CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXIV

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXIV

Testemunhas de Jeová – IX

Depois do Juiz Rutherford, seguiu-se Nathan Homer Knorr (1905-1977) como presidente das Testemunhas de Jeová. Esta sucessão trouxe uma espécie de renovação no seio do movimento. Na essência, o mandato de Knorr como presidente notabilizou-se pela transferência da liderança individual de Rutherford, personalizada e autoritária, quase despótica, para uma liderança corporativa, mais plural. Nenhuma das publicações da Sociedade após 1942, por exemplo, vinha a público com autoria, sendo esta atribuída, pelo contrário, a um Comité de Redação anónimo. Não se tratava de alijar responsabilidades autorais, mas antes não criar uma aura de destaque a um membro.

Mas a mudança não ficaria por aí. Por volta de 1944, o termo “corpo governante” começou a ser usado cada vez mais frequentemente, a par do termo desde sempre usado de Conselho de Directores, o qual era composto por sete homens. Knorr iniciou então uma campanha de aquisição de bens imobiliários em Brooklyn (Nova Iorque), para expandir a sede mundial da organização. O que conseguiu, note-se. Tal como o propósito de expandir a capacidade de impressão gráfica (livros, revistas, artigos, panfletos) em todo o mundo. Também procurou organizar uma série de assembleias internacionais de fiéis, que superariam as de Rutherford na década de 1920. Em 1958, conseguiu reunir, ao todo, mais de 253 mil Testemunhas em apenas dois lugares da cidade de Nova Iorque, Yankee Stadium e Polo Grounds, para um congresso de oito dias onde mais de sete mil novos membros foram baptizados. A sua nota de marca era de facto a expansão das Testemunhas de Jeová, com base mais na instituição e nos seus valores do que em personalidades. Além daquelas magnas reuniões, estimulou a organização de outros grandes congressos nos Estados Unidos, Canadá e Alemanha.

RENOVAÇÃO E EXPANSÃO

Knorr instituiu também importantes programas de formação, incluindo a Escola Bíblica de Gileade, para capacitar missionários, bem como a Escola do Ministério Teocrático, esta orientada para formar em torno da pregação e oratória ao nível congregacional. Ou seja, formar para dentro mas também para expandir fora do movimento. O trabalho educacional das TJ, para além da Escola do Ministério Teocrático em cada congregação, destacou-se pela introdução de livros didácticos e produtos educativos para ajudar os membros a realizar o ministério de “porta a porta” com mais e melhor eficácia.

Knorr revelou-se empreendedor e activo também no plano teológico, encomendando uma nova tradução da Bíblia, que foi lançada progressivamente a partir de 1950, antes de vir a ser publicada em 1961 como uma “Tradução do Novo Mundo completa das Escrituras Sagradas”. Também foi produzida uma tradução de Grego para Inglês “interlinear” do Novo Testamento (designada “The Kingdom Interlinear Translation of the Greek Scriptures”) e uma enciclopédia bíblica (denominada “Ajuda para a compreensão da Bíblia”). Os cargos de “ancião” e “servo ministerial” (diácono) foram restaurados nas congregações de Testemunhas de Jeová em 1972, com nomeações feitas na sede do movimento.

Entretanto, nesta renovação teológica, o vice-presidente de Nathan Knorr, Frederick William Franz, viria a tornar-se o principal teólogo do movimento, o que se traduziu numa desaceleração do ritmo de mudanças doutrinárias. As transfusões de sangue foram também proibidas para Testemunhas de Jeová a partir de 1945. Em 1961 a ingestão de sangue na carne também foi proibida. A direcção do movimento instruiu mesmo as Testemunhas a verificar junto dos talhantes onde se fornecem se os animais e aves que aqueles lhes vendem têm o seu sangue devidamente drenado. Nas TJ tudo é desde sempre previsto e estipulado. Na senda das prescrições, as celebrações de aniversário viriam a ser descritas como “questionáveis” em 1951, justificando-se pelas suas origens pagãs. Também foram introduzidas outras regras explícitas sobre a conduta aceitável entre os membros, sob pena de desassociação da Sociedade, a medida disciplinar a que se dava maior ênfase do ponto de vista cominatório.

Mas subsistia ainda um problema antigo, a questão patriótica, dos símbolos e a objecção de consciência por recusa do serviço militar. Neste último aspecto, registaram-se incidentes no consulado de Knorr. Nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e nalguns países europeus foram presos adultos por recusarem cumprir o serviço militar nos anos do pós-Segunda Guerra (a partir de 1945, portanto), registando-se um tratamento particularmente duro a esses objectores em países como Espanha, Grécia, Alemanha Oriental e Roménia. Assistiu-se também a uma perseguição de TJ em larga escala em vários países africanos, entre 1967 e 1975, com cerca de 21 mil membros do movimento a fugir do Malawi para campos de refugiados na Zâmbia, após uma série de assassinatos e espancamentos em 1972, bem como a prisão de sete mil membros moçambicanos em 1975 e posterior envio dos mesmos para campos de reeducação comunistas.

Apesar de tudo, o consulado de Knorr constituiu o tempo de expansão do movimento. Durante a sua presidência (1942-1977) o número de membros cresceu de 108 mil para mais de dois milhões. Knorr era, em boa verdade, um homem de organização, um líder nato e eficiente, que trabalhou bastante para tornar o movimento uma máquina missionária mais capaz e com melhores resultados. Em função desse esforço, o movimento cresceu em número como em acção durante sua liderança.

Em 1962 produzir-se-iam algumas mudanças significativas. Entre elas, a definição de compromisso com as autoridades civis. Ou seja, as TJ reviram a sua atitude para com essas autoridades e readoptaram uma interpretação anterior de “Romanos 13” que lhes permitia obedecer a todas as leis civis que não entrassem em conflito directamente com as leis de Deus. Esta reformulação teve efeitos práticos limitados, em comparação com os entendimentos anteriores, pois a maioria das leis seculares já era vista como estando de acordo com as leis de Deus. De qualquer forma, assinalou um progresso e uma maior abertura na relação com o mundo fora das Testemunhas de Jeová.

Nove anos depois, em 1971, o referido “Corpo Governante” assumiria uma função essencialmente mais administrativa. Assim, esse corpo directivo começou a reunir-se semanalmente para supervisionar com mais eficácia a acção e labor das Testemunhas de Jeová. Iniciou-se, à época, uma rotação anual da presidência do Corpo Governante, pois anteriormente era o presidente do conselho jurídico que actuava como presidente regular do “Corpo Governante”, o qual era uma espécie de conselho do Presidente das TJ. Mas novos ventos surgiam, novas questões relacionadas com a “matriz adventista” do movimento, que assentava principalmente em previsões de novos tempos determinantes para as Testemunhas de Jeová como para o mundo.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

LEGENDA:

Nathan Homer Knorr

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