Testemunhas de Jeová – VI
Rutherford, em finais dos anos 20 do Século XX, confundia-se com a Sociedade, pela sua autoridade quase despótica e o domínio da instituição em todos os aspectos. Em 26 de Julho 1931, por exemplo, numa reunião do movimento em Columbus, no Estado do Ohio, Rutherford propôs que a organização adoptasse uma nova denominação: “Testemunhas de Jeová”, a fim de se diferenciar dos outros grupos herdeiros do legado de Russell. Os Estudantes da Bíblia que se opuseram ou se afastaram da esfera de Rutherford começaram a partir daí a serem cada vez mais apelidados, pelos seguidores do líder, de membros da “classe escravizada pelo diabo”. Ao mesmo tempo, Rutherford afirmou que não se deveria orar por aqueles que são “infiéis”. Quatro anos depois, surgiu outra inovação: o termo “Salão do Reino”, que foi adoptado para designar os locais de adoração das congregações.
A ruptura de Columbus foi aquilo a que chamaríamos de uma “ruptura psicológica” com o grande número de fiéis insatisfeitos com o rumo do movimento. Ao propor a adopção da designação de “Testemunhas de Jeová”, Rutherford baseava-se em Isaías 43,10: «Vós sois minhas testemunhas, diz o Senhor». Rutherford dizia que a nova denominação fora escolhida para exaltar o nome de Deus e acabar com a confusão pública pela proliferação de grupos que tinham por base denominacional o nome “Estudantes da Bíblia”. O “juiz” explicou ainda: «Será um nome que não poderia ser usado por outro, e como nenhum outro gostaria de usar».
Entretanto, em 1937, o programa de pregação de casa em casa foi expandido para incluir formalmente uma espécie de “visita”; as Testemunhas foram também incentivadas a orientar estudos bíblicos, de uma hora cada, em casa dos que os recebiam. No final da década de 1930, Rutherford defendeu até o uso de “carros de som” e fonógrafos portáteis para difundir sonoramente, nas ruas, os seus discursos, quer para os transeuntes quer para os que estavam nas suas casas.
O APOGEU DE RUTHERFORD
Na sua senda de definição da instituição, viria a introduzir em 1938 o termo “teocracia” para melhor descrever o sistema de governo da Sociedade. Ou seja, substituiu o sistema anterior de autogoverno congregacional por um sistema organizacional “teocrático” ou “governado por Deus”, em que na sede de Brooklyn se fariam todas as nomeações para as congregações em todo o mundo, igualmente dirigidas a partir daquela sede nova-iorquina.
Chegou ao ponto de declarar que a «Teocracia [era]agora administrada pela Sociedade Torre de Vigia (…), cujo presidente e administrador é o Juiz Rutherford». De seguida criou o cargo de supervisão das congregações, com os denominados “Servos de zona”, ou de campo (actualmente conhecidos como “superintendentes viajantes”), extensões de controlo da administração junto de cada comunidade de base. Num artigo d’A Sentinela, Rutherford referiu que as congregações deveriam submeter-se voluntariamente a mudanças administrativas, imanadas do topo da hierarquia, naturalmente.
Refira-se também que em 1942, o ano da morte de Rutherford, a participação mundial de fiéis das Testemunhas de Jeová no Memorial da Morte de Cristo registou 140 mil 450, apesar da reestruturação do antigo movimento de Estudantes da Bíblia tenha resultado numa perda significativa de crentes nas décadas de 1920 e 1930. Com efeito, a assistência mundial ao Memorial baixou consideravelmente de noventa mil 434 fiéis, em 1925, para dezassete mil 380 em 1928. A frequência não ultrapassaria os noventa mil até 1940. Alguns estudiosos do fenómeno das Testemunhas de Jeová afirmam que os que ficaram com Rutherford na década de 1920 eram os mais fervorosos e dedicados, antes de virem a ser gradualmente substituídos por um crescente número de recém-chegados. Rutherford, todavia, acreditava que a redução no número de membros da Sociedade se tinha devido a uma debandada dos infiéis por acção do Senhor, que os fizera sair para purificar o movimento e fortalecer os que ficaram na instituição. Sob Rutherford, as Testemunhas de Jeová cresceram de cerca de 44 mil em 1928 e para cerca de 115 mil na época da sua morte, que ocorreu em 8 de Janeiro de 1942.
O mandato de Rutherford como presidente foi também marcado por várias mudanças doutrinárias, com muitos dos ensinamentos de Russell, o fundador, a serem ou alterados ou abandonados, introduzindo-se vários ensinamentos, da lavra do “juiz”. De facto, este declarara que Deus destruiria igrejas e membros da igreja “por atacado”, aos milhões, em 1918, e que todos os governos terrestres seriam destruídos em 1920, resultando tudo isso numa anarquia. Expectativas fortes de que a mudança dos “santos” e a conclusão do “corpo de Cristo” no céu eram iminentes, adiantava. O relatório da Torre de Vigia sobre a convenção de 1918 em Brooklyn dizia mesmo que havia boas razões para acreditar que aquela reunião “pode[ria] ser a última naquele lugar, antes do grande congresso além do véu”.
Nesta senda doutrinária, Rutherford anunciaria em 1920 que o reinado de mil anos de Cristo começaria em 1925, trazendo a restauração de um paraíso terrestre e a ressurreição para a terra dos antigos profetas judaicos referidos como “os antigos dignos” (como Abraão e Isaac). Jerusalém tornar-se-ia a capital mundial e os “príncipes” comunicar-se-iam com toda a humanidade através… da rádio. Estes pronunciamentos do líder levaram muitos Estudantes da Bíblia a desistir dos seus negócios e empregos e a venderem as suas casas, enquanto os agricultores e membros do movimento, no Canadá e nos Estados Unidos, se recusaram a efectuar as sementeiras de Primavera em 1925, zombando dos membros que as estavam a fazer. Entretanto, no que muitos acusam de ambiguidade ou incoerência do líder, Rutherford mandaria edificar uma “villa” de luxo, de seu nome “Bet Sharim”, a ser construída em San Diego, no Estado da Califórnia, cujas obras terminariam em 1930, com a finalidade de abrigar os “príncipes” bíblicos que deveriam ser ressuscitados antes do Armagedão. O que se previra para 1925 naturalmente que não sucedeu, mas os planos para o pós- Armagedão eram feitos já desde antes. Este cataclismo foi redefinido em 1925 como uma batalha entre Deus e Satanás, resultando no derrube de Governos humanos e da falsa religião. Depois, a partir de 1926, as publicações começaram a desacreditar os ensinamentos anteriores sobre a importância do “desenvolvimento do carácter” cristão ou da “santificação” pessoal e um ano mais tarde Russell deixava de ser o “servo fiel e sábio” de Mateus 24, 45-47, vindo a perder gradualmente a aura profética que sempre tivera, como fundador. Em 1927, a Sociedade retirou mesmo importância aos “Russell’s Studies in the Scriptures” e ao “The Finished Mystery”, parando de imprimir estes títulos. Russell, o fundador, era desacreditado, a favor da ascensão de Rutherford!
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa