina e pregar os seus ideais de salvação. Com outros amigos, os “Valiant Sixty”, ou “Publishers of Truth”, lançou-se à estrada, relatando as suas jornadas à indefectível Margaret Fell, a mulher do juiz Fell. Fox percorreu a Cornualha, o País de Gales e a Escócia. Pregava, reunia-se, numa espécie de missão, mas pairava sobre ele e os seus apaniguados uma ameaça constante de perseguição.
Valeu-lhes o juiz Fell, vice-chanceler do duque de Lancaster, que embora nunca tivesse sido um amigo e nunca deixado de desconfiar das ideias de Fox não deixou de ser importante pelo muito que fez para os proteger até à sua morte, em 1658. Neste ano morreu também uma figura que foi importante para a sobrevivência do movimento logo no seu início: o Lord Protector Oliver Cromwell (1599-1658), que de 1653 até á morte ocupou aquele cargo. Na vigência do mesmo, Cromwell considerou a conduta de Fox como apropriada e aprovou mesmo a sua doutrina, o que conferiu um “fôlego” decisivo nos começos do Quakerismo.
Ao mesmo tempo, numa eventual perseguição, como se viria a registar, era fácil encontrar um quaker culpado, ou tornar um como arguido, pois eles não prestavam juramentos. Os quakers afirmavam que diziam sempre a verdade, logo não precisavam de jurar por nada ou em nome de nada. Além disso, recusavam-se a pagar o dízimo eclesiástico e não demonstravam o devido respeito àqueles que a sociedade considerava como “superiores”, nobilitados ou “dignos” de serem reverenciados socialmente. Os quakers defendiam a igualdade, não se curvavam ou tiravam o chapéu perante ninguém, o que na Inglaterra naquela época era algo punível e, pelo menos, polémico.
CADA VEZ MAIS AMIGOS…
Dois anos depois do seu “protector”, o juiz Fell, soltar o seu último sopro de vida, em 1660, os quakers, bem outros dissidentes, foram considerados suspeitos de conspirar contra o novo rei, Carlos II (1660-1685), casado com uma rainha de origem portuguesa, Catarina de Bragança. Fox respondeu então com a primeira formulação do “Testemunho de Paz”, enfatizando o compromisso com a não-violência. O “Testemunho de Paz” foi escrito em 1660, na forma de uma carta de Margaret Fell, viúva do juiz Fell, ao rei Carlos II, onde elevou o testemunho de paz dos quaker para além de uma simples recusa em ter e usar armas, ao transformá-lo num modo de vida. “Somos um povo que segue aquilo que contribui para a paz, o amor e a união; é nosso desejo que os pés de outras pessoas andem da mesma maneira, negando e prestando nosso testemunho contra todos os conflitos e guerras”. Assim se comprometia Fox pela paz, através da carta de Margaret, uma fervorosa quaker.
No entanto, em 1664, Fox seria preso durante mais de dois anos. No calabouço, escreveria um diário, que abrangia a sua vida até àqueles dias de cativeiro, tarefa que prosseguiria até morrer. Ao mesmo tempo, fez planos para organizar a crescente Sociedade Religiosa dos Amigos, criando uma estrutura de reuniões locais, mensais e anuais que persistem, mais ou menos, até aos dias de hoje.
O Quakerismo ganhou um número considerável de seguidores na Inglaterra e no País de Gales, principalmente entre as mulheres. O discurso “To the Reader”, do punho de Mary Forster, acompanhou uma petição ao Parlamento da Inglaterra apresentada em 20 de Maio de 1659, expressando a oposição de mais de sete mil mulheres à “opressão dos dízimos”, num claro manifesto contra a “tirania” da Igreja Anglicana. O número total de quakers aumentou naquele tempo, vindo a atingir uma cifra de sessenta mil na Inglaterra e no País de Gales em 1680. Mas a visão dominante do protestantismo inglês, institucionalizado na Igreja Anglicana, concebia os quakers como um desafio blasfemo à tradicional ordem social e política, o que motivou a perseguição oficial na Inglaterra e no País de Gales sob a denominada “Lei Quaker” de 1662 e a “Lei Conventicle” de 1664. Esta perseguição aos dissidentes seria relaxada após a “Declaração de Indulgência” (1687-1688) e mesmo interrompida pelo “Acto de Tolerância” de 1689.
Uma das asserções originais do Quakerismo, naquela época, defendia que o relacionamento directo com Cristo seria encorajado através da espiritualização das relações humanas, bem como “a redefinição dos quakers como uma tribo sagrada, ‘a família e a casa de Deus’”. Fox, juntamente com Margaret Fell, desenvolveria novas concepções de família e de comunidade que enfatizavam o denominado “colóquio sagrado” (em Inglês, “holy conversation”), ou seja, um discurso e comportamento que reflectiam piedade, fé e amor. Com a reestruturação da família e da sociedade, surgiram novos papéis para as mulheres, segundo aquela dupla. Fox e Fell, por exemplo, consideravam a mãe quaker como essencial para o desenvolvimento das “holy conversations”, com os seus filhos e marido, ou seja, conversas em família. As mulheres quakers também eram responsáveis pela espiritualidade da comunidade em geral, congregando-se em “reuniões” que regulavam o casamento e o comportamento doméstico. A mulher, entre os quakers, desempenhou sempre um papel especial e fundamental.
É importante referir que Fox e Margaret acabariam por se casar, em 27 de Outubro de 1669. Mas só o fizeram depois de uma ronda de reuniões de “clarificação”, para se verificar se deveriam contrair o matrimónio. Mais de noventa Amigos testemunhariam a certidão de casamento, o que atesta a sua “clareza”… A estreita parceria continuou, mas eles raramente conseguiram passar muito tempo juntos durante os seus vinte anos de casamento, devido às viagens contínuas de Fox, às inúmeras perseguições e aos períodos de prisão para ambos. Antes de se casarem, refira-se que Fox, em Maio de 1669, visitara a Irlanda, onde fizera várias reuniões.
Entretanto, os Amigos, aqueles a quem um dia um juiz perguntou: «– Vocês então são trémulos [quakers, em Inglês]?», porque Fox dissera que o magistrado tremia «em nome do Senhor», disseminavam-se já nas colónias inglesas nas Caraíbas e nas treze colónias na costa leste da América do Norte (a raiz dos futuros Estados Unidos, em 1776). Fox, o próprio, em Agosto de 1671, depois de participar na primeira Reunião Anual dos Quakers, em Londres, com mais doze companheiros partiu para a ilha de Barbados, chegando em Outubro, para reuniões doutrinais. A economia da ilha era de plantação (cana-de-açúcar, essencialmente), esclavagista. Fox começou aí a luta por um dos ideais mais conhecidos e polémicos dos quakers: a luta contra a escravatura, que seria uma das bandeiras da Sociedade Religiosa dos Amigos.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa