CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXXV

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXXV

O Pentecostalismo – VII

O movimento nascido na Rua Azusa rapidamente começou a enxamear. Mas na difusão, não se demorou a encontrar oposição, controvérsia, polémica. As inusitadas dificuldades linguísticas revelaram-se um problema, para mais num grupo cujo carisma partia do dom de falar línguas estranhas, na acção pentecostal do Espírito Santo.

Além da experiência na Libéria, desenharam-se rotas de irradiação pentecostalista nos Estados Unidos. Uma delas foi o Noroeste, com base em Portland, no Oregon, onde se criou a Igreja da Fé Apostólica (Apostolic Faith Church) em 1908, a partir dos esforços de uma seguidora de Seymour, Florence Crawford. Por essa altura, outro membro do núcleo da Rua Azusa, William Howard Durham (1873-1912), teólogo e pastor da Missão de North Avenue, em Chicago, regressou à Cidade Ventosa para ali estabelecer as bases do movimento naquela região.

Foi precisamente na igreja de Durham que os futuros líderes das Assembleias Pentecostais do Canadá ouviriam pela primeira vez a mensagem pentecostal, levando-a depois para o seu país. Um dos pioneiros pentecostais mais conhecidos foi Gaston B. Cashwell (1860-1916), conhecido como o “Apóstolo de Pentecostes” do Sul, cujo trabalho evangelístico criaria três denominações pentecostais no Sudeste dos Estados Unidos, de onde era originário (Carolina do Norte). O movimento pentecostal, com particular incidência no período inicial, ficou fortemente associado aos mais empobrecidos e marginalizados da América, especialmente os afro-americanos e brancos do Sul. Com a ajuda de muitos evangelistas “curadores” (os healing evangelists), como o famoso tele-evangelista Oral Roberts (1918-2009), o Pentecostalismo acabou por se disseminar por todo o País durante a década de 1950. A rádio, depois a televisão, fariam o seu caminho nesta propagação do movimento.

PARA ALÉM DOS ESTADOS UNIDOS

Como se viu para África, também outros continentes acabariam por ser tocados pela mensagem pentecostal. Esta irradiação deveu-se a missionários pentecostais, mas também a visitantes de outros países, que acabaram por exportar o “revival” para outras nações. Os primeiros missionários pentecostais foram A. G. Garr (1875-1944) e a sua mulher, Lillian Anderson, que foram baptizados no Espírito em Azusa e viajaram para a Índia e, mais tarde, para Hong Kong, visitando também a China. O pastor metodista norueguês T. B. Barratt (1862-1940) foi igualmente influenciado por Seymour, aquando de uma viagem que fizera pelos Estados Unidos. Em Dezembro de 1906, movido pelo ideal da Rua Azusa, o norueguês regressou à Europa, onde iniciou a evangelização pentecostal. Barratt é tido como o fundador do movimento pentecostal na Suécia, Noruega, Dinamarca, Alemanha, França e Inglaterra. Um dos convertidos de Barratt foi Alexander Boddy (1854-1830), o vigário anglicano da Igreja de Todos os Santos em Sunderland, na Inglaterra, que se tornaria num dos fundadores do Pentecostalismo britânico. Outros pentecostalistas importantes convertidos de Barratt foram o ministro alemão Jonathan Paul (1853-1931), que fundou a primeira denominação pentecostal alemã (a Associação Mülheim) e Lewi Pethrus (1884-1974), um ministro baptista sueco que fundou o movimento pentecostal no seu país.

Também a partir do núcleo de William Howard Durham, do seu ministério, portanto, outras conversões se deram que acabaram por irradiar para fora dos Estados Unidos. É o caso do imigrante italiano Luigi Francescon (1866-1964), que recebeu a experiência pentecostal em 1907 e fundou congregações pentecostais italianas nos Estados Unidos, na Argentina (Assembleia Cristã na Argentina) e Brasil (Congregação Cristã do Brasil). Em 1908, Giacomo Lombardi (1862-1934), outro italo-americano, tornou-se no fundador dos primeiros serviços pentecostais em Itália, uma nação fortemente católica e extremamente fechada a movimentos evangélicos exteriores. Em Novembro de 1910, temos ainda dois missionários pentecostais suecos que chegaram a Belém, no Brasil, e estabeleceram o que viriam a ser as Assembleias de Deus. Este movimento com origem no Brasil conta hoje com setenta milhões de seguidores em todo o mundo (mais de treze milhões só no Brasil), sendo o quarto maior grupo internacional de denominações cristãs. Em 1908, John G. Lake (1870-1935), um seguidor do ministro evangélico (healing evangelist) escocês-australiano Alexander Dowie (1847-1907), depois de experimentar o baptismo no Espírito Pentecostal, viajou para a África do Sul e ali fundou o que se tornaria a Missão da Fé Apostólica da África do Sul e a Igreja Cristã de Sião.

Como resultado deste forte zelo missionário, a partir destes e de outros exemplos, praticamente todas as denominações pentecostais actuais defendem que as suas raízes históricas vão até ao Avivamento da Rua Azusa.

Mas nem tudo “foram rosas”. A primeira geração de crentes pentecostais também enfrentou imensas críticas e o ostracismo de outros cristãos, principalmente a partir do movimento evangélico de onde saíram. Alma White (1862-1946), fundadora e líder da Igreja do “Pilar de Fogo” (Pillar of Fire), foi uma das mais acérrimas e acerbas críticas dos pentecostalistas. White, em 1918, tornou-se na primeira mulher bispo nos Estados Unidos. Era também conhecida por ser uma grande defensora do Feminismo. Mas dirigiu muita da sua destreza teológica para desferir críticas violentas contra o movimento pentecostalista, escrevendo mesmo um livro intitulado “Demons and Tongues”, em 1910. White considerou as línguas pentecostais como algo “com sentido satânico” e rituais pentecostais como “o clímax da adoração aos demónios”. Outra feroz crítica proveio do famoso pregador de “santidade” (mesma orientação espiritual de Seymour antes da Rua Azusa) W. B. Godbey (1833-1920), um metodista wesleyano que caracterizou os ministros dos eventos na Rua Azusa como “pregadores, malabaristas, necromantes, encantadores, mágicos e todos os tipos de mendigos de Satanás”… Mas não ficaram por aqui as críticas. Para o teólogo e pastor evangélico britânico G. Campbell Morgan (1863-1945), um grande erudito e biblista do seu tempo, o Pentecostalismo era como que “o último vómito de Satanás”, ao passo que o também regador evangélico americano R. A. Torrey (1856-1928) ia mais longe, ao defender que o movimento não era “de Deus, além de fundado por um sodomita”. Outra oposição proveio da Igreja Pentecostal do Nazareno, um dos maiores grupos de santidade, evangélicos, que também se opôs veementemente ao novo movimento pentecostal nascido na Rua Azusa. Para evitar confusões denominacionais, a igreja viria a mudar o seu nome, em 1919, para, simplesmente, Igreja do Nazareno. Já a Aliança Cristã e Missionária, de A. B. Simpson (1843-1919), foi mais diplomática, procurando soluções de compromisso. Simpson acreditava que falar línguas de forma “pentecostal” era uma manifestação legítima do Espírito Santo, mas não acreditava que fosse uma evidência necessária do baptismo no mesmo.

Vítor Teixeira 

Universidade Fernando Pessoa

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