CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXVII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXVII

Testemunhas de Jeová – XII

Temos vindo a falar da história das Testemunhas de Jeová. Uma história sempre virada para um futuro construído na crença escatológica de um advento messiânico. Mas que não se concretizou. Afinal, quais são as crenças essências do movimento? O que anima espiritualmente as Testemunhas de Jeová?

Pode-se dizer que existem vários pilares sobre os quais as Testemunhas de Jeová (TJ) têm construído o seu “edifício” teológico. Um deles, crucial para se compreender toda a sua escatologia, para a sua doutrina da salvação, é o conceito da imortalidade da alma. Para as TJ, não há vida após a morte. O apogeu da vida é a morte. Para este desfecho, afinal tão relevante, as Testemunhas de Jeová argumentam, com base numa série de textos bíblicos, como Eclesiastes 9,5: «Os que estão vivos sabem que hão de morrer mas os mortos não sabem nada, nem para eles há ainda retribuição, pois a sua lembrança foi esquecida». Por outro lado, os teólogos das TJ argumentam que o conceito de alma na linguagem bíblica não se refere a uma parte especial do homem, mas sim a entidades vivas dotadas de um “corpo”. A partir deste ponto de vista, abre-se a possibilidade de assim explicarem a ressurreição dos corpos após o Armagedão. Desta forma, todos os mortos antes desse dia serão ressuscitados. Consideram também que a imortalidade da alma é uma ideia “pagã”, com origem no Egipto e na Babilónia, contrapondo que não existe qualquer indício dessa ideia nos textos bíblicos.

Outra característica importante da sua teologia é o sólido monoteísmo. É por isso que não aceitam a concepção católica do Deus Trinitário, argumentando que também não existem indícios para tal ideia nas Sagradas Escrituras. Para as TJ, Cristo foi criado e é por isso inferior ao (Seu) Pai. Com base nesta convicção, atacam de forma vigorosa o dogma católico da Santíssima Trindade, sempre com argumentos bíblicos, entendidos de forma literal, note-se.

TEOLOGIA DE NEGAÇÃO

Nesta desconstrução de outros dogmas católicos, as Testemunhas de Jeová também não aceitam, por exemplo, a pureza de Maria. Antes, consideram tal ideia como idólatra, bem como adorar a mãe de Jesus. Na verdade, as TJ acreditam mesmo que Jesus tinha outros irmãos biológicos. Esta atitude de desconstrução é tida igualmente em relação aos santos, que esvaziam totalmente de qualquer sentido espiritual. São ainda extremamente críticas face às manifestações religiosas populares, as quais defendem que não são aceites por Deus, tal como o culto dos santos. Todas estas crenças católicas são criticadas pelas Testemunhas de Jeová como se tratando de paganismo.

Outra questão de fundo no plano das crenças fundamentais das TJ é a sexualidade. Nesse aspecto, defendem um puritanismo muito particular, pela sua severidade e radicalidade. Por exemplo, as relações pré-matrimoniais e o adultério são para eles motivos para expulsão do movimento. A questão sexual é tratada dentro do sistema de doutrinação em estreita relação com a conduta individual.

Depois surge a recusa em receberem transfusões de sangue e comer sangue animal. As Testemunhas de Jeová associam os conceitos de transfusão e alimentação, que são tratados no mesmo plano doutrinário. São inúmeros os problemas sócio-medicinais decorrentes dessa atitude de recusa de transfusões sanguíneas, mesmo quando são vitais para a sobrevivência de um indivíduo. Isto porque não aceitam sangue de outrem no corpo, pois consideram-no sagrado e justificam essa proibição, mais uma vez, com base em compreensões literais de textos bíblicos.

Problemática é também a questão da cidadania para as Testemunhas de Jeová. No movimento, admite-se que o nosso planeta, a Humanidade, é pertença de Satanás e da sua cáfila, os seus anfitriões na Terra, como eles referem. Por isso, excepto no essencial, como trabalho, família, contingências religiosas e imponderáveis da vida real, as TJ não veneram, ou “adoram”, como dizem, símbolos que representem os sistemas políticos e sociais. Na realidade, são para elas dispensáveis e sem importância. Os sistemas de governo são respeitados de forma cordial, como imponderáveis, mas não como essenciais ou cruciais. Nunca estão no centro da vida das Testemunhas de Jeová. Consideram por isso que não devem adorar nada nem ninguém, excepto a Jeová, que corresponde a Deus. A sua vida constrói-se cada vez mais, tal como pregam, em torno da inevitável destruição deste mundo de Satanás, no Armagedão. A estratégia passa assim por um afastamento do mundo, progressivo, quase como uma retirada.

Mas como o fazem, ou alcançam? Como é que alimentam e constroem essa noção de si mesmos diante do mundo, no dia-a-dia? De que maneira é que cultivam e vivem essa indiferença para com o mundo? A resposta a estas questões está nos aspectos educacionais utilizados na doutrinação dos fiéis, na aceitação e consciencialização desses conceitos e normas. Educação e doutrinação, sempre, é a fórmula das Testemunhas de Jeová.

Com efeito, um dos seus pilares internos é a maneira como transmitem as suas informações e conhecimentos, tal como os concebem, aos seus seguidores. A literatura que usam nas suas reuniões é preparada, articulada e (em grande parte) traduzida nos Estados Unidos, na sede do movimento. Estes recursos são também economicamente acessíveis; aliás, o pagamento é voluntário! Além de serem fáceis de ler, logo de interpretar de acordo com a normativa das Testemunhas de Jeová. Mas o ponto-chave de toda essa educação e doutrinação é o trabalho didáctico que depois fazem com esses materiais. Um artigo típico, por exemplo, consiste num escrito de quatro a seis páginas, divididas em 24 ou 26 parágrafos. Cada um dos parágrafos contém uma série de perguntas, bem como cada pergunta tem a sua resposta directa no parágrafo. Desta forma, a resposta é garantida, na medida em que é feita. A pedagogia é levada a sério, bem como as estratégias de captação de atenção e inculturação progressiva.

Os fiéis são também incentivados a estudar pessoalmente cada artigo. Depois, debatem em conjunto nas reuniões semanais, que são realizadas entre duas pessoas que as dirigem e o público, que assiste. Uma conduz, enquanto outro lê o parágrafo correspondente; então a pergunta é feita em voz alta no final da página. Os fiéis levantam as mãos e respondem. Mas a resposta já é dada no parágrafo, pelo que geralmente é lida. Por vezes, as Testemunhas de Jeová que têm um vocabulário mais rico explicam com suas as próprias palavras. Ponto importante: opiniões pessoais não são aceites. Não há discussão, diálogo ou dissidência. O ponto de vista apresentado no artigo é aceite; tem mesmo que ser. A compreensão é construída através da unilateralidade. O que o artigo argumenta é o que está escrito na Bíblia, logo não se discute. É a interpretação correcta. Para as TJ, o dogma é uma questão de estrutura e não de conteúdo, recorde-se. Por isso, a estrutura do conhecimento nesta organização não mudou desde a sua fundação, mudaram apenas os detalhes, a que chamam “novos entendimentos”.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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