CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXII

Testemunhas de Jeová – VII

A redefinição de Rutherford do movimento fundado por Russell ganhava contornos a cada ano que passava. Em 1927, os ensinamentos de Russell de que os judeus naturais poderiam regressar à Palestina, refundar a sua pátria e ocupar uma posição de destaque na dimensão terrestre do reino de Deus, foram abandonados. As celebrações do Natal entre os membros também cessariam em 1928, após uma transmissão de rádio e a publicação de vários artigos na revista Golden Agesnos quais se denunciava as suas origens pagãs. Estava-se numa fase de autêntica desconstrução do que fora o movimento conforme fora fundado por Russell.

Em 1929, Rutherford anunciou que a justificação do nome de Deus – que ocorreria quando milhões de incrédulos fossem destruídos no Armagedão – era a doutrina primária do Cristianismo e era mesmo mais importante do que a demonstração de bondade ou até da graça de Deus para com os humanos. Era, pois, o fundamento do testemunho que os crentes faziam de Jeová, a denominação crescentemente adoptada pelos membros do movimento. Em 1933, o tempo da “parusia” de Cristo e o início dos “últimos dias” foram transferidos de 1874 para 1914, com os princípios das dispensações paralelas retidos para colocar a entronização de Cristo três anos e meio depois, ou seja, em 1918. Era toda uma reescrita e adaptação ao consulado do “Juiz” e ao que preconizava para o futuro do movimento. Mais tarde, em 1935, redigiu-se uma nova interpretação da “grande multidão” vestida de branco, como reza Apocalipse, 7, colocando-os na Terra como sobreviventes do Armagedão, em vez de estarem no céu diante de Deus. Os estrategas doutrinários do movimento redefiniram então que a partir desse ponto os convertidos (do movimento) seriam geralmente identificados como aqueles que, se fossem dignos, se qualificariam para vida num paraíso na Terra. Era a parusia terrestre, a justificação salvífica e eterna dos crentes do movimento.

PROBLEMAS E PERSEGUIÇÕES

Como se recordam, os problemas na relação do movimento com a sociedade eram frequentes. Por exemplo, em 1916, as Testemunhas foram perseguidas por pacifismo de guerra, ou seja, recusa em manipular ou possuir armas, logo refutavam a participação na (Primeira) Guerra Mundial que então se desenrolava. Na Grã-Bretanha, no Canadá e nos Estados Unidos, sofreram tribulações com a acção dos Governos desses países contra pessoas que se recusaram a ser alistadas nas forças militares, os chamados “objectores de consciência”, na linha dos Adventistas do Sétimo Dia.

Mais tarde, em 1935, foram os membros do movimento, a partir da sua direcção, que suscitaram os problemas. Com efeito, as Testemunhas foram informadas, pela direcção, de que deveriam recusar-se a saudar a bandeira nacional (americana), bem como entoar o hino nacional ou aceitar serviços alternativos a prestar perante a objecção de consciência ao serviço militar. As referências à cruz e à crucificação nas publicações do movimento, tal como o Natal anteriormente, também terminariam em 1936, quando foi afirmado que Cristo tinha morrido, em verdade, diziam, numa árvore… Em 1939, as mesmas publicações explicaram que apenas aqueles que faziam parte da “organização” de Deus, a multidão de túnicas brancas de Apocalipse, 7, seriam poupados na voragem destruidora do Armagedão.

Estas imposições doutrinárias tiveram como efeito, fora do movimento, a oposição e até a perseguição da sociedade. Já antes, a partir de 1927, os Estudantes da Bíblia, ao serem incentivados a estender a sua pregação de porta em porta aos Domingos, espoletou reacções acesas por parte de outros credos cristãos. O clero católico, por exemplo, pronunciou-se de forma viva e contundente contra essa extensão dominical. Mas outras denominações cristãs se opuseram e a rejeição alastrou à sociedade em geral. Em 1928, no ano seguinte, portanto, vários Estudantes da Bíblia começaram a ser presos nos Estados Unidos por violar estatutos locais de várias comunidades na observância do dia de descanso, que caía no Domingo em várias observâncias cristãs. Rutherford, ao seu jeito, desafiou as leis nos tribunais, todos estavam errados, segundo ele, acabando assim a dirimir razões contra um grande número de processos. Em Nova Jersey, por exemplo, foram centenas de casos. Ao mesmo tempo que defendia o movimento na barra dos tribunais, o incansável Rutherford incitava os seus pregadores a venderem a literatura religiosa das Testemunhas (muita dela da sua lavra…), cujas receitas reverteriam na forma de uma contribuição para os fundos da Sociedade.

Depois das questões de debate de consciência em relação ao serviço militar e às insígnias patrióticas, em 1935 por exemplo, outros casos surgiram em 1936, na mesma linha. No final desse ano, de facto, as escolas americanas começaram a expulsar crianças Testemunhas de Jeová por se recusarem a saudar a bandeira nacional. Quando o Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em Junho de 1940, reconfirmou o direito das escolas de expulsarem crianças por recusa de patriotismo, muitos Estados começaram a aprovar leis exigindo a saudação obrigatória à bandeira e a expulsar crianças que tal não cumprissem. Essa decisão do Supremo Tribunal acabou por gerar uma onda de violência contra as Testemunhas de Jeová, principalmente em pequenas cidades e áreas rurais, onde muitos foram espancados, violados, cobertos de alcatrão e penas e, em alguns casos, registaram-se mortes. Mais de dois mil e 500 casos foram relatados de 1940 a 1944 e centenas de Testemunhas de Jeová foram presas e acusadas de crimes, incluindo sedição e traição. Perante este cenário de autênticas perseguições, segundo as Testemunhas, muitos membros do movimento responderam com campanhas de “testemunho” em massa, saindo várias centenas em várias cidades hostis e organizando aquilo a que chamariam de “marchas de informação”, algumas com cerca de dez quilómetros de comprimento, em protesto.

Mas não foi só nos Estados Unidos que este clima de crispação se desencadeou. Na Alemanha, as dificuldades eram muitas desde o início da década de 20. A actividade de pregação do movimento foi proibida e a sede da Sociedade foi até apreendida e encerrada. Milhares de Testemunhas foram presas sob acusações de negócios ilícitos, em 1922. No ano de 1933, após a ascensão de Adolf Hitler ao poder, as restrições governamentais foram reforçadas, o que levou à distribuição pública por parte do movimento de mais de dois milhões de cópias de uma “Declaração de Factos”, na qual as Testemunhas protestavam contra o tratamento que estavam a receber das autoridades nazis, reafirmando o pedido de exercerem o direito de pregar. As reivindicações revelaram-se contraproducentes, pois muitos membros do movimento foram demitidos dos seus empregos e cerca de dois mil acabaram presos em campos de concentração. Na realidade, as Testemunhas de Jeová seriam a primeira denominação cristã a ser banida pelos nazis e podem mesmo ter sido o grupo cristão mais perseguido pelo nazismo. Vivam-se tempos difíceis, mas não apenas nos Estados Unidos e principalmente na Alemanha. Os problemas eram, aliás, generalizados!

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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