CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXX

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXX

Testemunhas de Jeová – V

O temperamento autoritário e a personalidade obstinada e rigorista de Rutherford não suscitava unanimidade na Sociedade nem muita aceitação fora dela. De facto, no início de Maio de 1918, o procurador-geral dos Estados Unidos, Thomas Watt Gregory, qualificou a obra de Rutherford e dos seus colaboradores “The Mystery of God Completed” como “um dos exemplos mais perigosos de propaganda (…) uma obra numa linguagem muito religiosa e distribuído em grande número”. Rutherford e sete outros directores da “Watch Tower Society” receberam ordem de prisão, acusados, segundo a Lei de Espionagem de 1917, da tentativa de provocar insubordinação, deslealdade, recusa do dever de guerra e obstrução ao serviço de recrutamento e alistamento no Exército americano enquanto o País está em guerra.

Em 21 de Junho de 1918, os oito administradores, incluindo Rutherford, foram condenados a vinte anos de prisão. Rutherford temeu então que os seus adversários tomassem o controlo da Sociedade na sua ausência. Todavia, a 2 de Janeiro de 1919, tomou conhecimento da sua reeleição como presidente na assembleia de Pittsburgh realizada no dia anterior, o que o convenceu mais uma vez de que a sua presença naquele cargo era mesmo a vontade de Deus. A bonança viria em breve, em Março de 1919, com a libertação dos oito directores, sob fiança. Tal sucedeu na sequência de um recurso apresentado em tribunal, o qual concluiu que os referidos directores tinham sido injustamente condenados. Mais tarde, no mês de Maio de 1920, todas as acusações aos mesmos foram retiradas.

Depois de libertado da prisão, Rutherford empreenderia uma vasta reorganização das actividades do movimento dos Estudantes da Bíblia. Na assembleia de Maio de 1919, em Ohio, anunciou a publicação de um novo periódico, a “Idade de Ouro” (mais tarde renomeado para “Despertai!”). No entanto, recorde-se que Russell estipulara no seu testamento que a Sociedade não deveria publicar nenhuma outra revista. Ora, para contornar esta disposição testamentária do fundador, o hábil “juiz” Rutherford conseguiu que o novo periódico fosse publicado fora da Sociedade, na editora Woodworth, Hudgings & Martin, em Manhattan (Nova Iorque), não em Brooklyn, onde estava a sede da Sociedade. Em poucos meses, os Estudantes da Bíblia organizaram-se em torno de uma nova estratégia de distribuição da revista: de porta em porta. Rutherford, por outro lado, ampliou também a capacidade impressora e editorial da Sociedade, reanimou o trabalho de venda ambulante e, em 1920, pediu a cada membro da Sociedade que apresentasse um relatório semanal da sua actividade de pregação. Ao mesmo tempo, ampliou e reorganizou as filiais no estrangeiro. Numa apreciação geral dos seus esforços, Rutherford considerou todos estes esforços como um trabalho de “purificação” e “peneira” do movimento.

NOVO RUMO

Começando com a assembleia de oito dias realizada em Cedar Point, no Ohio, em Setembro de 1922, Rutherford dinamizou a realização de uma série de grandes assembleias internacionais sob o tema “Proclama o Rei e o Seu Reino!”, reunindo mais de vinte mil pessoas. O público assistente era encorajado, subsequentemente, a “espalhar a mensagem em todos os lugares”. Rutherford não se cansou de enfatizar que o dever principal de todos os membros do movimento era o de se tornarem “arautos” em cumprimento a Mateus 24,14 («E este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo como testemunho a todas as nações, e então virá o fim»), especialmente através do evangelismo de porta a porta com recurso às publicações da Sociedade. Em 1928, Rutherford começou a propagar a ideia de que a congregação de Cedar Point e os eventos que se seguiram eram parte do cumprimento da profecia dos “1290 dias” de Daniel 12,11 («Depois de abolido o sacrifício diário e colocado o sacrilégio terrível, haverá mil e duzentos e noventa dias»).

Convém neste ponto recordar que Rutherford não descurou nunca a escrita, publicando textos, em panfletos ou livros, da sua autoria, de carácter doutrinal e apologético do movimento, alguns polémicos e que mais tarde suscitariam revisões ou até reinterpretações, demonstrando, nesta prática editorial, os seus objectivos e agenda em dominar por completo o movimento. Em 1920, por exemplo, Rutherford publicara um panfleto intitulado “Milhões de Pessoas que Vivem Agora Jamais Morrerão!” e um ano depois, em 1921, veio a lume o seu primeiro livro de capa dura, “A Harpa de Deus”. Estas obras foram seguidas por dezanove livros adicionais, cada um com um título de uma única palavra, como por exemplo “Criação” (1927), “Jeová” (1934) ou “Crianças” (1941), com copiosas tiragens. Na verdade, as suas publicações atingiram um total de mais de 36 milhões de exemplares impressos e vendidos. Em 1925, o “juiz”, numa expressão do seu autoritarismo, obteve o controlo total sobre as doutrinas a serem ensinadas nas publicações da Sociedade, moldadas à sua perspectiva e visão, fazendo cair por terra a recusa do conselho editorial da Sociedade em publicar um artigo seu intitulado “O Nascimento de uma Nação”, o qual continha mudanças doutrinárias significativas. Rutherford, posteriormente, num exercício de justificação, afirmaria mesmo que teria sido o próprio Satanás quem “tentou impedir a publicação deste artigo [mas]… em vão”. Em 1927, a Sociedade parou, recorde-se, de imprimir os Estudos das Escrituras de Russell, fundador da Sociedade. O conselho editorial seria, entretanto, dissolvido em 1931, após o que Rutherford escreveria todos os artigos principais de “A Sentinela” até à sua morte (8 de Janeiro de 1842). Numa nota curiosa no Anuário das Testemunhas de Jeová de 1933, expressa-se que o dito desaparecimento do conselho editorial indicava “que o próprio Senhor dirige a sua organização”. Sua, de Rutherford…

Em 1924, o “juiz” reforçaria os seus meios de espalhar a “boa palavra” de “A Sentinela”, ao inaugurar transmissões de rádio de cerca de quinze minutos cada, inicialmente numa nova rádio (da moda), fundada em 1922 como fusão de várias estações, no Estado de Nova Iorque, denominada WBBR, a partir de Staten Island. Mais tarde acabaria a transmitir numa rede global de aproximadamente 480 estações de rádio. Em 1931, projectou-se a transmissão de um seu discurso na América do Norte, Austrália e França, mas devido aos ataques de Rutherford ao clero em geral a NBC e a BBC proibiram as suas transmissões.

De vento em popa no exercício do seu comando da Sociedade, Rutherford, em 1928, comprometeu-se a abolir a eleição de “anciãos” pela congregação, apelidando-os de “arrogantes” e “preguiçosos” antes de afirmar, em 1932, que a eleição de presbíteros não era sequer uma prática bíblica. No seu jeito peculiar, Rutherford fê-los entender a necessidade de terem de obedecer às “regras”, “instruções” e “directrizes” da Sociedade, sem reclamar! A Sociedade moldava-se cada vez mais na perspectiva de uma extensão da personalidade de Rutherford, embora não deixasse de crescer….

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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