O Pentecostalismo – XVI
Além da Teologia da Prosperidade, temos no Pentecostalismo uma outra doutrina importante, chamada de “guerra espiritual”. Esta doutrina, na essência, introduz uma extensão e uma variação na lógica do Baptismo no Espírito Santo que estava já implícita nos alvores do Pentecostalismo. Assim, se o Pentecostalismo original afirmava que o divino está no mundo, a ideia de guerra espiritual inclui também, nesse sentido, a presença do mal. Desta forma, o demónio deixa de ser uma metáfora para se tornar numa força espiritual corporificada que ameaça a saúde, a prosperidade e o bem-estar. Tal dá origem a uma concepção de experiência religiosa e liturgia na qual a expulsão de diferentes demónios é algo central.
Este tópico é extremamente sensível em muitos fiéis, o da depuração do mal, na forma do demónio. Tornou-se também uma chave para a expansão pentecostal, uma vez que tal formulação permite que se reconheça a eficácia das entidades espirituais de outras religiões e, ao mesmo tempo, as renegue. Estas entidades espirituais negativas, segundo os pentecostais, devem, pois, ser extirpadas. Os pentecostais têm aqui um “marketing” espiritual poderoso, pois asseguram que as outras religiões nem se lembram dessas malignidades, muitas vezes, ao contrário deles, que lhes movem um combate espiritual até à sua extinção.
As igrejas neopentecostais começaram a fazer um uso bastante intenso de todas as inovações comunicacionais disponíveis, as designadas técnicas de “crescimento da igreja”, para cumprir os seus objectivos de combate espiritual e de prosperidade. Assim se chegou ao desenvolvimento do conceito de mega-Igrejas. Daqui se chegou ao que se designa como Neopentecostalismo, que para muitos é cada vez mais uma nova fase do desenvolvimento do Pentecostalismo e cada vez menos um tipo de igreja. O Neopentecostalismo aparece como uma tendência que prefere as ditas mega-Igrejas, mas sem que todas as características neopentecostais estejam presentes nesse conceito.
MULTIPLICAÇÃO PENTECOSTAL
Nas últimas décadas tem-se assistido, no entanto, a uma multiplicação das pequenas igrejas pentecostais. A maioria dos convertidos ao Pentecostalismo acaba por se agrupar em pequenas igrejas autónomas “de bairro”, após uma passagem por igrejas maiores ou mais institucionalizadas. Muitos dos pastores da vizinhança obtêm nessas grandes igrejas o “know-how” para construir novos templos nas suas áreas de residência, nas quais cada grupo de crentes irá imprimir o selo da particularidade da sua experiência e a identidade própria da zona onde se insere a comunidade. Mas estas pequenas igrejas são a maioria silenciosa na qual a sensibilidade pentecostal decai, referem alguns analistas. Nestas pequenas igrejas, pode-se encontrar quase tudo o que é considerado típico do Neopentecostalismo.
O crescimento pentecostal tem sido alimentado pelas vantagens organizacionais e discursivas em torno dos “deficits” evangélicos e católicos, ocorrendo principalmente nos espaços onde a Igreja Católica – à qual é atribuída uma “logística lenta” e pesada – tem falhado no processo de metropolização (grandes aglomerações urbanas) que caracteriza a América Latina. Ou seja, em cada novo bairro onde a Igreja Católica pretende chegar, já existe uma ou várias igrejas evangélicas. Mesmo em áreas rurais e periféricas este processo ocorre cada vez mais. A sua proliferação, neste sentido, tende, contudo, a criar confusão, pois apesar da rapidez de estabelecimento de novas igrejas, os pentecostais não são a maioria nem até dominantes em muitas áreas. O que não significa que não estejam a crescer.
Uma outra razão assiste a este crescimento, a de que o grupo de igrejas evangélicas e especialmente as pentecostais também têm conseguido criar diferentes tipos de grupos educacionais, desportivos, de serviços mútuos e, especialmente, instituições de produção cultural de massa, como editoras, gravadoras e instituições de formação teológica que, ao mesmo tempo, facilitam o trabalho da actividade proselitista, além de conferirem maior densidade ao mundo evangélico, criando denominadores comuns transversais.
Depois, enquanto que no início do Século XX a erudição e o estatuto social dos protestantes históricos, juntamente com a sua maior presença demográfica em relação aos “novos” evangélicos e aos pentecostais, garantiram a sua hegemonia no mundo evangélico, em finais daquele século a supremacia demográfica e o prestígio dos métodos de evangelização dos pentecostais fez destes últimos, apesar da sua maioria pertencer a uma posição social mais baixa, o grupo predominante no mundo evangélico nos vários países da América Latina.
Na segunda década do Século XXI, o campo evangélico mais “tradicional” acabou por se “pentecostalizar”, como resultado da “contaminação”, por proximidade e convergência doutrinária, do Pentecostalismo e do Neopentecostalismo. Tal poder ter acontecido também porque uma parte dos grupos protestantes, a que chamamos de evangélicos, têm optado pelo aprofundamento de alianças doutrinais com os pentecostais, bem como aprender com a sua capacidade de adaptação da mensagem evangélica e colocar ao serviço dessa expansão a sua solidez institucional global e, claro, os seus copiosos recursos. Mas, ao mesmo tempo, impõe-se recordar que da mesma forma as anteriormente estanques fronteiras entre os grupos evangélicos foram diluídas, para se dar lugar a práticas e crenças que atravessam as diferentes denominações das igrejas evangélicas que surgiram, no lugar das clássicas identidades protestantes (Luteranos, Calvinistas, Anglicanos, etc.), criando uma nova identidade evangélica, ainda mais genericamente “cristã”. Esta identidade, refira-se, tende cada vez mais a ser a marca pela qual o Protestantismo é reconhecido na América Latina, já não tanto nas denominações históricas, mais traicionais e europeias.
Entre 1910 e 2014, já agora, para ilustrar estatisticamente esta progressão, recordemos que os fiéis católicos passaram de 94 por cento para 69 por cento da população latino-americana e os evangélicos de 1 por cento para 19 por cento. A maior aceleração deu-se a partir da década de 1970, quando se acentuou mais o declínio da população católica. Recordemos que corresponde a um período de crise económica e política, com várias ditaduras formadas por elites brancas conotadas com a Igreja Católica e extremamente opressivas da massa de pobreza mestiça e crioula em crescimento demográfico e alheada da riqueza numa época de crise. Por sua vez, também a Teologia da Libertação não trouxe as respostas esperadas, nem mesmo o “aggiornamento” conciliar (Vaticano II, 1962-1965). As crises energéticas estilhaçaram ainda mais o cenário, a par da Guerra Fria no seu auge e dos conflitos regionais acesos. A laicização explodiu e deixou um rasto, que as correntes pentecostais aproveitariam.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa