China, Rússia e Síria visados, Estados Unidos poupados

Turbulência no Canal.

O escândalo “Panama Papers” ainda agora começou e já promete repercussões imprevisíveis à escala planetária, não poupando ricos e poderosos ligados à política, ao desporto, à finança, ao meio empresarial e ao crime organizado.

Na origem da investigação efectuada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla inglesa) estão onze milhões e meio de ficheiros desviados da firma panamiana de advogados Mossack Fonseca, que alegadamente terá ajudado importantes figuras mundiais, ou com elas relacionadas, a esconder avultadas somas de dinheiro em 21 paraísos fiscais.

Entre as jurisdições citadas, nota-se nesta ronda inicial de revelações a ausência de empresas ou entidades dos Estados Unidos. Com efeito, aguarda-se com expectativa o anúncio de mais notícias bombásticas, visto uma recente infografia do The Irish Times, publicação associada ao Consórcio, indicar o envolvimento de três mil e 72 companhias ou entidades norte-americanas, num total de 441 clientes, 211 beneficiários e três mil 467 accionistas.

Neste momento de maior impacto mediático e social o grande foco está centrado na China, sem esquecer a Rússia, a Síria, a Arábia Saudita e a Islândia. Numa segunda linha encontram-se países de variadíssimos quadrantes, tais como Angola, Brasil, Egipto, França, Geórgia, Grécia, Índia, Jordânia, Quénia, México, Nigéria, Paquistão, Panamá, Portugal, Senegal, Espanha, Reino Unido, etc.

 

Alvos

Deng Jiagui, cunhado de Xi Jinping, é citado no inventário da Mossack Fonseca em 2009. Li Xiaolin, filha de Li Peng, aparece nos registos da firma panamiana quando o pai era Primeiro-Ministro da RPC. Jasmine Li, neta de Jia Qinglin, quarto oficial na hierarquia do Partido Comunista entre 2002 e 2012, é pelo menos citada em 2009 e 2010. O arquitecto francês Patrick Henri Devillers é associado a Bo Xilai (entretanto caído em desgraça) entre 2000 e Novembro de 2011.

São quatro factos curiosos, porque os dados divulgados remontam ao tempo em que Xi Jinping não era Presidente da RPC, razão pela qual também não havia ainda instituído a política anti-corrupção, assente no combate aos “tigres” e às “moscas”.

Se até mesmo no sistema anteriormente vigente era notória a permissividade nas questões da corrupção, tal facto passou a ser completamente inadmissível após a sua eleição como Presidente em 2013.

Outros focos da investigação são a Rússia e a Síria, dois antagonistas dos americanos no xadrez da geoestratégia mundial, havendo em ambos os casos a clara intenção de atingir Vladimir Putin e Bashar al-Assad.

A Arábia Saudita, aliada dos Estados Unidos, também está sob escrutínio do ICIJ, através do rei Salman bin Abdulaziz e do príncipe herdeiro Mohammad bin Naif, o que coincidentemente vai ao encontro da mudança de paradigma da política externa de Washington para o Médio Oriente, sendo disso exemplo a célere e inesperada aproximação ao Irão, inimigo fidalgal dos sauditas.

Não é ainda de estranhar o grande destaque dado pela investigação ao Primeiro-Ministro islandês, Sigmundur Daviõ Gunnlaugsson, que ajudou a liderar a campanha contra os resgates bancários após a crise financeira islandesa de 2008, saindo a perder o Fundo Monetário Internacional e demais oligarquias associadas.

Lionel Messi, jogador do Barcelona; Pilar de Borbón, irmã do rei de Espanha, Juan Carlos; e Ian Cameron, pai do Primeiro-Ministro Britânico, David Cameron, foram outros alvos do ICIJ, embora o mediatismo alcançado na corporativa Imprensa ocidental não atingisse a dimensão do veiculado com Xi Jinping, Vladimir Putin, Bashar al-Assad e Sigmundur Gunnlaugsson.

Todavia, não parece ser inocente a aparição do Primeiro-Ministro David Cameron. Se tivermos em conta que está em perspectiva o referendo para a saída do Reino Unido da União Europeia, e porque o “Brexit” vai contra as pretensões dos Estados Unidos e da Alemanha, há que ganhar tempo e desviar o foco das atenções.

Referenciadas estão ainda 25 empresas ou entidades com sede em Macau, envolvendo quatro clientes, 22 beneficiários e 233 accionistas (os nomes das companhias devem ser conhecidos em Maio).

Não é surpresa que tal aconteça, porque algumas dessas companhias, até mesmo ligadas à indústria do Jogo, terão capitais estrangeiros. Falta saber se o escândalo vai atingir alguma figura pública local e que tipo de procedimento será adoptado pelas autoridades competentes da RAEM: se fecham ou não os olhos?

 

Equidade

Salvo raras excepções, nesta primeira fase de divulgação apenas constam na lista do ICIJ jurisdições que de alguma forma são contrárias, ou constituem empecilhos, às pretensões de Washington, em termos de domínio dos recursos hidro-geológicos, da predominância económica, ou dos interesses relacionados com a finança mundial e a indústria do armamento, o que em muitos casos parece denunciar um comportamento selectivo.

Na “Lista de Nacionais Especialmente Designados”, elaborada pelo Gabinete de Controlo de Activos Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, vigoram as sanções para pessoas ou entidades estrangeiras que estão impedidas de fazer negócios com empresas americanas. É o caso das empresas cubanas, algo que não acontece entre estas e as Ilhas Virgens Britânicas ou as Ilhas Caimão.

Se o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, com sede em Washington, quiser ganhar credibilidade após a sua divulgação selectiva terá forçosamente que encetar uma profunda investigação ao centro “offshore” de Delaware, nos Estados Unidos, porque não é de todo plausível que os russos, os chineses, os sírios e os islandeses, entre outros, sejam os maus da fita, enquanto os americanos – ricos e poderosos ligados à política, ao desporto, à finança, ao meio empresarial e ao crime organizado – sejam o exemplo a seguir.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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