CINCO ANOS DE AMORIS LAETITIA

CINCO ANOS DE AMORIS LAETITIA

O Papa que não se esquece da Família

Há cinco anos, como resultado de um caminho sinodal que implicou questionários a nível mundial, duas reuniões de bispos em Roma e outras dinâmicas, o Papa Francisco publicava Amoris laetitiaA Alegria do Amor, uma exortação apostólica dirigida a todos, mas em particular “aos esposos cristãos e a todos os fiéis leigos sobre o Amor na Família”. Hoje em dia, que impacto teve tal publicação na caminhada familiar em Igreja?

Amoris laetitiaé, ainda hoje, um dos documentos pontifícios aguardados com mais expectativa da história de oito anos de pontificado do Papa Francisco, o que, por si, é exemplificativo da importância que a exortação teve para a Igreja. Na altura, e porque abordava, especificamente, a realidade tão sensível dos divorciados recasados e casais em situação irregular na Igreja, propondo caminhos pastorais que, até essa data, não eram possíveis, correu-se o risco de limitar o alcance deste documento à questão dos divorciados recasados. Mas a exortação é muito mais do que um documento sobre comunhão aos recasados, e, por isso, cinco anos depois, o Papa Francisco anuncia um ano Amoris laetitia, uma nova oportunidade para reflectir sobre o documento. «Creio que o que está na mente do Papa Francisco é que o documento não seja esquecido. É um convite a tirarmos de novo a exortação da prateleira onde a tínhamos colocado e trazer de novo à secretária para ser um instrumento de reflexão e de renovarmos os desafios que ela lança», afirma o padre Francisco Ruivo, assistente nacional da Pastoral Familiar em Portugal.

Depois de uma pequena introdução, na qual o Papa Francisco contextualiza o aparecimento da exortação, esta divide-se em nove capítulos, nos quais o Papa reflecte e, ao mesmo tempo, lança pistas e propostas pastorais para as famílias e para a Igreja, em diferentes áreas.

Desde logo, a preparação para o matrimónio, sacramento que representa o início da vida de uma nova família. Joaquim Valente preparava-se, há cinco anos, para assumir, com a sua esposa, a direcção nacional da Federação dos Centros de Preparação para o Matrimónio, responsável pelos Cursos de Preparação para o Matrimónio (CPM). Hoje, passados estes anos, reconhece que «o caminho da nova direcção foi muito inspirado pela Amoris laetitia, ao ponto de começarmos a pensar numa nova dinâmica inspirados pela exortação». O padre Paulo Jorge, assistente nacional da federação, diz que, durante estes últimos anos, «cada vez mais as pessoas percebem que os grandes acontecimentos da vida têm de ser bem preparados», diz o sacerdote.

A verdade é que a exortação teve impacto sobre os casais que se casaram depois da sua publicação. Sérgio e Sara fizeram o CPM em Fevereiro de 2016, sem exortação, e casaram-se uns meses depois da sua publicação, e foi o padre que abençoou o matrimónio quem sugeriu a sua leitura. «Para nós foi um descobrir, no que acontecia na nossa vida, o que dizia a exortação, e contribuiu muito para a nossa estabilidade enquanto casal e a fortalecer o nosso amor», refere Sérgio. Sara concorda e acrescenta que durante estes anos já chegaram a oferecer a exortação a casais de amigos como presente de Natal, tal a importância que atribuíram ao documento nas suas vidas.

Outra das áreas que o Papa aborda é o acompanhamento, de forma organizada, dos casais depois do matrimónio, e o seu acolhimento nas paróquias ou movimentos. Em Évora, o diácono Luís Rodrigues procura, durante os CPM que realizam na cidade, «saber para onde vão morar[os noivos]e avisar os párocos das suas paróquias de residência para que possam fazer algum acolhimento», explica à Família Cristã. Apesar do trabalho, refere que «não temos tido grande sucesso, porque há falta de pessoas, de disponibilidade, os próprios párocos estão muito dispersos com outras coisas da pastoral deles…», mas adianta que os frutos são garantidos. «Dos que conseguimos acompanhar, temos um “feedback” muito positivo, alguns até já estão inseridos em equipas de CPM, por exemplo», afirma, adiantando que, pontualmente, já faziam isto, mas a «exortação veio reforçar a necessidade de fazer este trabalho de acompanhamento, e ainda hoje é um trabalho que se mantém como muito importante de se fazer».

Outra área importante em que o Papa foca a exortação é a necessidade de acompanhar casais em crise. Na diocese do Porto, há cerca de um ano e meio que a Pastoral Familiar tem voluntários identificados que podem ajudar a orientar e na reflexão casais que estejam em dificuldade. Joaquim e Cristina acompanham um casal há pouco mais de um ano, e acreditam que «criámos espaço para que eles pudessem comunicar, porque esse espaço não existia». «Conseguimos, sem interferir, opinar ou julgar, ver pontos de dificuldade que o casal poderia ter, e ver que isso poderia ser factores de união para eles próprios», refere Joaquim Santos. Já o diácono Carlos Basto, psicólogo de profissão, acompanhou três casos nos últimos anos. «O alívio que as pessoas mostram no final de cada encontro mostra que elas estão a precisar de encontrar um espaço onde possam ser elas próprias, sem recriminações», refere, numa estratégia que procura evitar a ruptura total.

Esta ruptura total acontece com a separação e o divórcio civil. Isto provoca dor e rejeição da parte da Igreja, e foi algo que o Papa procurou mudar, até antes da Amoris laetitia, com alterações aos processos de nulidade matrimonial, que foram simplificados, «sem colocar em causa a indissolubilidade do matrimónio», conforme nos refere o padre Saturino Gomes, que pertence ao Tribunal da Rota Romana, no Vaticano. «A Igreja conseguiu sensibilizar as famílias e os casais para a sua situação e para um incremento de uma maior pastoral familiar. Do que conheço em geral, foi conseguido, não desvalorizando o matrimónio, mas ajudando a resolver situações para as quais as pessoas não estavam bem informadas», considera este sacerdote.

A grande maioria das situações irregulares ficará resolvida pela nulidade matrimonial, mas nem todas, e é por isso que o Papa sugeriu, no capítulo VIII, um percurso de discernimento que procura reflectir e aprofundar a situação real de cada casal em situação irregular, podendo permitir, após esse caminho, o eventual regresso aos sacramentos desses casais. Uma situação que originou uma mudança muito significativa de procedimentos e uma adaptação que, no nosso país, ainda não é feita de forma universal. Num artigo publicado no final do ano passado, a Família Cristãmostrava como algumas dioceses já conseguem fazer esse trabalho, com exemplos de casais a quem foi permitido retomar os sacramentos, apesar da união irregular, trazendo-lhes muita alegria. «Estávamos preparados para que o discernimento não nos levasse aos sacramentos, pois um dos pilares é precisamente que aquilo que eu acho que é o melhor para mim pode não ser o melhor, e pode não ser aquilo que Deus quer para mim, e acho que sempre levámos em consideração essa premissa, que poderia não ser o desfecho que gostaríamos que fosse, mas o que sempre soubemos foi que, apesar do fim a que chegássemos, tínhamos a certeza que enquanto casal, família, sem dúvida que foi um processo muito rico», contavam, na altura, José Augusto e Teresa, o casal da diocese de Leiria-Fátima que deu o seu testemunho.

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO SEXUAL

Depois, outra das áreas para que o Papa pede propostas concretas e se mostra muito preocupado é na educação dos filhos, uma tarefa que os pais partilham com as escolas. A exortação «é um alfinete, ninguém consegue ler aquilo sem se sentir picado, estimulado a andar para a frente», explica o diácono Fernando Magalhães, director do Externato Frei Luís de Sousa, em Almada, e presidente da Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC), que acrescenta que «sei de escolas que efectivamente tomaram aquilo quase como um programa orientador, programático, para trabalharem elas próprias enquanto agentes de educação, algumas em colaboração com as famílias, para juntos haver essa sã cooperação entre escola e família na educação dos filhos».

Estes anos, conta, «houve acções Amoris laetitia, houve programas Amoris laetitia em determinadas disciplinas, houve Amoris laetitia na formação dos professores e do pessoal das escolas, houve escolas de pais em torno da exortação, houve celebrações nos colégios, múltiplas formas de vivência da Amoris laetitia que hão de ter deixado os seus rastos», garante.

No entanto, há uma área em que o caminho está ainda no início, que é o da educação sexual, em que há “amarras” que impedem de viver segundo a visão do Papa na exortação. «Nós, APEC, temos uma peça em mãos, em parceria com os salesianos, que é precisamente um subsídio para as escolas sobre a educação sexual, com a ilustração da educação sexual que entendemos como única, que é na leitura do amor e da doação mútua, recíproca, da procura da transcendência e tudo isso», diz o diácono Fernando Magalhães, que acrescenta que não tem «a mínima dúvida de que a educação sexual está acometida como primeira responsabilidade à famílias e aos pais». «Mas no limite sou capaz de admitir perfeitamente que esse capítulo de educação sexual é também tratado no ambiente escolar dos meus filhos, desde que eu saiba como é que ele é tratado, desde que eu me identifique com isso», refere.

Em todas estas áreas que o Papa Francisco aborda, ressalta a importância de tornar as famílias “protagonistas” desta pastoral. «O documento ajuda a trazer as famílias como protagonistas de toda a exortação e de toda a nossa vida pastoral», defende o padre Francisco Ruivo, e esse é o desafio mais «difícil». «Durante muitos anos, o que temos feito é debitarmos para as famílias. Mas agora não, é trazer as famílias de facto a este encontro, a sentirem elas que nos poderão ajudar a ler a exortação, numa realidade muito encarnada dentro dos seus ritmos, das suas dificuldades, das suas coisas bonitas e belas que têm», conclui.

Iniciativas para marcar o ano

O Papa convocou um «ano especial» dedicado à família, assinalando o quinto aniversário da exortação Amoris laetitia. «Será uma oportunidade para aprofundar os conteúdos do documento. Estas reflexões vão ser colocadas à disposição das comunidades eclesiais e das famílias, para as acompanhar no caminho», indicou o Papa, durante a recitação do Angelus na biblioteca do Palácio Apostólico do Vaticano, quando anunciou esta iniciativa a 27 de Dezembro passado. Entre as várias iniciativas, o Papa, por meio do Dicastério dos Leigos, Família e Vida, define cinco objectivos principais. «Difundir o conteúdo da exortação apostólica Amoris laetitia», «anunciar que o sacramento do matrimónio é uma dádiva», «tornar as famílias protagonistas da pastoral familiar», «consciencializar os jovens» e «alargar o olhar e a acção da pastoral familiar».

No site www.amorislaetitia.va será possível encontrar vídeos em que o Santo Padre explicará os capítulos da exortação apostólica, junto com famílias que testemunharão alguns aspectos da sua vida diária. Além disso, o Vaticano, através do dicastério, irá promover a realização do congresso “Em que ponto estamos com a Amoris laetitia? Estratégias para aplicação da exortação do Papa Francisco”, de 9 a 12 de Junho, com os responsáveis da Pastoral Familiar das conferências episcopais, movimentos eclesiais e associações internacionais de família.

O Vaticano vai ainda promover, por indicação do Papa, uma jornada para os avós e os idosos, e distribuir subsídios direccionados às famílias. Em Portugal, D. Joaquim Mendes, presidente da Comissão Episcopal Laicado e Família, refere que já estão a decorrer reuniões conjuntas dos diversos serviços pastorais ao seu cargo para encontrar estratégias para reflectir e aprofundar a exortação e reforçar o papel da família na pastoral. «Costumo dizer que a família é a “sola dos sapatos” da pastoral, é fundamental e o fundamento para todas as outras pastorais», defende o prelado.

Não há uma estratégia nacional para a dinamização deste ano, pois D. Joaquim Mendes considera que «cada diocese verá a melhor forma de cumprir os objectivos, pois terá de olhar para a sua própria realidade», mas garante que «há um caminho que se está a fazer».

ORAÇÃO À SAGRADA FAMÍLIA

Quando escreveu a Amoris laetitia, o Papa terminou a exortação com uma oração à Sagrada Família que aqui recordamos, como sugestão de oração em família:

Jesus, Maria e José,

em Vós contemplamos

o esplendor do verdadeiro amor,

confiantes, a Vós nos consagramos.

Sagrada Família de Nazaré,

tornai também as nossas famílias

lugares de comunhão e cenáculos de oração,

autênticas escolas do Evangelho

e pequenas igrejas domésticas.

Sagrada Família de Nazaré,

que nunca mais haja nas famílias

episódios de violência, de fechamento e divisão;

e quem tiver sido ferido ou escandalizado

seja rapidamente consolado e curado.

Sagrada Família de Nazaré,

fazei que todos nos tornemos conscientes

do carácter sagrado e inviolável da família,

da sua beleza no projecto de Deus.

Jesus, Maria e José,

ouvi-nos e acolhei a nossa súplica

Ámen.

RICARDO PERNA

 Família Cristã

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